A valorização do trabalho humano, base da Ordem Econômica da Constituição Federal, foi tema de debate na reunião da Diretoria Ampliada da Contee no sábado, 28 de novembro. Mais uma vez o assessor jurídico da Contee, José Geraldo de Santana Oliveira contribui para o conhecimento do tema e do debate.
A Constituição Federal (CF), de 1988, em seu Art. 1º, erige a dignidade da pessoa humana (inciso III) e os valores sociais do trabalho (inciso IV) como integrantes dos cinco fundamentos, sobre os quais se assenta a República Federativa do Brasil.
No Art. 170, caput, dispõe que a Ordem Econômica funda-se na valorização do trabalho humano; e, no 193, que a Ordem Social tem como base o primado do trabalho.
Pois bem. Passados mais de vinte e sete anos da promulgação da CF, os poderes da República, a quem cabe a inafastável obrigação de dar efetividade a estes fundamentos, pouco fizeram para tanto. No entanto, muito fizeram e continuam fazendo para esvaziá-los e transformá-los em meras declarações de intenções, sem efetividade e sem ressonância social. É raro o mês que não se noticia a produção de propostas de emendas constitucionais (PECs) e projetos de leis (PLs), com a finalidade de suprimir e/ou diminuir o alcance destes fundamentos.
À inércia do Poder Executivo e do Legislativo quanto à regulamentação de garantias constitucionais- como, por exemplo, a proibição de dispensa arbitrária ou sem justa causa, inserta no Art. 7º, inciso I, da CF-, somam-se as interpretações de dispositivos legais, que tocam profundamente a vida dos trabalhadores, dadas pelo Poder Judiciário, em sentido diametralmente oposto aos fundamentos, princípios e garantias constitucionais.
Não é rara a interpretação extensiva, quando é para beneficiar o empregador, como a que se dá ao aviso prévio. Nos termos do Art. 7º, da CF, este é direito exclusivo do empregado. Mas, como o Art. 487, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com redação anterior à CF, de 1988, estende-o ao empregador, a Justiça do Trabalho, na contramão desta, mantém entendimento firme de que este dispositivo continua em vigor. Ou seja, tento para o empregador.
No entanto, quando a interpretação conforme a CF beneficia o empregado, a Justiça do Trabalho o faz de forma restritiva, com o claro propósito de lhe diminuir o alcance.
Dentre as muitas aflições decorrentes de interpretação restritiva da Justiça do Trabalho, que atormentam os trabalhadores brasileiros, em seu cotidiano, encontra-se a que se dá ao § 6º, do Art. 477, da CLT, que trata do prazo limite para o pagamento de verbas rescisórias, decorrentes de rescisões de contrato.
Consoante este §, “ O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos: a) até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato; ou b) até o décimo dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência do aviso prévio, indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento”.
Apesar de a rescisão de contrato de trabalho revestir-se complexidade, não se resumindo ao pagamento de verbas rescisórias, pois que envolve também o seguro desemprego, (Lei N. 7998/1998), e saque do FGTS (Lei N. 8036/1990), quando aquela decorrer de dispensa sem justa causa; o TST aplica ao § 6º, do Art. 477, da CLT, interpretação literal.
Desafortunadamente, para os empregados, o entendimento consolidado no TST é o de que se o pagamento for efetuado até a data limite, não há prazo para a homologação do termo de rescisão de contrato, e, como consequência, não há penalidade para a empresa que o não fizer concomitantemente com o pagamento das verbas rescisórias.
Ainda na esteira da conveniente interpretação restritiva, o TST entende que, se a rescisão do contrato de trabalho tiver como causa a morte do trabalhador, não há prazo legal nem mesmo para o pagamento das verbas rescisórias, posto que esta modalidade de rescisão não é prevista no comentado § 6º, do Art. 477, da CLT.
O Ministério do Trabalho e Emprego (M T E) segue idêntica trilha, como se colhe de sua Instrução Normativa (IN) N. 3/2002, que assim dispõe:
“DOS PRAZOS
Art. 11. Ressalvada a disposição mais favorável prevista em convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa, o pagamento das parcelas devidas a título de rescisão contratual deverá ser efetuado nos seguintes prazos:
I – até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato; ou
II – até o décimo dia, contado da data da notificação da demissão, no caso de ausência de aviso prévio, indenização deste ou dispensa de seu cumprimento.
§ 1º (Revogado)
§ 2º Na hipótese do inciso II, se o dia do vencimento recair em sábado, domingo ou feriado, o termo final será antecipado para o dia útil imediatamente anterior.
§ 3º A inobservância dos prazos previstos neste artigo sujeitará o empregador à autuação administrativa e ao pagamento, em favor do empregado, do valor equivalente ao seu salário, corrigido monetariamente, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador tiver dado causa à mora.
§ 4º O pagamento das verbas rescisórias em valores inferiores aos previstos na legislação ou nos instrumentos coletivos constitui mora do empregador, salvo se houver quitação das diferenças no prazo legal.
§ 5º O pagamento complementar de valores rescisórios, quando decorrente de reajuste coletivo de salários (data-base) determinado no curso do aviso prévio, ainda que indenizado, não configura mora do empregador, nos termos do art. 487, § 6º, da CLT”.
Confortados por tal interpretação restritiva, que nega os preceitos constitucionais, a cada dia cresce o número de empresas que se limitam a depositar, na conta bancária do trabalhador, as verbas rescisórias, no prazo limite; sabedores de que não serão punidas por esta conduta dolosa, deixam a homologação do termo de rescisão mofar-se em suas mesas, por meses a fio.
Como já anotado, a falta de homologação do termo de rescisão de contrato de trabalho, com mais de um ano de duração, impede o trabalhador de sacar o FGTS e de requerer o seguro-desemprego. Com isto, ele fica sem emprego, sem FGTS, sem seguro desemprego , sem amparo e à míngua da própria má sorte. A isto, os poderes da República chamam de valorização do trabalho humano.
Muito se tem discutido sobre o que fazer para coibir esta criminosa prática empresarial, que se avoluma a cada dia, aumentando o sofrimento dos já desamparados desempregados.
Tomando-se por base a letra da lei e o entendimento da Justiça do Trabalho e do MTE, somente um caminho se apresenta como seguro e insuscetível de interpretação restritiva, qual seja o da alteração do § 6º, do Art. 477, da CLT, incluindo-se, nos prazos por ele previstos, a obrigatoriedade de homologação do termo de rescisão de contrato, sob pena de incidência da multa de um salário, estabelecida pelo § 8º, deste Art.. Justificativas para esta alteração sobejam.
Para que o realçado dispositivo legal alcance, também, o ato de homologação de contrato, a sua redação deve dizer, ao menos, o seguinte:
“ § 6º – O pagamento das verbas rescisórias e a competente homologação dos correspondentes termos de rescisão de contrato de trabalho, quando esta for legalmente exigida, devem ser obrigatoriamente efetivados, nos seguintes prazos: a) até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato; ou b) até o décimo dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência de aviso prévio, indenização deste, dispensa de seu cumprimento ou morte do trabalhador”.
Fonte: Contee