A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força de trabalho consome-a, fazendo o vendedor dela trabalhar. Este, ao trabalhar, torna-se realmente no que antes era apenas potencialmente: força de trabalho em ação, trabalhador. Para o trabalho reaparecer em mercadorias, tem de ser empregado em valores-de-uso, em coisas que sirvam para satisfazer necessidades de qualquer natureza. (…) A produção de valores-de-uso muda sua natureza geral por ser levada a cabo em benefício do capitalista ou estar sob seu controle. Por isso, temos inicialmente de considerar o processo de trabalho à parte de qualquer estrutura social determinada. (Karl Marx)
Nas últimas semanas a Classe Trabalhadora brasileira tem convivido com seu pior pesadelo, ou seja, a aprovação do Projeto de Lei da Terceirização (PL 4.330) de autoria do deputado federal Sandro Mabel (PMDB-GO) em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Sandro Mabel, empresário proprietário de uma indústria de alimentos em Goiás (Grupo Mabel produtor das rosquinhas Mabel) apresentou este projeto de lei em 2004. De lá para cá todos os Presidentes da Câmara decidiram não colocar tamanho ataque aos direitos trabalhistas em votação. Mas, o atual Presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), representante dos interesses mais reacionários e conservadores da sociedade brasileira, resolveu colocar em votação, a toque de caixa, no plenário daquela Casa Legislativa o PL 4.330. Iniciou-se então o mais novo e trágico capítulo da luta de classes no Brasil.
Apesar de a prática da terceirização já ser uma realidade no Brasil, introduzida aqui durante o governo tucano de FHC, não atingia a atividade fim. Já o PL 4.330, da forma como foi aprovado na Câmara, simplesmente acaba com a atividade fim. O STF já tinha produzido uma Súmula no qual considera inconstitucional a terceirização da atividade fim das empresas. Dessa forma, bancos não podem terceirizar bancários e gerentes, escolas não podem terceirizar professores, hospitais não podem terceirizar médicos e enfermeiros e assim por diante. Somente as atividades meio podem ser subcontratadas, como serviços de limpeza e segurança, por exemplo.
Como se não bastasse esse ataque mortal ao direito dos trabalhadores, o PL 4.330 também estabelece que os acordos e convenções coletivas de trabalho assinadas entre os sindicatos patronais e de empregados não se aplicam aos terceirizados. Logo, estes trabalhadores teriam garantidos somente os direitos previstos na CLT, perdendo todos os outros direitos conquistados através de suas lutas históricas e presentes em seus respectivos acordos e convenções coletivas. E, em última análise, a terceirização das atividades fim certamente levará ao enfraquecimento e esvaziamento dos sindicatos de trabalhadores. Portanto, trata-se do maior retrocesso social da história do Brasil. Segundo Helder Amorim, Procurador do Trabalho de Minas Gerais, a terceirização rebaixa o nível de vida do trabalhador e suas condições de proteção jurídica e social. Hoje existem 12 milhões de trabalhadores terceirizados no mercado de trabalho brasileiro, contra 33 milhões de trabalhadores diretos com vínculo formal e direto com suas respectivas empresas que agora correm o risco de perderem seus empregos diretos em favor de trabalhadores terceirizados mais baratos.
O trabalho terceirizado, até pela própria lógica e sistemática concorrencial deste tipo de negócio busca somente a redução de custos, neste caso, custos de mão-de-obra. Assim, a remuneração dos terceirizados será sempre inferior à dos trabalhadores diretos. Além de condições de trabalho muito mais precárias e inseguras devido ao baixo investimento em ações de segurança do trabalho e na saúde do trabalhador. Segundo pesquisa do DIEESE, o trabalhador terceirizado tem uma jornada semanal em média de três horas a mais e um salário 30% menor que o trabalhador direto. Logo, a terceirização significa um rebaixamento das condições e da valorização do trabalho, atendendo unicamente ao interesse dos capitalistas. A aprovação do PL 4.330 significará a maior desregulamentação trabalhista de nossa história. Nada parecido aconteceu desde a criação da CLT em 1942.
No México, a terceirização é chamada de subcontratação e foi aprovada em 2012 no bojo da Nueva Ley Federal del Trabajó. Em uma década, o número de terceirizados explodiu no México, passando de 8,6% da força-de-trabalho em 2004 para 16% em 2014. Por lá, o caso mais simbólico foi o do Bancomer que criou uma empresa de mão-de-obra em 2006 e para ela transferiu 100% de seus funcionários. Isto é, um banco sem nenhum bancário. Com isso, se viu livre de cumprir os acordos coletivos de trabalho até então negociados e assinados com o Sindicato dos Trabalhadores de Bancos do México. Em pouco tempo outros bancos mexicanos seguiram o mesmo caminho, além de megaempresas comerciais como a rede Walmart. O que levou ao enfraquecimento dos sindicatos de trabalhadores a ponto de alguns deles desaparecer dando lugar a “sindicatos” criados pelos patrões e donos das terceirizadoras. Os setores mais vulneráveis da sociedade foram os mais atingidos pela terceirização, como mulheres, jovens, camponeses e minorias étnicas.
Estudos da OIT e da Cepal comprovam que a terceirização não traz nenhum benefício aos trabalhadores, pois visa tão somente a redução do custo do trabalho. Nem mesmo o discurso de que ela promove a geração de empregos é verdadeiro. As taxas de desemprego no México permaneceram inalteradas desde a promulgação da lei da subcontratação em 2012. Segundo o XVI Informe de Violaciones a Los Derechos Humanos Laboralesde 2012, produzido pelo Centro de Reflexión y Acción Laboral (CEREAL), foi o maior ataque e desmonte da legislação trabalhista mexicana desde 1931 quando foi criada a Ley Federal de Trabajo resultante da Revolução Mexicana, que garantiu aos trabalhadores mexicanos direitos trabalhistas, como contrato coletivo, jornada de trabalho de oito horas, pagamento de horas extras, estabilidade no emprego, direito à sindicalização e à greve, pagamento de bônus natalino entre outros.
A Nueva Ley Federal del Trabajo de 2012 atingiu mortalmente os direitos trabalhistas dos mexicanos extinguindo o direito à estabilidade no emprego, atacando o direito à associação sindical e rompendo com o equilíbrio de forças entre capital e trabalho colocando em risco direitos humanos básicos, como alimentação e vida digna, seguridade social, educação e até mesmo o meio ambiente e as culturas populares. Tudo em favor de interesses capitalistas de um estado tomado de assalto por empresários neoliberais sedentos por redução de custos para que possam concorrer num mercado globalizado.
Por aqui no Brasil, o PL 4.330 dará entrada no Senado Federal no próximo dia 05 de maio. O Presidente do STF, Ricardo Lewandowski, já afirmou haver inconstitucionalidades neste projeto de lei. Já o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB/AL) afirmou que não permitirá que este projeto tramite por aquela Casa Legislativa da forma como se deu na Câmara federal, ou seja, a toque de caixa. Para ele, deve tramitar por todas as Comissões antes de ser submetido à apreciação do plenário do Senado, podendo inclusive simplesmente arquivá-lo sem coloca-lo na pauta de votações devido à insegurança jurídica que enseja no mundo do trabalho. A Presidenta Dilma Rousseff em visita a Xanxerê, cidade catarinense atingida por um tornado, afirmou ser contrária ao PL 4.330 da forma como foi aprovado na Câmara dos Deputados e, se aprovado da forma como está poderá ser vetado no todo ou em parte. De toda forma, cabe à sociedade manter-se vigilante para não ver seus direitos sacrificados em nome do lucro e da ganância capitalista. A pressão vinda da Classe Trabalhadora já gerou reflexos na votação do projeto na Câmara. Na primeira votação o projeto foi aprovado com 323 votos a favor e 132 contra. Depois de apresentados os destaques e as emendas aglutinativas foi novamente colocado em votação, menos de uma semana depois, foi aprovado com 230 votos a favor e 203 votos contrários.
Um projeto de lei que tem apoio dos empresários e das entidades de classe patronais não será nunca favorável aos trabalhadores. No Chile, a terceirização foi fruto da ditadura militar quando Pinochet introduziu esta forma de subcontratação ainda nos anos 1970. Só por aí já é possível se ter uma ideia do que realmente há por trás deste projeto de lei.
*O autor é Doutor em Ciência Política pela UFMG e Mestre em Ciências Sociais pela PUCMinas. Diretor do Sinpro Minas e da Contee. Revisor ad hoc do e Journal of eDemocracy and Open Government e da Revista Temas da Administração Pública da Unesp. Membro do Comitê Científico da Revista Extra-Classe. Professor da Epcar e vencedor do XI Prêmio Tesouro Nacional em 2006.
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Fonte: Contee
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Jorn. FERNANDA MACHADO
Assess. de Imprensa e Comunic. do Sinpro Goiás