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O ‘sonho dantesco’ da sessão que aprovou a MP 665

“Qual um sonho dantesco as sombras voam!…

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!…” 

Os emblemáticos a apavorantes versos da epígrafe representam a forma poética, em linguagem metafórica, como o mais ardoroso abolicionista brasileiro de todos os tempos, o imortal Poeta Castro Alves, descreve o tráfico negreiro – pai da escravidão negra -, no mais vibrante e retumbante brado contra essa inapagável horrenda mácula da história: o poema “O Navio Negreiro”, escrito em 1868.

Pois é, quem não conhece o contexto dos abjetos tráfico negreiro e escravidão negra, e teve o desonroso desatino de assistir ao vivo – ou o fizer por vídeo -, o desenrolar da sessão plenária da Câmara Federal do dia 6 de maio corrente, quando foi votada a conversão da Medida Provisória N. 665/2014 em projeto de lei (PL) que reduz o seguro-desemprego, o seguro defeso e o abono salarial, ficou – fica e ficará – com a nítida impressão  de que o poeta Castro Alves acabara de escrever os epigrafados versos com a finalidade de descrever tal sessão; pois, nela, fantasmagóricas sombras voaram e Satanás riu-se, a riso solto, durante várias horas em que durara.

O espetáculo produzido por tal sessão é inenarrável e inimaginável; nela, viu-se – vê-se e ver-se-á – porque essas imagens e os seus nefastos reflexos são indeléveis. Por um lado, partidos políticos de trajetória longeva, sempre em prol e em defesa dos direitos fundamentais sociais e das justas reivindicações dos trabalhadores, e que nunca se curvaram ante o perigo e o terror, como o PCdoB e o PT, orientarem as suas bancadas a votar pela drástica redução destes, objetivo primeiro e maior da destacada MP.

Por outro, partidos políticos com trajetória diametralmente oposta, como o PSDB, o DEM, o PPS e o Solidariedade – madrugadores de primeira hora na centenária sanha do empresariado brasileiro de promover a redução de custos de seus empreendimentos, e, por conseguinte, o aumento de seus lucros a custo da supressão dos comentados direitos – orientarem as suas bancadas a votar pela rejeição da MP; e, o que é pior, alardearem que assim agiam em defesa dos trabalhadores, quando, em verdade, fizeram-no com a única finalidade de enfraquecer e desacreditar o governo Dilma, para, com isso, arrumarem pretexto para aplicação de golpe institucional, e, assim, recuperarem o poder político que perderam, pelo voto, em quatro eleições presidenciais sucessivas.

Para ilustrar essa assertiva, basta que se diga que todos os deputados do PSDB, sem falta e exceção, votaram não.

Esses falsos defensores dos trabalhadores são os mesmos que em abril próximo passado aprovaram o Projeto de Lei (PL) N. 4330/2004, que, se for convertido em lei, representará a maior e mais certeira derrota destes de todos os tempos, transformando os fundamentos, os princípios e garantias constitucionais de dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e do bem estar e da justiça sociais em escombros, em  terra arrasada.

A conduta desses falsos paladinos dos direitos encaixa-se como luva na crônica (sem data) de Machado de Assis, “A Igreja do Diabo”; senão, vejam-se, em alguns de seus  excertos:

“Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada. Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada.  […] Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente.”

Nunca foram vistos tantos canhotos, no sentido machadiano, como na realçada sessão plenária da Câmara Federal; haja fraude e hipocrisia.

É bem de ver-se – e é preciso que se registre- que muitos deputados que votaram pela rejeição da realçada MP fizeram-no por convicção e por coerência, como dois do PCdoB, vários do PSB e do PDT e todos do PSOL, e alguns de outros partidos, até mesmo dos adeptos da igreja do Diabo, não podendo, em hipótese alguma, ser postos nesta fantasmagórica nau dos hipócritas.

Faz-se imperioso salientar que, igualmente, soa falsa e desprovida de sinceridade a afirmação de que o governo negociou e transigiu. Isto é facilmente desmentido pelo simples cotejo entre os direitos que eram garantidos e os que restaram após a aprovação da MP em questão. O que em verdade aconteceu é que o governo não conseguiu reduzir os direitos ao seguro-desemprego e defeso e ao abono salarial na proporção determinada pela MP 665/2014; e nada mais.

Ora, como se pode chamar de negociação a sanha de quem pretende subtrair, à força, direitos fundamentais, assegurados, consagrados, como o são os aqui discutidos, em grande parcela,  mas que, por força de repúdio quase generalizada deste ato de subtração, viu-se contingenciado a contentar-se com uma parcela menor?

Após as idas e vindas dessa suposta negociação, os trabalhadores não só não ganharam nada como viram dobrar a exigência para conseguir o seguro-desemprego e o defeso, e a lei alterar a Constituição Federal (CF) – o que é inadmissível no constitucionalismo brasileiro, em que impera a superioridade constitucional – para reduzir a quase nada o alcance do abono salarial, garantido pelo Art.239, § 3º, da CF.

Se os verbos negociar e transigir guardassem alguma sintonia com os resultados da MP 665/2014, seria absolutamente imprescindível a sua revogação, por decreto irrevogável.

Diante deste quadro dantesco, só resta aos trabalhadores seguirem a inesquecível lição do escritor norte-americano John Dickson: “Unidos ficamos de pé. Divididos, caímos”.

 

José Geraldo de Santana Oliveira é Assessor Jurídico do Sinpro Goiás