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“Sistema político brasileiro impede entrada e permanência de mulheres”, diz socióloga

Estudo divulgado em agosto revela que o país tem a menor participação de mulheres no Poder Legislativo da América Latina

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Deputados Federais durante a votação do Impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff / Antonio Augusto/ Câmara dos Deputados

Uma pesquisa divulgada no final de agosto pelo Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (Celag), mostra que o Brasil tem o menor número de mulheres ocupando cargos de poder na Câmara e no Senado dos países da América Latina. O documento analisa a composição etária e de gênero dos parlamentos latino-americanos, e a compara com os dados populacionais de cada país.

No Brasil, de acordo com a pesquisa, há uma relação de 96 homens a cada 100 mulheres, o que representa quatro milhões de mulheres a mais na população. Apesar deste dado, e da Lei Nº 9.504, de 1997, que estabelece que cada partido deve preencher o mínimo de 30% de candidaturas femininas, a presença de mulheres no Congresso é mínima: dos 513 Deputados Federais, apenas 54 são mulheres, ou 11%. No Senado a percentagem de mulheres não passa de 16%.

Para Masra de Abreu, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessorias (CFemea), a permanência do país entre os países da região com menor representatividade feminina reflete um mecanismo sistêmico da política brasileira.

“A forma como ele é concebido e gerido pelos homens brancos, de classe média, ricos, empresários, representantes das bancadas ruralistas conservadoras, cria sempre mecanismos de impedir o acesso das mulheres ao poder. Nosso sistema é bem claro na mensagem que ele passa de que a política não é para ser feita por mulheres. 52% da população brasileira é formada por mulheres. Mulheres não estão votando em mulheres, porque o sistema político, por vários fatores, impede a entrada e permanência de mulheres”, afirmou.

Divisão sexual da política

Há 30 anos o CFemea realiza o monitoramento feminista do legislativo brasileiro, por meio do Radar Feminista do Congresso. A pesquisadora aponta que a escassa proporção de candidaturas de mulheres ocorre apesar da existência da Lei de Cotas, e de uma decisão tomada neste ano pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de que os partidos devem repassar 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para a candidatura de mulheres.

Maíra Kubik, professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o único do Brasil, descreve uma série de elementos que explicam o fato de as mulheres nunca terem ultrapassado, na história do país, 12% da Câmara Federal.

“As mulheres têm muita dificuldade em conseguir se dedicar à política institucional, por conta de uma divisão sexual do trabalho, que coloca os homens mais na esfera pública e as mulheres mais na privada. Quando as mulheres conseguem superar essa barreira, percebemos que elas têm muita dificuldade para se tornar lideranças reconhecidas. Isso tem muito a ver com a tradicional hierarquização da política que coloca os homens como os principais atores desse espaço. Quando elas conseguem ter sua candidatura aprovada, elas também têm menor financiamento que os homens, e poucas vezes são elencadas como candidaturas prioritárias”, explicou.

Intersecção

Kubik também alerta para a presença ainda menor de pessoas não brancas no Congresso. Menos de 5% dos parlamentares são negros: 24 deputados federais e três senadores. Com o recorte de mulheres negras, que representam metade da população de mulheres no país, a porcentagem na Câmara cai para 0,39%.

“São muito comuns os depoimentos de mulheres negras que atuam na política institucional que denunciam essa dupla dificuldade, de sofrer um preconceito por machismo e racismo. São candidaturas que obtém menos financiamento, visibilidade, apoio, [e têm] muita dificuldade para fazer essa estruturação da campanha”, afirmou.

O golpe sofrido pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016, também foi destacado pelas especialistas como um acontecimento que impacta negativamente na inserção institucional de mulheres na política. Em contrapartida, o movimento feminista #Elenão, contra a candidatura presidencial de Jair Bolsonaro (PSL) é visto com otimismo, como destaca Masra de Abreu.

Golpe machista

“O Impeachment foi altamente misógino e machista. Acompanhamos a composição do governo Temer e ele terminou de acabar com a Secretaria de Política para Mulheres; a política de enfrentamento à violência contra mulheres perdeu 70% do orçamento. Por outro lado, dá um alívio ver o levante que temos, já que a maior resistência ao Bolsonaro vem das mulheres. Se ele não for eleito a responsabilidade vai ser nossa. Mesmo assim, precisamos reconstruir toda uma narrativa sobre o papel das mulheres na sociedade. Nesse bojo, aparecem candidaturas alternativas à essa narrativa tão violenta, de mandatos de mulheres da periferia, mulheres negras, mandatos coletivos, então acho que mesmo em um cenário tão adverso, as mulheres estão provocando um debate de uma possível transformação do sistema político”, concluiu.

O número de registro de candidaturas de mulheres aumentou levemente nestas eleições em comparação com as últimas eleições de 2014. Segundo o TSE, em 2018, 8.435 mulheres apresentaram candidaturas, e na disputa eleitoral anterior foram 8,1 mil. Apesar disso, em relação ao total de candidaturas, a proporção feminina diminuiu de 31,1% em 2014 para 30,7% neste ano. Segundo dados da Justiça Eleitoral, a maioria das candidatas de 2018 se declara branca (51,7%) e parda (33,4%). Mais de 60% das candidaturas são para vagas de deputadas estaduais, e 30% para federais.

A manutenção do atual Congresso Brasileiro nessas eleições é um dos grandes obstáculos para alcançar qualquer mudança em relação à sub-representação de mulheres. Segundo um levantamento feito pela Folha de S. Paulo com base nos registros de candidaturas na Justiça Eleitoral, 80% dos atuais deputados federais buscam a reeleição.

Brasil de Fato

https://www.brasildefato.com.br/2018/09/21/sistema-politico-brasileiro-impede-entrada-e-permanencia-de-mulheres-diz-sociologa/

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A juíza Valdete Severo analisa a violência do capital contra o trabalho

 

A juíza Valdete Souto Severo atua no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, em Porto Alegre, e também integra a Associação Juízes pela Democracia. Em entrevista à revista Visão Classista, Valdete analisa a conjuntura nacional, focada nas novas leis trabalhistas e em outras aberrações jurídicas instituídas pelo atual governo. Para a magistrada, a sociedade brasileira precisa firmar um novo pacto social que não se paute na acumulação de riqueza, e que resgate o compromisso com os direitos sociais, a dignidade humana e o bem comum.

Leia a entrevista publicada na revista Visão Classista:

Visão Classista: Por que a reforma trabalhista é tão prejudicial à classe trabalhadora?

Valdete Severo: Trata-se de um movimento que já vem ocorrendo há algum tempo e que se aguça, a partir da ruptura democrática em 2016, com o severo corte de orçamento, com a aprovação da Emenda à Constituição (EC) 95 que congela gastos sociais por 20 anos e, agora, com as Leis 13.429 (terceirização) e 13.467 (reforma trabalhista). As alterações são tantas e tão ruins, que é difícil apontar as mais relevantes.

No âmbito do direito material, as possibilidades de contratação precária, como intermitente, temporário, autônomo exclusivo; a possibilidade de jornada de 12h por acordo individual e com supressão do intervalo de descanso; regras sobre salário, com a possibilidade de pagamento de prêmio como se fosse indenização; regras sobre despedida, permitindo que o trabalhador renuncie aos direitos, se aderir a plano de demissão voluntária. No âmbito coletivo, a possibilidade de criar norma coletiva suprimindo direitos, a previsão de representação de empregados no âmbito da empresa como forma de esvaziamento da atuação sindical são exemplos de imposições legais extremamente nocivas à organização coletiva dos trabalhadores e trabalhadoras.

A Justiça do Trabalho perde com essa nova lei?

Perde, e muito. A “reforma” ameaça concretamente a existência da Justiça do Trabalho. Tenta vedar o acesso à justiça, criando a possibilidade de termo de quitação anual, e criando ônus para as trabalhadoras e trabalhadores, mesmo que beneficiários da gratuidade da justiça. A Lei 13.467/2017, para além de todos os males que provoca, retirando direitos, esvaziando a atuação coletiva e alterando regras processuais em benefício de empregadores inadimplentes, insere na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) regras que tornam o exercício regular do direito fundamental de acesso à justiça um ato ilícito. Pelos termos dos artigos inseridos na CLT, ajuizar demanda trabalhista sem a certeza do resultado final positivo passa a ser ato suscetível de punição. Tanto assim que o trabalhador ou a trabalhadora, mesmo beneficiários da gratuidade da justiça, serão – pelos termos dessa lei absurda – condenados a pagar custas e honorários de perito e de advogado ao patrono da empresa em relação a pedidos sobre os quais não houver procedência.

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Como a sra. vê a atuação do movimento sindical pela revogação da reforma? É possível?

É sempre possível. Nada, no campo jurídico, pode ser compreendido como irreversível. Temos a possibilidade concreta, inclusive, de revogação dessas leis inconstitucionais aprovadas durante o governo Temer.

As eleições são um bom momento para mudarmos essa triste realidade?

Claro que tudo dependerá das escolhas que faremos nas eleições deste ano. Para além da possibilidade concreta (e necessária no horizonte utópico da crença na retomada de um ambiente democrático no Brasil) de revogação da “reforma”, temos ainda a possibilidade – e penso eu, o dever – de interpretar essa lei a partir de um filtro constitucional e convencional, deixando de aplicá-la ou dando-lhe interpretação que não es – vazie o conteúdo dos direitos mínimos previstos na Constituição Federal de 1988 nem daqueles contidos em Convenções e Recomendações da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e mesmo em pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de San Jose da Costa Rica, de 1969. O documento tem como objetivo estabelecer os direitos fundamentais da pessoa humana, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação.

A política está excessivamente judicializada?

A judicialização da política, embora pareça um tema atual, não é propriamente uma anomalia. Faz parte do sistema. O Direito moderno e a noção que temos de Estado, repartido em três poderes supostamente independentes, tem compromisso com um tipo específico de sociedade. Tanto o ordenamento jurídico quanto a forma de regulação e intervenção estatal nas relações sociais têm o objetivo claro de consolidar e manter uma sociedade de trocas para a qual a proteção à propriedade privada está no centro das preocupações de quem dita as regras do jogo. Sempre houve uma conformação de forças políticas e jurídicas para que a dominação fosse mantida. O simples fato de que os tribunais superiores sejam formados por membros indicados por quem detém o poder demonstra isso.

Como construir uma sociedade na qual as leis sejam realmente para todos?

O que vemos hoje, parece-me, é um esgotamento dessa fórmula de convívio social, de modo que mesmo os (falsos) acordos simbólicos pelos quais éramos levados a crer na possibilidade de aplicação “pura” do Direito ou de separação entre política e aplicação das regras jurídicas foram quebrados. Então, a questão não é como construir uma sociedade que respeite as leis, e sim como construir uma sociedade em que os parâmetros de convívio social não estejam mais baseados na acumulação de riquezas, na facilitação de acesso (inclusive do que é público) para quem tem patrimônio e do alijamento de parte importante da população de todas as possibilidades de vida minimamente digna. O problema, portanto, não é como impor respeito às leis, especialmente se vivemos (já há algum tempo, aliás) uma lógica de hiperinflação legislativa, em que temos leis que se contradizem e que afrontam a ordem constitucional, como é o caso da “reforma”. Nossa questão é muito mais profunda, diz respeito à necessidade de refundarmos nosso pacto social.

Trata-se de recuperar os princípios da Carta Magna, que neste ano completa 30 anos?

Devemos recuperar as razões pelas quais em 1988 optamos por constituir uma ordem jurídica fundada no “bem de todos”, na redução das desigualdades e na busca da preservação da dignidade; compreender o quanto de realidade e o quanto de retórica havia e há no discurso constitucional e nos com – prometermos com alterações radicais nas “regras do jogo” que nos permitam sair desse círculo vicioso em que o Direito serve apenas para reproduzir a dominação, no qual as leis são observadas quando servem aos interesses de quem detém o poder e são solenemente ignoradas quando lhes interessa. “A questão é como construir uma sociedade em que os parâmetros de convívio social não estejam baseados na acumulação de riquezas, na facilitação de acesso (inclusive do que é público) a quem tem patrimônio e do alijamento de parte importante da população de possibilidades de vida minimamente digna.”

ato contra a reforma da previdencia na avenida paulista 1

A eleição deste ano pode restaurar a paz no país?

Não acredito que irá restaurar a paz. Precisaríamos, aliás, discutir profundamente o conceito de paz, para que uma tal afirmação fosse possível. Creio, porém, na importância ímpar que as eleições de 1988 adquirem num contexto de exceção não declarada, como o que estamos vivendo. A prática do direito liberal de voto, sobretudo se operar a mudança de rumo necessária no poder executivo, mas sobretudo no poder legislativo, poderá permitir a retomada do compromisso com a realização de direitos sociais ou mesmo evidenciar a total falência do nosso modo de organização social. Poderá aguçar os problemas com os quais já lidamos, institucionalizando a ruptura democrática, a depender de quem for eleito, mas poderá também marcar o início da reação contra a intolerância, o autoritarismo e o retrocesso social que estamos experimentando.

A violência cresce no Brasil, as maiores vítimas são jovens negros da periferia, LGBTs e mulheres. Como enfrentar?

A violência, real e simbólica, também é uma marca do modelo de sociedade que temos. Defensores de Direitos Humanos vêm sendo eliminados há muito tempo. Podemos lembrar Chico Mendes, dentre tantos outros. Em 2013, os movimentos sociais que se organizaram para reivindicar mudanças foram criminalizados, com a edição, inclusive, de uma lei “antiterrorismo” no ano seguinte, em evidente subversão das práticas democráticas. A violência simbólica não é menos deletéria. A necessidade de utilizar meios de transporte hiperlotados, de trabalhar 12h ou mais, muitas vezes em pé, sem intervalo e sob as intempéries, de se sujeitar a relações assediadoras sem a possibilidade concreta de enfrentamento da cotidiana realidade de desconstituição da dignidade de quem trabalha que se opera desde os mais simples procedimentos empresariais, como a lógica da revista de bolsas e mochilas ao final da jornada, são formas de violência simbólica muito efetivas, pois praticamente criam duas classes de seres humanos.

A violência é do capital contra o trabalho?

Os trabalhadores e trabalhadoras são os sujeitos que devem aceitar passivamente a violência e ainda agradecer pelo fato de que, em um país com mais de 14 milhões de desempregados, tenham ainda uma fonte de subsistência. A essa violência simbólica soma-se outra, ainda mais per – versa, praticada diariamente por uma mídia comprometida com o capital, que reproduz discursos mentirosos, tentando convencer a classe trabalhadora de que “reformas” que suprimem direitos básicos são necessárias ou positivas, fingindo uma realidade que não existe. O reconhecimento de que a realidade capitalista reproduz e mesmo incentiva uma violência direcionada, real e simbólica, nos faz perceber que não há atos imediatos que possam barrar esse movimento. Novamente aqui, enfrentar a violência passa por discutir seriamente e alterar as bases de nosso convívio social.

O estado de exceção e a reforma trabalhista aguçam a violência?

O combate à violência não se dá pela violência institucional e já devíamos ter aprendido isso. Se quisermos realmente combater as causas de violência real e simbólica, para além da superação do modelo de sociedade que temos, devemos investir em educação crítica, de qualidade. Investir em garantia efetiva de direitos sociais. Como dizia Bertolt Brecht (dramaturgo alemão, que viveu de 1898 a 1956), quem passa fome não consegue pensar em outra coisa, que não conseguir algo para comer. Essa é a razão pela qual é possível afirmar que o desmanche de direitos sociais trabalhistas promovidos atualmente, do qual a “reforma” é um símbolo importante, tem relação direta com o aumento da violência. É preciso compreender a lógica da violência institucionalizada, para combate-la, e para que essa compreensão exista, precisamos de uma sociedade formada por pessoas que tenham condições de moradia, alimentação, saúde, trabalho e lazer. O papel dos movimentos sociais e o movimento sindical é essencial nesse contexto. Seja de modo imediato conduzindo uma campanha de conscientização sobre a importância do voto este ano, seja como movimentos de tensionamento do capital, de luta por condições dignas de existência.

ensine os homens a respeitar nao as mulheres a temer

Por fim, como juíza do trabalho, a sra. enfrentou ou enfrenta preconceitos, num país machista como o nosso?

Não há como escapar de uma lógica social machista como a nossa. Nem mesmo quando temos posições privilegiadas em relação a outras profissões, como é o caso da magistratura. O machismo, especialmente aquele que se disfarça em discursos de tom jocoso ou sob a pretensão de atenção à mulher, também precisa ser combatido com práticas de vivência social que desde a infância superem as falsas diferenças e reconheçam as peculiaridades reais entre os seres humanos.

Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB

http://portalctb.org.br/site/noticias/brasil/a-juiza-valdete-severo-analisa-a-violencia-do-capital-contra-o-trabalho-em-entrevista-confira

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Militarização do ensino fere a Constituição

A rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação divulgou um extenso documento contra a militarização das escolas. De 2013 a 2018, o número de escolas estaduais geridas pela Polícia Militar (PM) saltou de 39 para 122 em 14 estados — um aumento de 212% —, conforme a revista Época. Em 2019, outras 70 escolas deverão seguir esse caminho.

A entrega da gestão de escolas públicas à PM aparece como uma resposta à crescente violência no ambiente estudantil, contra professores, servidores e entre os próprios alunos, do tráfico de drogas. Busca disciplina, respeito e melhora no desempenho escolar. Adota obrigação de continências, controle do vocabulário utilizado e uniformes e cortes de cabelo militares.

O Fórum Estadual de Educação (FEE) de Goiás, estado precursor dessa iniciativa e em que existem 53 mil alunos nas 46 escolas administradas pela PM, considerou que sua adoção acaba por “determinar a cobrança de taxas em escolas públicas; implantar uma gestão militar que não conhece a realidade escolar, destituindo os diretores eleitos pela comunidade escolar; impor aos professores e estudantes as concepções, normas e valores da instituição militar, comprometendo o processo formativo plural e se apropriando do espaço público em favor de uma lógica de gestão militarizada; reservar 50% das vagas da escola para dependentes de militares”.

A coordenadora do FEE-Goiás, Virginia Maria Pereira de Melo, acredita que os resultados obtidos nestas escolas “são decorrentes não da gestão militar, mas das condições diferenciadas efetivamente oferecidas. Caso essas mesmas condições estivessem presentes nas demais escolas públicas, elas e seus profissionais seriam com certeza capazes de assumir o trabalho com a competência necessária”.

Na Bahia existem 14 colégios da PM, com 70% das vagas destinadas a filhos de policiais e 30% sorteadas entre civis. No Piauí, até 2013, existia apenas uma escola de Ensino Médio coordenada pela Polícia Militar. O governo pretendia militarizar 14 escolas em 2016. Os movimentos sociais acionaram o Ministério Público, que recomendou a “suspensão imediata da implantação de quaisquer ‘Escolas Militares’ no âmbito das escolas geridas pela Secretaria Estadual de Educação”.

Estudo do Comitê Piauí da Campanha demonstrou que, nestas escolas, policiais militares exercem funções de natureza civil, como diretor, coordenador, supervisor, entre outros cargos. Em 2017, a secretaria piauiense tornou uma escola de Ensino Médio militar em Teresina e intensificou a formação de vários “Pelotões Mirim”. O estado mantém milhares de crianças e jovens de 6 a 16 anos em projetos como “Cidadão Mirim” e “Combatente Mirim”, entre outros.

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A Procuradoria-Geral de Justiça impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra leis e decretos que regulamentaram e aumentaram as escolas militares em Rondônia. As irregularidades apontadas são: incompatibilidade com as atribuições do órgão de segurança pública, retirada de autonomia das escolas, falta de autorização do conselho estadual de educação e de diálogo com a sociedade, a possibilidade de abertura de privilégios em relação à reserva de vagas para dependentes de militares, a possível cobrança de taxas nas escolas que deveriam ser gratuitas, entre outras.

O documento da Campanha lembra que a Constituição e a legislação educacional brasileira determinam que a educação básica é de responsabilidade prioritária das pastas de educação estaduais e municipais, e não de outros órgãos. Para a coordenadora do Comitê da Campanha no Distrito Federal, Catarina de Almeida Santos, “tal movimento representa um desvio de função da política e dos órgãos militares em prover esse serviço público, inclusive considerando que não têm dado conta de cumprir com sua função primária, na segurança pública”.

Na perspectiva do direito à educação, viola o artigo 206 da Constituição da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” e da gestão democrática do ensino público. O art. 15 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação regulamenta a prerrogativa de autonomia das escolas, progressivamente assegurada, em vertente oposta à intervenção de militares na gestão escolar. Os objetivos e propósitos das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica não comportam o princípio pedagógico dessas escolas, definido como “hierarquia e disciplina”. Quanto aos profissionais do magistério, a militarização viola o art. 61 da LDB, que delimita que estão legalmente autorizados ao trabalho no ensino os professores e os trabalhadores da educação com habilitação específica.

Além de inconstitucional, a militarização viola os tratados internacionais assinados pelo Brasil, especialmente a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, ratificada e promulgada no Brasil na década de 1990 e que sujeita o país ao monitoramento internacional rotineiro.

O interesse de boa parte da população pelas escolas militares não se deve à disciplina por elas prometida, e sim ao desejo por uma educação de qualidade para todos os estudantes. É preciso devolver a educação aos educadores.

*José de Ribamar Virgolino Barroso é coordenador da Secretaria de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee

Da Carta Educação (http://www.cartaeducacao.com.br/artigo/militarizacao-do-ensino-fere-a-constituicao/)

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Mesmo sendo maioria, renda das mulheres é 42,7% menor do que a dos homens

A renda das mulheres brasileiras é 42,7% menor do que a dos homens, segundo pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). De acordo com o estudo, as mulheres estudam mais, ganham menos e passam mais tempo ocupadas com tarefas domésticas do que os homens.

Dados do PNUD, no Brasil, mostram que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos homens brasileiros é de 0,761 e o das mulheres 0,755. Quanto mais próximo de 1, menor é a desigualdade.

“À medida que as mulheres assumem a chefia dos lares, sofrem com o desemprego, o subemprego ou com os salários mais baixos, a tendência é que fiquem mais perto da linha da miséria”, explica a secretária das Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, se referindo à renda das mulheres, um dos indicadores do IDH.

O Índice de Desigualdade de Gênero avalia desigualdades em questões como saúde reprodutiva, empoderamento e mercado de trabalho. Nesse quesito, o Brasil ocupa a 94ª posição, com índice de 0,407.

Segundo a pesquisa do PNUD, o Brasil é o terceiro país da América do Sul que mais perdeu no IDH devido às medidas tomadas pelo ilegítimo e golpista Michel Temer (MDB-SP), como a PEC do congelamento dos gastos, a eliminação de programas sociais e a reforma Trabalhista.

As mulheres predominam entre as pessoas que estão fora da força de trabalho devido às dificuldades de acesso e de permanência no mercado de trabalho, explicou ao Portal CUT a economista Marilane Teixeira, pesquisadora na área de relações de trabalho e gênero do CESIT/IE – Unicamp.

“Vai se criando um círculo vicioso em que as mulheres, por estarem nos empregos piores, por terem menos oportunidades e por ser a maioria absoluta da força fora do mercado de trabalho, são as que vão ter menos autonomia econômica, vão ter menos condições de investir na sua qualificação e irão figurar entre as pessoas com renda menor”, analisou a especialista.

Segundo Marilane, quanto pior o perfil socioeconômico e quanto mais baixa a renda das famílias, maior é o número de mulheres que estão fora do mercado de trabalho e isso é um elemento que contribui muito para aumentar os índices de pobreza e desigualdade em um país.

“A mulher nessa situação socioeconômica que é chefe de família não tem acesso a empregos melhores porque é obrigada a conciliar o trabalho com a responsabilidade da casa, dos filhos, das contas. Com isso, mesmo que tenha uma escolaridade mais elevada, vai buscar empregos que são flexíveis o suficiente para que ela possa manter uma dupla jornada. E se tem filho pequeno, é mais complexo ainda.”

O estudo também aponta que, em relação ao Coeficiente de Gini – instrumento que mede o grau de concentração de renda em determinado grupo e revela a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos, entre 2010 e 2017, o Brasil ficou com o 9º lugar, pior índice do mundo (51,3).

Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, é obrigação dos movimentos sociais e sindicais e dos governantes trabalhar para reverter esse quadro e garantir a igualdade entre homens e mulheres. Acabar com a desigualdade de gênero é também lutar para fortalecer a democracia do país.

“Não teremos democracia plena, sem a igualdade entre homens e mulheres. Defender a igualdade salarial é defender a democracia e nunca cansarei de repetir isso”, conclui a secretaria

Portal da CUT

https://www.cut.org.br/noticias/mesmo-sendo-maioria-renda-das-mulheres-e-42-7-menor-do-que-a-dos-homens-6d79

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Realidade brasileira: mais de 40% das mulheres são chefes de família no país

O general da reserva Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa da extrema-direita ao lado de Jair Bolsonaro, afirmou em uma palestra no Sindicato da Habitação (Secovi), em São Paulo, nesta segunda-feira (17), que famílias “sem pai e avô” formam “fábricas de desajustados”.

Esquece o general Mourão que, em 2016, o Conselho Nacional de Justiça divulgou que existem no Brasil, 5,5 milhões de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento, com base no Censo Escolar de 2011.

“A partir do momento que a família é dissociada, surgem os problemas sociais que estamos vivendo e atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai nem avô, é mãe e avó. E por isso torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados e que tendem a ingressar em narco-quadrilhas que afetam nosso país”, disse Mourão.

“Ledo e Ivo engano”, diria Luis Fernando Verissimo. A pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, desmente o general extremista. De acordo com o levantamento feito pelo  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de lares chefiados por mulheres passou de 23%, em 1995 para 40%, em 2015.

O Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que 38,7% dos quase 58 milhões de domicílios, já eram chefiados por mulheres. “Visão totalmente fora da realidade desse general”, diz Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB. “Qualquer pessoa que almeja dirigir um país, precisa ter bom senso”.

Para ela, “todo o discurso da candidatura da extrema-direita se baseia no ódio e na discriminação, sem a menor preocupação com a realidade”, complementa. “É incrível que em pleno século 21, ainda prevaleçam visões deturpadas, baseadas no ódio de classe, no sexismo e racismo”.

Outro estudo, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE,  sobre o tema mostra que o número de lares chefiados por mulheres teve um aumento de 105% em 15 anos.

O levantamento elaborado pelos demógrafos Suzana Cavenaghi e José Eustáquio Diniz Alves, sob a coordenação da Escola Nacional de Seguros, mostra que em 2001, 14,1 milhões de casas tinham a mulher como principal referência e em 2015 esse número passou para 28,9 milhões.

Ainda, de acordo com o IBGE, no primeiro trimestre deste ano, a taxa de ocupação dos homens estava em 63,6% e as mulheres ocupadas representavam 44,5%. “Isso porque a crise vem se agravando com o desgoverno Temer e as mulheres são  as primeiras a perder o emprego”, afirma Celina. Além de as mulheres ganharem em média quase 1/3 a menos que os homens.

A sindicalista lembra que cresce a participação das mulheres no mercado informal de trabalho. Como mostra levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o número de mulheres trabalhando como vendedoras ambulantes cresceu 55,5%, entre 2015 e 2017.

“Diversos estudos comprovam que as mulheres estudam mais,trabalham mais, ganham menos e têm sobre os seus ombros as tarefas domésticas e a criação das filhas e filhos”, define.

Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB. Foto: Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo

http://portalctb.org.br/site/secretarias-da-ctb-nacional/mulher-trabalhadora/realidade-brasileira-mais-de-40-das-mulheres-sao-chefes-de-familia-no-pais

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Eleição e educação: os candidatos-herdeiros de Temer

Está nos noticiários desta quinta-feira (30): cerca de 70% dos estudantes que concluíram o ensino médio no país apresentaram resultados considerados insuficientes em matemática e em língua portuguesa, não tendo aprendido nem mesmo o que é considerado básico. Os dados são do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e foram apresentados pelo Ministério da Educação (MEC).

Se os números demonstram que, sim, há um problema na educação básica no Brasil, há que se tomar cuidado com a forma como isso será — ou já é — tratado nas propostas eleitorais para o setor, sobretudo no que tange às candidaturas que representam a continuidade do golpe em curso no país desde 2016 e que atingiu fortemente as políticas educacionais.

Como destacou o coordenador da Secretaria de Comunicação Social da Contee, Alan Francisco de Carvalho, em artigo publicado na Carta Educação, o golpe trouxe a Emenda Constitucional 95 e o congelamento dos investimentos públicos no Brasil por 20 anos, inviabilizando o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE) e da destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor. Trouxe também o desmonte da Petrobras e a entrega das reservas brasileiras aos interesses estrangeiros, que substituíram a destinação de 75% dos royalties do petróleo e do fundo social do pré-sal para o ensino público. Isso sem falar na equivocada reforma do ensino médio — que em nada dirime as dificuldades enfrentadas nesse nível de escolaridade, nem mesmo aquelas mostradas na frieza dos números — e na reforma trabalhista que contribui para a desvalorização e a desprofissionalização do magistério e dos demais trabalhadores em educação.

Na lista dos presidenciáveis, é esse o cenário representado por Henrique Meirelles (MDB) e Geraldo Alckmin (PSDB). Meirelles pode até ser oficialmente o candidato de Temer, mas, por sua coligação — que reúne o “centrão” apoiador e garantidor do golpe —, e pela própria trajetória tucana e seu pacto com as velhas elites, Alckmin também é apontado por grande parte dos analistas políticos como escolhido especialmente para esse papel. Fato é que, na educação, as propostas de ambos são bem próximas e apontam precisamente para uma leitura destorcida dos dados e de como investir em educação para de fato superar as desigualdades.

Meirelles, por exemplo, já declarou ser preciso valorizar a “meritocracia” e o “desempenho” dos estudantes, destacando inclusive que, se for eleito, vinculará os repasses do governo federal às escolas municipais ao desempenho delas – ou seja, quanto melhor for a nota nas avaliações, maior será o repasse. A falácia da meritocracia e a lógica da competição servem ao modelo do capital, que aproxima a escola de ume empresa. Acontece que uma avaliação de desempenho meramente numérica não leva em conta a base e a formação distinta de cada estudante, decorrentes das condições sociais das famílias e de suas possibilidades e capacidades em acompanhar a educação das crianças e adolescentes. Tampouco considera que a oferta de ensino é desigual, já que o próprio sistema educacional não é homogêneo, e que o modelo de uma suposta “igualdade de oportunidades” pode acarretar sérios problemas pedagógicos, aprofundando o abismo entre os “alunos bons” e os “alunos ruins”. Além disso, atrelar o investimento público ao “desempenho” da escola é ignorar também tanto a realidade da comunidade em que ela está inserida como a condição de trabalho a que seus professores e técnicos administrativos estão submetidos.

É esse mesmo pensamento industrial, contudo, que pauta o projeto de Geraldo Alckmin. Em sua gestão no governo paulista, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp) era usado como critério para pagar bônus a professores e funcionários de escolas que alcançaram as metas fixadas para cada unidade. No entanto, ao contrário de uma melhoria de qualidade, o que a pressão sobre as escolas faz é levar a um estreitamento do currículo e a uma excessiva responsabilização do magistério, ignorando que há inúmeros outros fatores, sobretudo externos, que influenciam os resultados e vão muito além do empenho em sala de aula.

Apesar das críticas, esse viés mercadológico impregna o que está sendo e continuará a ser feito na educação caso o grupo que está no poder, seja com Meirelles ou com Alckmin, permaneça. Não é à toa que o tucano elogiou publicamente a reforma do ensino médio do governo Temer. Na teoria, o candidato diz que a medida foi feita de forma correta para evitar a evasão escolar ao dar a possibilidade de os estudantes escolherem os cursos, sendo esse um grande passo para universalizar o acesso à educação básica. Não vai e não é. A manutenção de apenas português e matemática como disciplinas obrigatórias não vai sanar as dificuldades dos jovens nesses conteúdos. Pelo contrário, instituirá um ensino embotado e sem abertura ao pensamento.

Como destacou a coordenadora-geral em exercício da Contee, Madalena Guasco Peixoto, em artigo também publicado na Carta Educação, a adoção de “áreas de conhecimento”, sob a pretensa alegação de reduzir o conteudismo, visa a, na realidade, excluir do currículo a reflexão e a formação crítica. Além disso, a suposta criação de cinco itinerários formativos, que seriam áreas de aprofundamento à escolha dos estudantes para cursar 40% do currículo, cai por terra quando as escolas têm a obrigação de ofertar apenas um itinerário, restringindo as opções dos estudantes.

Em vez de flexibilização, exclusão.

Por Táscia Souza

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Eleição e educação: O novo velho discurso privatista

O Portal da Contee publicou ontem (4) uma análise sobre a notícia de que o Ministério da Educação e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estudam a criação de uma linha de crédito, no valor de R$ 2 bilhões, para ajudar instituições de ensino superior (IES) privadas a financiar as mensalidades de seus estudantes. Por trás da informação estão o agravamento da transferência direta de recursos públicos, que deferiam ser destinados à educação pública, para empresas privadas e a influência do lobby privatista sobre a educação.

Essa lógica privatista é antiga e vem sendo responsável, ao longo das últimas décadas, pelo aprofundamento dos fenômenos de mercantilização — que ganhou força com o neoliberalismo dos anos 1990 — e, mais tarde, de financeirização, oligopolização e desnacionalização do ensino superior no Brasil, com a abertura de capital dessas empresas na bolsa de valores. Um processo de privatização do ensino público que atinge com cada vez mais impacto também à educação básica.

Com o retorno do pensamento neoliberal, essa velha prática chega travestida de nova na pauta eleitoral. De NOVO o candidato João Amoêdo, por exemplo, só tem o nome do partido. De resto, encarna a mesma elite financeira e privatista que contribuiu, durante séculos, para um atraso sistêmico das política públicas no país. Uma elite que que foi às ruas não contra a corrupção, mas contra o projeto de inclusão iniciado com a eleição em 2003, e que volta a dar as caras com seu discurso pró-Estado mínimo e contrário aos direitos sociais.

Na educação, entre as propostas do candidato banqueiro está, entre outros pontos, a criação de “vouchers”, com distribuição valores monetários para os mais pobres pagarem por serviços privados de educação. A medida, que já foi aventada pelo próprio governo Michel Temer, é a mesma que destruiu a educação pública no Chile, uma vez que parte da equivocada ideia de uma suposta superioridade da escola particular sobre a pública. Com isso, deixa-se de investir em educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada para aumentar os lucros o setor privado à custa de dinheiro público. Isso está no cerne de outras propostas de Amoêdo, que incluem a ampliação do Programa Universidade Para Todos (ProUni) para a educação infantil e os ensinos fundamental e médio, com bolsas em escolas particulares para estudantes oriundos da escola pública, e a cobrança de mensalidade nas universidades públicas. O projeto privatista não poderia ser mais escancarado, portanto.

Um pouco mais sutil, mas também disfarçada de novidade está a candidatura do Podemos, a recriação do antigo PTN e que nada tem a ver em ideologia com seu homônimo famoso na Espanha. Sobre educação, as propostas do candidato Álvaro Dias são vagas. Dizem apenas que vai solucionar a carência de creches e unidades de educação infantil, construindo novas unidades e transferindo a gestão aos municípios; focar na universalização do acesso, na permanência e no aprendizado de qualidade nos ensinos fundamental e médio; combater as desigualdades existentes na educação entre as regiões do país; e aumentar o número de matrículas em escola de tempo integral. Não há especificações sobre como colocar isso em prática. Entretanto, basta lembrar que, embora tenha passado por outros partidos, Dias construiu a maior parte de sua carreira no PSDB, para se ter uma ideia da tônica neoliberal em questão, como aquela que dominou os anos de governo FHC.

Por Táscia Souza

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Eleição e educação: O terreno fértil para (im)plantar mordaças

Expurgar a “ideologia de Paulo Freire”; ampliar a oferta de matemática, ciências e português “sem doutrinação e sexualização precoce”; não admitir “ideologia de gênero” nas escolas; combater a “forte doutrinação”; adotar a educação a distância desde o ensino fundamental, com aulas presenciais em provas ou aulas práticas, para ajudar a “combater o marxismo”; ampliar o número de escolas militares.

Não é preciso sequer uma análise profunda para identificar que o movimento Escola Sem Partido (ESP) e suas tentativas de implantar Leis da Mordaça em todo o país encontram em Jair Bolsonaro (PSL) seu mais escancarado entusiasta nas corrida eleitoral à Presidência da República. É patente que encontrou terreno fértil no programa de governo de Bolsonaro a junção entre o combate a uma suposta doutrinação marxista — argumento fajuto com o qual o ESP visa a justificar seu ensejo de censurar e perseguir os professores, impedindo a construção do pensamento crítico e o desenvolvimento de uma educação voltada para a cidadania — e o medo de uma parcela conservadora da população, muitas vezes motivado por viés religioso, que enxerga na promoção da igualdade de gênero na escola e no combate ao machismo, à homofobia e à transfobia uma ameaça à “tradicional família brasileira”.

O tema da “ideologia de gênero” também é tratado pelo candidato Cabo Daciolo, do partido Patriota, que andou assustando nos debates aos quais compareceu por mostrar um ultraconservadorismo ainda maior. Mas há diferenças entre suas propostas para a educação e as de Bolsonaro, principalmente no que tange o financiamento da educação. Enquanto o primeiro defende o aumento do percentual do Produto Interno Bruto (PIB) investido na educação para 10%, como já previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), este diz pretender alcançar metas educacionais sem prever a utilização de novos recursos.

O que a talvez essa “tradicional família” — a mesma que está há mais de 50 anos por aí marchando “com Deus e pela liberdade” (uma liberdade que nunca encontrará se mantiver-se arraigada a preconceitos e discriminações) — não compreenda é que a ameaça, na verdade, é a que representa a candidatura de Bolsonaro ou de qualquer um que endosse o pensamento ultraconservador, a criminalização do magistério e a proibição do livre pensamento. Ameaça esta que atinge o direito de ensinar e aprender. Ameaça que destrói o próprio direito à educação: o de todas as pessoas; de todas as famílias.

Se o pretenso “combate à doutrinação” já é o carro-chefe do ESP como defesa para amordaçar docentes, a forma de fazer isso ganha um elemento extra no discurso de Bolsonaro: a proposta de estender a educação a distância — que hoje se alastra, sem regulação — pelo ensino superior à educação básica. No ano passado, o Ministério da Educação (MEC) chegou a publicar um decreto autorizando a EaD nessa fase nos ensinos fundamental e médio. Na ocasião, a medida alterava a lei que só admitia a modalidade a distância somente em casos de complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais (problemas de saúde, privação de liberdade etc.), passando a entender como emergencial também o caso de estudantes que, mesmo devidamente matriculados nos anos finais do ensino fundamental, fossem privados da oferta de disciplinas obrigatórias do currículo escolar.

O decreto causou polêmica e o MEC imediatamente voltou atrás, embora a discussão tão tenha sido de todo enterrada. No entanto, o que chama a atenção no programa de Bolsonaro é o uso da EaD para impedir a relação direta entre estudantes e professores. Esse tipo de pensamento, aliás, que ataca o magistério e a educação, ganhou novos contornos agora com a discussão sobre o ensino domiciliar, que representa uma desvalorização tanto do espaço escolar quanto do direito à educação como responsabilidade do Estado e dos trabalhadores da educação.

Por Táscia Souza, com informações da Carta Educação

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Eleição e educação: A importância da ampliação de investimentos

Faltando menos de 20 dias para as eleições de 7 de outubro, as pesquisas têm mostrado os candidatos Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) como os possíveis adversários de Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno. O petista e o pedetista aparecem, respectivamente, em segundo e terceiro lugar nas últimas sondagens. Se a presença de Manuela D’Ávila (PCdoB) como vice na chapa encabeçada por Haddad já era um fator positivo, uma vez que trata de um nome mais forte no meio progressista que o de Kátia Abreu (PDT), vice de Ciro, o petista ultrapassou o pedetista depois de confirmada sua candidatura como substituto de Lula e a associação de sua imagem à do ex-presidente. Em quarto lugar, tecnicamente empatados, estão Geraldo Alckmim (PDSB) e Marina Silva (Rede).

Nas redes sociais, eleitores de Haddad e de Ciro têm encenado um misto de confronto com expectativa de apoio mútuo num eventual segundo turno, como forma de enfrentar a escalada do fascismo representada por Bolsonaro. Mas quais são, especificamente, as propostas das suas chapas para a educação, tema ao qual o Portal da Contee tem se dedicado nas últimas semanas, e em que aspectos elas se aproximam ou se distam?

Segundo levantamento feito pela BBC Brasil, as propostas de Ciro Gomes incluem: eliminar o subfinanciamento da educação e da saúde causado pela emenda do teto de gastos; implantar creches de tempo integral para crianças de 0 a 3 anos, em parceria com as Prefeituras; criar Escolas Profissionalizantes de Tempo Integral, com ensino médio integrado ao ensino técnico; elevar a média de anos de estudo da população, criando um programa de redução da evasão no ensino médio, premiando as escolas em que a evasão for reduzida e o desempenho dos alunos melhorado; ampliar a oferta de vagas nas universidades públicas; prosseguir com as políticas de cotas, estreitar laços com políticas e ações no campo da ciência, tecnologia e inovação; fortalecer o CNPq e suas instituições de pesquisa; estimular a produção de conhecimento aplicado ao desenvolvimento tecnológico e associado entre empresas e universidades.

Por sua vez, o programa de governo de Fernando Haddad para a educação engloba: revogar a emenda do teto de gastos; retomar os recursos dos royalties do petróleo e do Fundo Social do Pré-Sal para saúde e educação; expandir as matrículas no ensino superior e nos ensinos técnico e profissional; priorizar o ensino médio e criar o Programa Ensino Médio Federal, ampliando a participação da União nesse nível de ensino (algumas das propostas são fazer convênio com estados para assumir escolas situadas em regiões de alta vulnerabilidade e criar um programa de permanência para jovens em situação de pobreza); revogar a reforma do ensino médio do governo Michel Temer; realizar anualmente uma Prova Nacional para Ingresso na Carreira Docente na rede pública de educação básica; criar a Escola com Ciência e Cultura, em contraponto à Escola Sem Partido (que tenta amordaçar o magistério e impedir o pensamento crítico), para valorizar a diversidade.

Para alguns setores dos movimentos sociais e do movimento sindical, as duas candidaturas são consideradas, juntamente com a de Guilherme Boulos (PSOL), como pertencentes ao campo progressista. Para outra parcela desse movimentos, contudo, apenas os nomes de Haddad e Boulos são classificados assim, compreendendo Ciro não como progressista, mas apenas como oposição ao governo Temer. De uma forma ou de outra, é notório que a primeira proposta de ambas as chapas, tanto a encabeçada pelo petista quanto a liderada pelo pedetista, seja a revogação da Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos o investimento em políticas públicas no país. Ou seja, ambos os programas de governo demonstram preocupação com o financiamento e expressam a importância da ampliação de recursos para a educação.

Do programa de Ciro, um destaque importante é a qualificação da formação docente articulada a universidades, mas são críticos a defesa do financiamento privado e condicionamento de aportes a redes, escolas e alunos a avaliações internas e externas. Já um dos pontos fortes entre as propostas de Haddad é o compromisso com a institucionalização do Sistema Nacional de Educação, pauta cara à Contee, que há anos defende a instituição do SNE como instrumento imprescindível para a regulamentação da educação privada, sob as mesmas exigências legais aplicadas à escola pública. Esse, aliás, é um tema que também aparece no programa de governo de Guilherme Boulos, que atribui ao SNE a ser criado a função de coordenar o direcionamento de recursos públicos, em conjunto com governos estaduais e municipais, escolas públicas e sociedade civil.

Por Táscia Souza, com informações da BBC e da Carta Educação