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Quem tem medo do globalismo?

O que é “marxismo cultural”? E “globalismo”? David Magalhães, professor de Relações Internacionais da FAAP e da PUC-SP, escreve sobre os conceitos que entram em pauta na nova diplomacia brasileira

A escolha do Embaixador Ernesto Araújo para ser o chanceler do governo Bolsonaro produziu som e fúria em todo establishment midiático e acadêmico. Logo após o anúncio, curiosos para saber o que levou o presidente eleito a escolher um diplomata júnior para chefiar oItamaraty, jornalistas e pesquisadores correram para decifrar os seus textos. Suas ideais foram publicadas em artigos, a maioria dos quais escritos para seu blog particular. No site, o futuro ministro se descreve como alguém que quer “ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista”, que “é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural.”

Católico e conservador, o futuro chanceler é mais um discipulo de Olavo de Carvalho. Como muitos dos admiradores de Olavo, Ernesto Araújo fez a peregrinação até a Virgínia, onde mora o autor de O imbecil coletivo, para se encontrar pessoalmente com seu mestre. Em maio deste ano, Olavo publicou em suas redes sociais um comentário elogioso sobre o artigo que Araújoescreveu para o periódico do Itamaraty em que defendia a política externa “ocidentalista” de Donald Trump. O texto causou boa impressão na equipe de Bolsonaro. Conforme declarou o filho do presidente eleito, o nome de Ernesto Araújo foi sugerido por Olavo e endossado por Filipe Martins, assessor de relações internacionais do PSL e também aluno de Carvalho.

Foi Millôr Fernandes quem disse certa vez que as ideias, quando envelhecem nos EUA e naEuropa, vêm se aposentar no Brasil. Complemento: quando elas chegam aqui, de andador e fralda geriátrica, são recebidas como se tivessem saído da maternidade. Com o tão alardeado “marxismo cultural” não foi diferente. Tema que fervilhava na direita norte-americana dos anos 80 e 90 do século passado, o “marxismo cultural” – e a indissociável “revolução gramsciana”— passou a aparecer em artigos de imprensa de Olavo de Carvalho ao longo da década de 2000 no Brasil (para não falar sobre seu livro dedicado a Gramsci e a “revolução cultural”, que data dos anos 80). Depois de quase três décadas tratando do assunto, pode-se dizer que o não pequeno número de cidadãos engajados em denunciar o “gramscismo dasesquerdas” no Brasil é produto de sua pregação.

Nas palavras do futuro chanceler, o braço cultural do globalismo é o “marxismo cultural”. A tese, de caráter conspiratório, foi amplamente difundida em setores da direita americana por nomes como William Lind e Pat Buchanan, e encontrou eco no oscilante público de leitores de Carvalho das duas últimas décadas, aproximadamente.

“Marxismo cultural”, o “esquema globalista” e o chanceler

A partir do final da década de 1990, o escritor “paleoconservador”, William S. Lind, publicou diversos textos em que descrevia a evolução de um movimento transnacional que chamou de “marxismo cultural”. Sua “teoria” – que vinha sendo cada vez mais debatida em alguns circuitos da direita americana – foi sintetizada na conferência que proferiu em 2000, denominada “Origens do Politicamente Correto”, na American University, em Washington D.C.

O que conta William Lind é que após a Primeira Guerra Mundial, dois intelectuais marxistas – o italiano Antonio Gramsci e húngaro Georg Lukács – procuraram compreender por que razão a revolução socialista não se internacionalizou conforme previa Lenin. Para Gramsci e Lukács, a cultura ocidental e a religião cristã cegavam a classe trabalhadora e a para que a revolução proletária triunfasse seria necessário, antes, destruir “super-estrutura” ideológica do Ocidente.

A nova estratégia do movimento revolucionário comunista, elaborada por Gramsci, preconizava que, ao invés de lutar pela revolução socialista, como ocorreu na Rússia, os marxistas no Ocidentedeveriam “empreender uma longa marcha através das instituições” – escolas, imprensa, igrejas, universidades – todas as instituições que influenciavam a cultura.

Quando, em 1919, Bela Kun instalou em Budapeste uma república de sovietes, Lukács foi designado vice-comissário do Povo para a Cultura e a Educação Popular. Defende Lind que o pensador húngaro teria instituído um programa de “terrorismo cultural” que tinha como um dos principais componentes introduzir a educação sexual nas escolas. A república socialista de Bela Kun durou apenas 4 meses. Em 1923, na Alemanha, Lukàcs participou da “Semana de Estudos Marxistas” organizada pelo jovem marxista e milionário alemão Felix Weil, que ficou fascinado com a abordagem cultural apresentada pelo pensador húngaro.

Felix Weil funda, na Universidade de Frankfurt, o Instituto para Pesquisa Social, posteriormente conhecida por Escola de Frankfurt. Misturando pitadas da psicanalise freudiana commarxismo, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamin defendiam que existia um entrelaçamento entre repressão social, psíquica e sexual. Assim, acreditavam os frankfurtianos que uma consciência revolucionária poderia ser engendrada através da libertação psíquica e de atitudes culturais “mais esclarecidas”.

Dois frankfurtianos são com mais frequência acusados por Lind de conspirar contra a cultura ocidental: Adorno e Marcuse. A abordagem de “cultura de massa” desenvolvida por Adornoteria provocado uma “perversão cultural” ao expor os fundamentos burgueses do que é geralmente percebido como beleza e qualidade. Marcuse, por sua vez, em seu “Eros e Civilização” atacou frontalmente a ordem sexual enraizada no ocidente, acusando-a de patriarcal e heteronormativa. Suas ideias, defende Lind, tornaram-se precursoras da promiscuidade sexual e do hedonismo. Hoje não são poucos os antiglobalistas que acusam a obra de Marcuse de destruir as velhas estruturas de autoridade da família tradicional.

A “new left” e todo movimento de contracultura dos anos 1960 e 1970 seriam herdeiros da Escola de Frankfurt. Mais ainda, os marxistas culturais teriam, seguindo a cartilha de Gramsci, ocupado todas a instituições culturais nos EUA, das universidades aos estúdios de Hollywood. Ocupando os “meios de pensamento” ao invés dos meios de produção, a nova esquerda estaria implementando seu projeto de destruição da cultura ocidental, ao fomentar o feminismo, o “gayzismo” (termo pejorativo para se referir às bandeiras LGBT ), o ambientalismo, o multiculturalismo, etc.

Com a queda do muro de Berlim, segundo Lind, essa tese ganhou força em alguns setores do partido republicano, principalmente entre os paleoconservativos, que, na ausência do comunismo soviético, elegeram os novos inimigos a serem combatidos: acadêmicos, a grande mídia, ativistas de direitos humanos, ambientalistas, feministas, etc.

No Brasil, essa abordagem do problema foi apresentada por Olavo de Carvalho em artigo intitulado “Do Marxismo Cultural”, publicado no jornal O Globo, em 2002.

E o globalismo? No discurso que fez à Assembleia Geral da ONU em setembro de 2018, Donald Trump declarou “o fim da ideologia globalista” e deu boas vindas à “doutrina do patriotismo”. Na defesa que faz do trumpismo, o futuro chanceler entende que o globalismo não é apenas uma ideologia, mas um esquema de dominação global que visa substituir as culturas tradicionais por uma moral secular, cosmopolita e esquerdista. A elite que controla o esquema globalista é composta por organismos internacionais como a ONU e a União Europeia, por ONGs internacionais e financiado por bilionários “esquerdistas” como o George Soros. Ernesto Araújo ainda acusa a China “maoísta” de ser um dos pilotos da ideologia globalista.

Para conter a sanha da expansão globalista, o novo chanceler defende que o Brasil deveria recuperar o desejo de grandeza, como nação cristã, ecoando o lema bolsonarista de “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A presença do Brasil no mundo não deveria ser orientada pela adesão aos regimes internacionais ou pelo servilismo a uma ordem global baseada em regras. O Brasil, defende Araújo, não poder ser apenas “bom aluno do globalismo”. Na linha do populismo disseminado por Steve Bannon, há uma crença de que a política externa deve ser um bastião dos valores conservadores do povo contra o cosmopolitismo liberal das elites globalistas.

Claro está que o perfil de Araújo orna muito bem com figurino ideológico do governo eleito. Mas não há política externa que se alimente apenas de convicções. Há uma série de fatores, externos e internos, que moldam a projeção internacional do Brasil. Como observou Edmund Burke, o pedestre dia-a-dia da política costuma frustrar os ímpetos ideológicos.

Anti-globalismo e Política Externa Brasileira

Tendo sido promovido a ministro de primeira classe no começo de 2018, Ernesto Araújo não ocupou cargos no MRE que colocassem à prova sua capacidade de negociação. Nunca chefiou, por exemplo, uma embaixada no exterior. Por essa razão, como revelou Matias Spektor, professor da FGV, grupos dentro da equipe de Bolsonaro preferiam diplomatas liberais mais experientes, como Graça Lima, Rubens Barbosa ou o atual Secretário-Geral do Itamaraty, Marcos Galvão.

Ao chanceler, é sabido, exige-se não apenas um amplo conhecimento das relações internacionais, mas também a capacidade de fazer política. Pela sua trajetória, o novo chanceler aparenta ser um intelectual de gabinete, um escolástico que cita Ésquilo e Heráclitoem grego e tem apreço pelos cânones da cultura ocidental. Não se sabe, contudo, como se sairá com os ardilosos jogos de barganhas que frequentam mundo da política.

Além disso, ao longo de sua história diplomática, o Brasil tem defendido o multilateralismo como princípio ordenador do funcionamento do sistema internacional. Trata-se de uma tradição da política externa brasileira que remonta nossa participação na Liga das Nações, no começo do século XX. A aposta no multilateralismo tem sido fundamentada, entre outras coisas, no reconhecimento das limitações do seu poder individual diante de um sistema fortemente hierarquizado. Mesmo durante governos militares, quando se praticou um soberanismo mais estreito com Costa e Silva, Médici eGeisel, o Brasil participou ativamente dos foros multilaterais, como a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), ou do G-77, a grande coalizão de países em desenvolvimento que teve origem na Assembleia Geral da ONU. Por essa razão, as críticas do novo chanceler às “normas” e aos “regimes internacionais” deve encontrar dura resistência dentro da Casa de Rio Branco. Vale lembrar, também, que Ernesto Araújo irá chefiar um Ministério profundamente comprometido com valores “globalistas”, como o multiculturalismo, os direitos humanos e omeio-ambiente. Não será fácil a tarefa de convencer o Itamaraty a aderir ao trumpismo do chanceler, visto por alguns membros da equipe de Bolsonaro como um covil da “esquerda globalista”.

Além disso, as organizações internacionais não são dotadas de vida própria. Não há nada que elas possam fazer, sozinhas, contra a vontade do Estado. Quando começaram a surgir no Brasilas teses que colocavam a ONU no centro de uma conspiração globalista, o falecido Embaixador Meira Penna, um liberal smithiano muito respeitado pela direita brasileira, alertou que as Nações Unidas, como qualquer outra organização inter-governamental, não andava com pernas próprias, pois dependia dos Estados soberanos para funcionar.

O que o futuro chefe da diplomacia brasileira chama de globalismo, correntes mais liberais dentro do Itamaraty chamam de interdependência. Juracy Magalhães, chanceler do governo Castelo Branco, defendia uma ordem internacional baseada na interdependência entre os povos em substituição ao conceito de soberania nacional. Luiz Felipe Lampreia, chanceler do governo Fernando Henrique, propunha que o Brasil abandonasse a ideia de autonomia pela distância e se integrasse a uma era globalizada na qual a democracia política e a liberdade econômica eram referências fundamentais.

Resta também questionar como o Embaixador Ernesto Araújo irá compatibilizar seu antiglobalismocom os interesses concretos do Brasil. Consideremos dois tópicos importantes que têm sido defendidos por Bolsonaro: as críticas à China e a aproximação com Israel.

Como conciliar as preocupações em relação à “China maoísta” diante da importância que o gigante asiático desempenha na nossa vida econômica? Quase metade de tudo o que o Brasilexportou de commodities neste ano teve como destino o mercado chinês. E parte relevante do apoio a Bolsonarovem da bancada ruralista, extremamente dependente das vendas para a China. O mesmo vale para o projeto liberal de Paulo Guedes. Herdeiro de Milton Friedman, o racionalismo econômico e cosmopolita de Guedes pode se chocar com o antiglobalismo do novo chanceler. Ademais, como levar a cabo o projeto de abertura econômica e privatizaçõesprescindindo do abundante volume de capital chinês disponível no mercado internacional?

Outro tema caro ao ocidentalismo de Ernesto Araújo é a aproximação com Israel. Apoiador da integração do Brasil ao bloco judaico-cristão, a ideia de mudar a embaixada de Tel Aviv paraJerusalém deve ganhar força com o novo chanceler. É pouco provável, contudo, que suas convicções se sobreponham aos interesses dos frigoríficos nacionais, como a BRF, que poderiam ser prejudicados com uma eventual retaliação dos países árabes.

A mimetização da política externa trumpista ocorrerá apenas se o governo eleito desconsiderar os eloquentes dados da realidade, em particular a colossal assimetria de poder existente entre EUA eBrasil. As consequências de virar as costas para a ONU, enfrentar a Chinae mudar a embaixada para Jerusalém produziriam efeitos distintos para os dois países. Parodiando Ortega y Gasset, o chanceler é o chanceler e suas circunstâncias.

*Publicado originalmente n’O Estado de S. Paulo

Carta Maior

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Soberania-Nacional/Quem-tem-medo-do-globalismo-/46/42467

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Resistir sempre, desistir jamais: ato marca os 30 anos de defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas

Lideranças indígenas e representantes do movimento indigenista nacional estiveram reunidos nesta segunda-feira (19), no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília/DF, para ato de defesa dos direitos tradicionais dos povos indígenas, garantidos na Constituição Federal de 1988. O evento realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e parceiros da Mobilização Nacional Indígena (MNI) marcou os 30 anos de promulgação da Constituição Cidadã, completados no dia 05 de outubro.

O encontro reforçou a urgência de fazer cumprir os direitos conquistados a duras penas com a incidência dos povos indígenas na época da Constituinte. Unidos pelo sentimento de “resistência”, indígenas reforçaram a prevalência do combate ao retrocesso de direitos, no processo evolutivo contra políticas e práticas genocidas e etnocidas. Além de combater o cenário nacional de violência e o discurso de intolerância provocado incisivamente pelo governo eleito aos povos indígenas.

Lideranças indígenas marcam presença no ato. Foto: Michelle Calazans

O reconhecimento de direitos indígenas, em evidência no ato, repudia, inclusive, as propostas anti-indígenas em tramitação no Congresso Nacional. Atualmente, mais de 100 propostas legislativas tramitam no Senado e na Câmara dos Deputados em detrimento à cultura, ao território e à própria existência dos povos indígenas no Brasil. Entre elas estão: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 215/2000, que pretende impor barreiras no processo demarcatório das Terras Indígenas e o PL 490/2007, que estabelece um conjunto de dispositivos que inviabilizam as demarcações, facilitam obras e a exploração de recursos em terras indígenas e retiram o direito de consulta prévia dos povos originários, direito consagrado internacionalmente na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Foto: Michelle Calazans

De acordo com o levantamento realizado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi)“Congresso Anti-Indígena: Os parlamentares que mais atuaram contra os direitos indígenas”, que mapeia os 50 parlamentares – 40 deputados e 10 senadores, foi constatado que no contexto dos deputados, 39 integram a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). Destes, 34 recebem investimentos financeiros de empresas ligadas diretamente a corrupção e ao agronegócio, como JBS, Andrade Gutierrez, Odebrecht. Além disso, com enfoque na tentativa de restringir o direito à demarcação de terras indígenas, somente em 2017, se contabilizaram 848 tramitações de projetos de leis anti-indígenas. Entre 2015 e 2017, foram registrados 1930 procedimentos legislativos contra os direitos desses povos tradicionais.

Secretario adjunto do Cimi, Gilberto Vieira. Foto: Michelle Calazans

O secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilberto Vieira, ressaltou que o país caminha na contramão dos direitos originários dos povos indígenas, apesar da soberania da Constituição Federal. “Entre os indícios evidenciados na conjuntura política nacional, infelizmente nos deparamos com a precarização da saúde indígena, por exemplo. Com o fim da cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Cuba no programa Mais Médicos, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) sofre impacto de 301 do total de 372 médicos em atendimento à população indígena, em todo o território nacional. A perda é de 81% do atendimento médico à saúde indígena”, esclareceu.

Gilberto Vieira resgatou, também, o processo histórico de lutas que os povos indígenas enfrentaram desde as primeiras articulações e resistências, há 518 anos, e afirmou que a força e a união predominantes hoje entre os povos e seus parceiros estão mais aguerridas do que nunca. “Neste marco de 30 anos da Constituição, nós, indígenas e seus parceiros, não vamos recuar. Cada um, dentro das suas atividades, vamos resistir. Não descansaremos nossos arcos, flechas e canetas até conquistar avançar nos direitos já articulados”, ressaltou.

Cacique Ilson Soares, da Tekoha Y’Hovy, em Guaíra. Oeste do Paraná. Foto. Michelle Calazans

O Cacique do Tekoha Y’Hovy, Ilson Soares, de Guaíra, Oeste do Paraná, ressaltou o grave quadro de violência praticado contra os povos indígenas, originado pela omissão e morosidade na regularização de terras indígenas. “Recentemente, um jovem indígena Ava-Guarani, de 21 anos, sofreu atentado a tiros após sair de uma reunião da Funai e ficou paraplégico. Ele ainda está com a bala alojada na medula para não correr o risco de perder os movimentos dos braços, tronco e pernas – tetraplégico. Além disso, nesse último fim de semana, um jovem de 16 anos cometeu suicídio na aldeia indígena Tekoha Taturi. Infelizmente, esses casos são cada vez mais comuns na região. Precisamos lutar para mudar essa triste realidade”, explicou

Segundo informações do Relatório “Violência contra os povos indígenas – Dados 2017”, o Estado do Paraná está entre os 63% das 847 terras indígenas que encontram-se sem nenhuma providência por parte do governo. No total, o Paraná possui 20 terras tradicionais em situação de total omissão. Além de 14 terras indígenas com pendência para identificação, uma terra declarada e quatro identificadas

Joênia Wapichana, primeira mulher indígena a ser eleita Deputada Federal. Foto: Michelle Calazans

Joênia Wapichana, a primeira mulher indígena a ser eleita Deputada Federal, reiterou o compromisso assumido na Câmara dos Deputados em defesa dos direitos dos povos indígenas e ressaltou que a luta desses direitos originários não é somente dos indígenas, mas sim de toda a nação. “Quando defendemos os direitos indígenas, estamos defendendo nossa própria história enquanto sociedade, defendemos as riquezas naturais contidas nessas terras e nosso meio ambiente e, por consequência, nosso país e o mundo. Está tudo interligado. A responsabilidade é de todos. Nós fazemos parte desse processo de luta. Agora, mais do que nunca, precisamos combater a negação de acordos internacionais que foram feitos e que não estão sendo respeitados, que o Brasil é signatário, em defesa dos direitos dos povos indígenas. Resistir sempre, desistir jamais”, reforçou.

Acerca da exploração econômica predatória nas Terras Indígenas, Joênia Wapichana (Rede-RR) alerta que está bastante preocupada com as discussões que estão se agravando. “Minha preocupação abrange as invasões das Terras Indígenas, com os projetos de mineração que pretendem aprovar a qualquer custo. Devemos ficar em alerta diante desse contexto nacional”, pontuou.

Alberto Terena, representante do Conselho Terena e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Foto: Michelle Calazans

Por fim, Alberto Terena, representante do Conselho Terena e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), destacou que a bandeira dos povos indígenas sempre foi e sempre será de luta e resistência. “É uma vergonha nosso povo estar sofrendo, sendo massacrados, enquanto nossos direitos estão assegurados na Constituição. É direito adquirido. Por isso, nossa ordem é avançar contra aqueles que negam nossos direitos. O legislativo vem a anos, com o apoio da bancada ruralista investindo contra nós, indígenas, destruindo nossas terras e deixando nossos povos na miséria. Mas juntos vamos continuar resistindo. A Constituição nos garante o direito originário [sobre nossas terras]. Aqui estávamos e aqui vamos continuar”, completou.

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“Cortar direitos trabalhistas não gera emprego”

Para o chefe do Ministério Público do Trabalho, novas flexibilizações de direitos, como previstas por Bolsonaro, seriam desastrosas. Ele avalia que reforma trabalhista de Temer não trará desenvolvimento econômico.

O chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Fleury, afirmou que, com base na experiência internacional e com os resultados iniciais da reforma trabalhista no Brasil, o problema do desemprego não será solucionado com a flexibilização de direitos dos trabalhadores.

O programa de governo do presidente eleito Jair Bolsonaro prevê medidas para que as normas trabalhistas sejam menos “engessadas”, mantendo, porém, os direitos constitucionais, como férias remuneradas, 13° salário e o Fundo de Garantia (FGTS). O símbolo dessas propostas é a chamada “Carteira [de Trabalho] Verde e Amarela”, promessa de campanha de Bolsonaro.

“A flexibilização dos direitos trabalhistas não gera empregos, não traz desenvolvimento econômico”, disse Fleury, em entrevista à DW Brasil. “Só com o aumento da demanda vai se gerar empregos.”

A reforma trabalhista aprovada no governo do presidente Michel Temer completou um ano em novembro. Mesmo na base aliada do presidente há críticas a “excessos” da nova legislação.

Grávidas e lactantes, por exemplo, só serão obrigatoriamente afastadas do local de trabalho em casos de grau máximo de insalubridade. Também há regras mais flexíveis para negociar uma jornada de 12 horas de trabalho seguida de 36 horas de descanso.

Temer tentou fazer ajustes na reforma por meio de uma medida provisória, que não foi analisada pelo Congresso Nacional. Nem o atual governo nem a equipe de Bolsonaro falam numa nova tentativa de fazer essas alterações.

Prevalece, portanto, a legislação da Reforma Trabalhista, que, na avaliação do procurador-geral do Trabalho, cria uma “situação absolutamente nefasta para os trabalhadores”.

Procurado, o Ministério do Trabalho afirmou que os ajustes na reforma trabalhista seriam de responsabilidade da Casa Civil. Por sua vez, a Casa Civil afirmou que “a pauta está com o Poder Legislativo”, onde tramita um projeto de lei sobre o assunto.

DW: O programa do novo governo aponta para a continuidade das flexibilizações das leis trabalhistas. Qual a sua avaliação sobre essas propostas, como a carteira verde-amarela?

Ronaldo Fleury: Isso seria uma mudança desastrosa para os trabalhadores em relação a perda de direitos, pois se manteriam apenas aqueles previstos na Constituição. E isso abriria uma brecha para que não seja aplicada a convenção coletiva [acordo entre sindicatos e empregadores estabelecendo regras para a categoria], o que coloca o trabalhador em condições de risco.

O argumento da equipe de Bolsonaro é que, com regras menos “engessadas”, mais empregos serão criados. O Ministério Público do Trabalho está de acordo?

Os estudos sobre países onde houve flexibilização trabalhista e também o resultado registrado neste um ano de reforma trabalhista no Brasil mostram que a flexibilização dos direitos trabalhistas não gera empregos, não traz desenvolvimento econômico. Só com o aumento da demanda vai se gerar empregos. Espero que essas propostas já divulgadas sejam revistas. Estamos dispostos a conversar. Queremos um desenvolvimento sustentável, com garantia dos direitos sociais, direitos humanos, concorrência saudável entre as empresas, e que nossas empresas não percam mercados no exterior, que não sejamos vistos como um país que permite a precarização das normas trabalhistas, o que poderia resultar em embargos econômicos, o que não interessa a ninguém.

Quando o governo de Michel Temer aprovou a Reforma Trabalhista, prometeu fazer ajustes no mesmo ano. Mas a estratégia falhou. Quais as consequências disso para o trabalhador?

Os próprios articuladores da reforma trabalhista apontaram vários trechos a serem corrigidos ou até mesmo excluídos, por exemplo a questão do trabalho insalubre para gestantes e lactantes. Além disso, há, até hoje, questões pendentes e que carecem de nova regulamentação legal, como é o caso dos trabalhadores intermitentes, cujo tempo de serviço não é contado para a aposentadoria. Como consequência dessa reforma, a situação atual, em razão de o governo não ter conseguido ajustar alguns pontos da reforma trabalhista, é absolutamente nefasta para os trabalhadores.

Esses ajustes poderiam ser feitos por decreto, como chegou a considerar o governo Temer?

Algumas questões que o governo disse que poderia ajustar por decreto só poderiam, na verdade, serem alteradas por lei, como nesse caso das gestantes. A reforma trabalhista é danosa aos trabalhadores em diversos pontos. Ela permite que se ganhe abaixo do salário mínimo, e há normas que não encontram paralelo em qualquer outro país.

O Ministério Público do Trabalho já recebeu relatos de grávidas que trabalham em lugares insalubres?

Ainda não temos nenhuma denúncia feita nesse sentido. De qualquer forma, algumas empresas estão procurando e conversando com procuradores para saber qual a melhor opção e o que fazer diante da nova legislação. Fizemos um material para esclarecer a todos. Falamos, por exemplo, que essa questão das grávidas e outros pontos são inconstitucionais. Isso tem servido para balizar o modo de agir das empresas e evitado que as trabalhadoras e os fetos sejam expostos a condições insalubres.

Quais são outras consequências da reforma trabalhista? Há insegurança jurídica?

A insegurança jurídica é natural porque tivemos mais de 250 dispositivos da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] alterados. Isso já está sendo maturado. Um dos maiores problemas tem sido o aumento da informalidade, que agrava ainda mais a perda de arrecadação previdenciária. Além disso, nos casos das novas formas alternativas de contratação, não há segurança sobre a renda, então esses trabalhadores não fazem crediário para compra de apartamento, carro, geladeira, etc. Não teremos, de fato, um desenvolvimento econômico. E o sistema sindical saiu enfraquecido após a reforma. Isso gera perda de representatividade e até dificuldades para as empresas evitarem greves.

Deutsche Welle

https://www.dw.com/pt-br/cortar-direitos-trabalhistas-n%C3%A3o-gera-emprego/a-46366453

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Marcha da Consciência Negra pede democracia, direitos e fim do racismo

A 15ª Marcha da Consciência Negra foi realizada hoje (20) na capital paulista reivindicando o fim do racismo, mais direitos e democracia. Na faixa carregada pelos manifestantes à frente do ato, estava estampada os rostos de lideranças negras assassinadas, entre elas a vereadora Marielle Franco (PSOL), morta em um ataque a tiros junto com seu motorista, Anderson Gomes, em março, no Rio de Janeiro.

Outras bandeiras levantadas na manifestação diziam respeito à intolerância religiosa, à violência contra a população negra e à questão quilombola. “Atacar os orixás é atacar o povo preto”; “Se você for preto, o próximo pode ser você”, e “A destruição dos quilombos é projeto de um Brasil racista” eram alguns dos dizeres estampados.

“A mensagem que nós estamos colocando é principalmente o não ao racismo. Esse país tem um projeto de genocídio da população negra, e que não é de hoje. Vem desde a abolição da escravatura. Mas nós estamos firmes e, da nossa parte, vai ter muita luta”, disse Milton Barbosa, coordenador do Movimento Negro Unificado (MNU), uma das entidades que organizou o ato.

Dia da Consciência Negra

A marcha partiu do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e se deslocou no sentido do centro pela Rua da Consolação. Entre os manifestantes, estavam membros de entidades como o Congresso Nacional Afro Brasileiro, o Círculo Palmarino, o coletivo Emancipa, o Sindicato dos Bancários de São Paulo, e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).

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Consciência Negra

O Dia da Consciência Negra é comemorado em todo território nacional. Esta data foi escolhida por ter sido o dia da morte do líder negro Zumbi, que lutou contra a escravidão no nordeste.

A celebração relembra a importância de refletir sobre a posição dos negros na sociedade. Afinal, as gerações de afro-descendentes que sucederam a época de escravidão sofreram diversos níveis de preconceito.

20 de Novembro dia que representa a luta dos negros contra a discriminação racial e pela a igualdade social.

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Consciência Negra: ‘Escravidão é o assunto mais importante da história brasileira’, diz Laurentino Gomes após percorrer África para trilogia

Quando estava pesquisando sobre a chegada da família real portuguesa ao Brasil para escrever o best-seller 1808, lançado em 2007, o escritor Laurentino Gomes acreditava que ali não estava contemplada a grande história brasileira. “A escravidão é que é o nosso principal assunto. Impossível compreender o país, tanto do passado quanto do futuro, sem voltarmos às raízes africanas”, disse à BBC News Brasil.

Mais de uma década depois do lançamento do livro (o primeiro de uma trilogia sobre o império brasileiro, seguido por 1822 e 1889), Laurentino Gomes passou a trabalhar no “assunto mais importante de toda a história brasileira” para uma nova trilogia histórica.

O primeiro livro, com lançamento previsto no segundo semestre do ano que vem, se passa entre o primeiro leilão de escravos africanos enviados às Américas, organizado em Portugal ainda no século 16, até a morte do escravo pernambucano Zumbi dos Palmares, decapitado em 20 de novembro de 1695 – em 2003, o governo federal decretou a data como feriado nacional da Consciência Negra. O texto já foi concluído e enviado para a editora.

O segundo, previsto para sair em 2020, vai cobrir todo o século 18, considerado o auge do tráfico negreiro da África para as Américas. Em 2021 deve sair a obra final, abordando a crise da estrutura escravista brasileira e a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em maio de 1888. Estima-se que 4,8 milhões de africanos escravizados chegaram ao Brasil entre os séculos 16 e 19.

Segundo o escritor, “a participação dos africanos no tráfico de escravos se tornou um tema politicamente explosivo no Brasil”. Para ele, “o fato de chefes africanos terem participado do tráfico nada tem a ver com a enorme dívida social e real que o Brasil tem com os seus afrodescendentes”. “Não se pode culpar os escravos pela sua própria escravidão”, falou Gomes.

O tema foi motivo de polêmica durante a campanha presidencial de 2018, devido declaração do então candidato Jair Bolsonaro de que os portugueses não entraram na África para capturar escravos.

“Basta ver as estatísticas, onde a nossa população negra aparece como a parcela da sociedade com menos oportunidades e a que mais sofre com a desigualdade social crônica. Precisamos corrigir isso urgentemente, e não podemos nos esconder atrás de falsas e incorretas discussões a respeito de fatos históricos”, afirmou o escritor.

Para escrever os novos livros, Laurentino Gomes passou seis meses em 2017 viajando por Angola, Cabo Verde, Moçambique, Senegal, Gana, Benim, Marrocos e África do Sul, além do período de pesquisas e entrevistas em Lisboa, capital portuguesa, onde vive há alguns anos.

Nos meses em que viajou pela África, Laurentino admite que descobriu realidades diferentes do que esperava. Para além do futebol e da música, por exemplo, que são idolatrados na maior parte do continente, ele percebeu que o Brasil é um “parente” distante do qual eles queriam estar mais perto.

“Não observei qualquer traço de ressentimento ou cobrança relacionados à história da escravidão. Ao contrário: se pudessem, os africanos estariam mais próximos dos brasileiros do que são hoje”, conta. Mas também lamenta: “Há ainda muito preconceito no Brasil em relação à África, é uma pena”.

A seguir, trechos da entrevista que Laurentino Gomes concedeu à BBC News Brasil sobre a nova trilogia e as viagens pela África:

BBC News Brasil – Como a história sobre a escravidão africana para as Américas é contada hoje nos países africanos que você visitou?

Laurentino Gomes – Existem algumas distorções parecidas com o estudo e o ensino oficial da escravidão fora da África. Lá estuda-se e discute-se pouco o papel dos próprios africanos no processo de escravização, com uma ênfase muito grande no papel dos europeus, dos traficantes e dos compradores de cativos que estavam na América.

Os africanos são apontados nos discursos hegemônicos como vítimas do regime escravista. De fato, pelo menos 12 milhões de prisioneiros africanos foram vítimas do tráfico, porque cruzaram o Oceano Atlântico como escravos a bordo dos navios negreiros.

Mas há ainda uma lacuna que precisa ser preenchida, e que diz respeito ao papel dos chefes africanos aliados aos traficantes europeus e brasileiros, que capturavam pessoas no interior do continente e os vendiam depois no litoral. Esses chefes se enriqueceram muito com isso, tanto é que grande parte da elite africana atual é herdeira desses comerciantes de escravos nativos.

BBC News Brasil – O presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse durante a campanha que os portugueses não entraram na África para capturar escravos. Como o senhor vê essa afirmação?

Gomes – A participação dos africanos no tráfico de escravos se tornou um tema politicamente explosivo no Brasil. Obviamente, os portugueses entraram, sim, na África. Ocuparam e colonizaram Angola, por exemplo, um território enorme naquela época, para abastecer o tráfico negreiro para as Américas. Mas essa discussão pode ter consequências políticas muito ruins atualmente.

Muita gente afirma que, se os africanos participaram e lucraram com a escravidão, não haveria razão para manter no Brasil um sistema de cotas de inclusão dos afrodescendentes em escolas, universidades ou postos da administração pública. A chamada “dívida social” brasileira em relação aos descendentes de escravos estaria anulada pelo fato de os africanos serem co-responsáveis pelo regime escravista. Desse modo, não haveria porque indenizá-los ou compensá-los pelos prejuízos sociais e históricos decorrentes disso.

Tudo isso é muito injusto porque, obviamente, não se pode culpar os escravos pela própria escravidão. O fato de chefes africanos terem participado do tráfico nada tem a ver com a enorme dívida social e real que o Brasil tem com os seus afrodescendentes.

Basta ver as estatísticas, onde a nossa população negra aparece como a parcela da sociedade com menos oportunidades e a que mais sofre com a desigualdade social crônica. Precisamos corrigir isso urgentemente e não podemos nos esconder atrás de falsas e incorretas discussões a respeito de fatos históricos.

Além de tudo isso, há um enorme equívoco conceitual nesse tipo de raciocínio, porque dizer hoje que africanos escravizavam africanos é o que os historiadores chamam de anacronismo, ou seja, o uso indevido de valores e referências de uma época para julgar ou avaliar personagens ou acontecimentos de outro período histórico.

A noção de uma identidade pan-africana, que unisse os habitantes de todo o continente, ainda não existia nos tempos do tráfico de escravos. Ninguém se reconhecia como africano, até porque a África sempre foi um território de grande diversidade e de riqueza culturais diversas, habitado por uma miríade de povos, etnias, nações, linhagens e reinos que frequentemente estavam envolvidos em guerras e disputas territoriais.

Aceitar, portanto, a ideia de uma identidade continental naquele tempo seria o equivalente a imaginar que, antes da chegada de Cabral à Bahia, um índio guarani do sul do Brasil identificasse como irmão pan-americano um índio navajo, dos Estados Unidos, ou um asteca, do México.

BBC News Brasil – Como Portugal lida hoje com seu papel central de articulação desse mercado de escravos do passado?

Gomes – Há uma discussão enorme e passional entre os portugueses sobre o passado escravagista.

Tempos atrás, a inauguração de uma estátua em homenagem ao padre Antônio Vieira foi alvo de protestos em Lisboa. O motivo foi que Vieira é hoje considerado um defensor da escravidão africana.

Obviamente, a história é dinâmica e conceitos que valem hoje certamente não valiam no passado. Seria injusto julgar personagens e acontecimentos do passado com os olhos, os valores e as referências de hoje. Mas eu acho que há um lado saudável nisso: o de chamar a atenção para o problema do legado da escravidão entre nós.

Rua Brasil, em Acra, capital de Gana. A Rua fica no bairro do Tabons, comunidade de descendentes de escravos do Brasil que retornaram para a ÁfricaDireito de imagemACERVO PESSOAL/LAURENTINO GOMESImage captionRua Brasil, em Acra, capital de Gana. A Rua fica no bairro do Tabons, comunidade de descendentes de escravos do Brasil que retornaram para a ÁfricaBBC News Brasil – Como o Brasil é visto hoje nos países africanos de onde partiram escravos?

Gomes – Em todas as minhas cinco viagens por oito países africanos eu, como brasileiro, me senti sempre muito bem acolhido e bem tratado. Não observei qualquer traço de ressentimento ou cobrança relacionados à história da escravidão.

Coisa bem diferente ocorre, por exemplo, com os angolanos em relação aos portugueses, que hoje ainda são apontados como os principais culpados pelos grandes problemas do país.

Isso acontece porque o chamado processo de “descolonização” ainda é bem recente, já que a guerra contra Portugal pela independência acabou meio século atrás. O clima de má vontade de parte a parte é ainda muito grande, mas em relação ao Brasil isso não acontece.

Ao contrário: senti que, se dependesse dos africanos, a aproximação seria maior do que a que temos hoje.

BBC News Brasil – Muito se fala sobre os impactos da escravidão africana na sociedade brasileira, mas você conseguiu captar esses efeitos nas sociedades atuais da África?

Gomes – Existem estudos importantes feitos na África sobre o impacto da escravidão na demografia do continente e também no processo de desenvolvimento posterior desses países.

O tráfico de escravos drenou uma quantidade inacreditável de recursos humanos do continente africano e distorceu a economia e as relações de poder nas sociedades afetadas pelo comércio de cativos, sem contar o fato de que regiões inteiras do continente foram redesenhadas em razão do tráfico de escravos.

As marcas dessa história ainda todas lá, bem presentes.

BBC News Brasil – Muitos locais que outrora foram pontos centrais da escravidão hoje são roteiros turísticos, como os portões de não retorno. Como você percebe esse tipo de turismo moderno?

Gomes – Existem dezenas desses portões nas cidades africanas, que simbolizam antigos portos de embarque dos escravos para a América. A mais famosa e fotografada fica na Ilha de Goreia, na Baía de Dacar, capital do Senegal. Eles se orgulham com o fato de que diversas celebridades internacionais, incluindo o papa João Paulo 2º, o presidente norte-americano Barack Obama, e o sul-africano Nelson Mandela foram visitá-lo.

Uma das bases dos livros sobre a escravidão é o banco de dados Slave Voyages, que cataloga mais de 37 mil viagens de navios negreiros ao longo de três séculos e meio e registra um total de 188 portos de partida de cativos no continente africano.

Diante desses números, acho importante a existência dos portões hoje como pontos turísticos, porque ajudam na reflexão sobre a história da escravidão. O ruim disso, para mim, é que eles são pouco visitados por brasileiros.

BBC News Brasil – Quais são as influências do Brasil nos países africanos que você visitou para escrever o novo livro?

Gomes – Brasil e África compartilham raízes mais profundas do que se imagina. Fomos a maior sociedade escravagista do hemisfério Ocidental por mais de 300 anos e, além disso, 40% de todos os 12 milhões de cativos africanos trazidos para as Américas tiveram como destino nosso país. Por conta desses números expressivos, as marcas brasileiras são bem visíveis hoje no continente africano.

Em Gana e no Benim, por exemplo, encontrei uma numerosa comunidade de descendentes de ex-escravos que voltaram durante o século 19 e que, nas sociedades atuais, ocupam posições importantes da hierarquia social.

Alguns deles foram ministros, governadores e chegaram até a ser presidentes. Esses ex-escravos retornados deixaram contribuições importantes na arquitetura, nas artes e nos costumes em diversos países africanos. Na cidade de Porto Novo, no Benim, há uma mesquita muçulmana com traços arquitetônicos semelhantes às igrejas católicas brasileiras, que foi construída por escravos libertos da Bahia. O ofício deles no Brasil era justamente erguer templos católicos, e eles levaram a técnica de construção para a África.

Mas eu vi influência também na enorme audiência que as novelas da Rede Globo têm nos países de línguas portuguesa. É tão grande que elas chegam a mudar o sotaque e o modo de falar desses locais.

Mesquita com estilo arquitetônico das igrejas católicas brasileiras construídas por ex-escravos que voltaram ao Benim, no oeste da ÁfricaDireito de imagemACERVO PESSOAL/LAURENTINO GOMESImage captionMesquita com estilo arquitetônico das igrejas católicas brasileiras construídas por ex-escravos que voltaram ao Benim, no oeste da ÁfricaBBC News Brasil – Qual capital da África se parece mais com uma cidade brasileira de hoje?

Gomes – Praia, capital de Cabo Verde, é uma mistura de Salvador e Rio de Janeiro, com a presença constante da música da brasileira, especialmente a Bossa Nova, que é muito forte entre os compositores e intérpretes caboverdianos.

Luanda, capital de Angola, lembra muito o Rio, incluindo as muitas favelas que compõem a periferia pobre da cidade. O biotipo da pessoas, o jeito de falar e de se comportar também lembram muito o carioca.

Tive a mesma sensação em relação à Bahia quando fui para Gana, Senegal e Benim, de onde, por sinal, vieram muitos cativos africanos para trabalhar nos engenhos de açúcar do Recôncavo Baiano.

No Benim, especialmente, me impressionou a quantidade de templos e símbolos ligados à prática do candomblé. A culinária desses países também é muito parecida com a nossa: marcada pelo uso de ingredientes como a pimenta-malagueta, a mandioca, o feijão, o quiabo, o inhame e o milho. Qualquer brasileiro que visitar a África, pelo menos nessas regiões, vai se sentir imediatamente em casa.

BBC News Brasil – Nesses países que visitou, você notou que o Brasil é um destino de migrantes africanos?

Gomes – O Brasil ocupa esse lugar sim. A migração para o Brasil ainda é muito forte entre os angolanos, os nigerianos e os cabo verdianos.

Encontrei muitas pessoas que já tinham morado e estudado no Brasil e conheci outras muitas com desejo de viver pelo menos algum tempo neste outro lado do Atlântico.

Fiquei bastante surpreso ao ver que os africanos têm muita informação sobre o Brasil, acompanham de perto das notícias a nosso respeito e até se ressentem pelo fato de a recíproca não ser a mesma.

Nós, aqui no Brasil, acompanhamos pouco o que acontece na África. O turismo daqui para lá também é muito reduzido. Muitos brasileiros preferem passar férias na Flórida, em Los Angeles e Las Vegas, nos Estados Unidos – que não têm nada a ver com a nossa cultura -, do que fazer uma visita, mesmo que rápida e uma só vez na vida, aos países africanos em que estão plantadas as nossas raízes mais profundas. Há ainda muito preconceito no Brasil em relação a África, o que é uma pena.

BBC News Brasil – Você chegou a presenciar a reação dos africanos às eleições no Brasil?

Gomes – Não, mas observei um grande desconforto em relação ao que estava acontecendo ainda durante o governo Michel Temer.

O Brasil mantém uma política meio esquizofrênica em relação à África, com surtos de aproximação que se alternam com distanciamentos abruptos.

O último desses surtos ocorreu durante os 14 anos de administração petista, em que o governo brasileiro derramou muito dinheiro nos países africanos para obras de infraestrutura, usando como duto as empreiteiras que, mais tarde, estariam envolvidas na Operação Lava Jato.

Hoje é só um distanciamento e até uma má vontade dos dois lados: encontrei obras paradas, projetos interrompidos e embaixadas e consulados com dificuldades até para pagar as contas, incluindo o aluguel, como resultado dos cortes do orçamento no Itamaraty. Entre os governos locais, até pouco tempo atrás habituados a conviver com a generosidade do dinheiro do BNDES e de outras linhas de financiamentos brasileiras, impera agora uma franca revolta contra o governo do presidente Michel Temer, que fechou a torneira quando chegou.

BBC News Brasil – O que mais o impressionou nessas viagens a África?

Gomes – A presença chinesa que substituiu o vácuo deixado pelo Brasil.

Encontrei projetos chineses espalhados por todos os lugares: em Cabo Verde, Angola e Moçambique – para citar apenas três dos países africanos de língua portuguesa que visitei no meu trabalho de reportagens.

São obras gigantescas identificadas com placas, também enormes, escritas em mandarim. A agressividade chinesa na África podia ser medida, entre outras providências, pela criação do Fórum de Macau, organismo de cooperação com as nações lusófonas na África, iniciativa que tem o óbvio propósito de se contrapor à CPLP, a Comunidade dos Países de Línguas Portuguesa.

O Brasil, embora seja um dos fundadores da CPLP, nunca deu a devida importância à entidade.

BBC News Brasil – Como escritor de sucesso com a trilogia 18081822 e 1889, qual é a sua expectativa sobre as reações em torno desse novo trabalho?

Gomes – Acredito que a escravidão seja o assunto mais importante de toda a história brasileira.

Tudo que já fomos no passado, o que somos hoje e o que seremos no futuro tem a ver com as nossas raízes africanas e a forma como nos relacionamos com elas. Minha trilogia segue a fórmula dos meus livros anteriores, pelo uso de uma linguagem simples, fácil de entender, capaz de atrair a atenção mesmo de leitores mais jovens e não habituados a estudar o tema. Mas espero dar uma contribuição pessoal para o desafio brasileiro de encarar a sua própria história escravagista e dela tirar lições que nos ajudem a construir o futuro.

BBC

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46229943

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Depois de avanços históricos, políticas afirmativas para negros correm riscos

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Educação Infantil: um direito universal

O Brasil atravessa um momento de alta complexidade. Com o avanço da agenda conservadora e a vitória da extrema direita nestas eleições, o horizonte que se apresenta é de mais dificuldades e cobrará de nós ainda mais luta e resistência.

Não bastasse a aprovação, na gestão Temer, da Emenda Constitucional 95 – que congela os investimentos públicos por 20 anos – e a ameaça da aprovação do Projeto de Lei 7180/14, no plano estadual a Educação sofre com o descaso e a ameaça de privatização.

No poder por quase três décadas, os governos estadual e municipal do PSDB não só lideram um desmonte sem precedentes, impõem agenda brutal de retirada de direitos dos servidores estaduais e municipais. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, já impôs o fechamento de mais de 100 AMAs, o pacote de mais de 50 lotes de privatizações, o desmonte das concessões de limpeza urbana, transportes e iluminação pública. E já avisou: vai ter (de)reforma da Previdência Municipal (621/16 que ataca os servidores).

Nesse cenário, a Educação Infantil está em risco, seja do ponto de vista pedagógico, político ou de financiamento.

O Sedin, bem como o conjunto dos educadores e educadoras estão mobilizados e preparados para lutar em defesa dos direitos e da Educação das nossas crianças. É unir forças e resistir de forma coletiva e organizada para garantir esse direito universal que está consagrado na Constituição Federal não seja destruído.

*Claudete Alves é presidenta do Sindicato dos Educadores e Educadoras da Infância (Sedin).

Portal da CTB
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Notícia boa para o ensino no Dia da Consciência Negra

Um auxiliar para a discussão da discriminação racial (eufemismo para racismo) acaba de ser disponibilizado a professores, alunos, estudiosos e demais interessados pelo tema, que afeta a todos os brasileiros: “Roteiros temáticos da diáspora: caminhos para o enfrentamento ao racismo no Brasil”, organizado por Andrea Maila Voss Kominek e Ana Crhistina Vanali.

Acontecimento promissor neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, criado em 2003 como efeméride do calendário escolar e instituído em âmbito nacional pela lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. Um dia para a reflexão sobre a contribuição e participação do negro na sociedade brasileira.A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares (Alagoas), em 1695.

Dados e fatos

Entre 2016 e 2017, o número de brasileiros que se declaram pretos subiu 6%, para 17,8 milhões, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período, o número de autodeclarados pardos aumentou 1%, para 96,9 milhões, enquanto o total dos que se declaram brancos teve queda de 0,6%, para 90,379 milhões.

A pesquisa mostra que a maior proporção de autodeclarados pretos está no Nordeste (10,5% da população), seguida pela Sudeste (9,3%). O menor percentual está na região Sul (4,2%). No Centro-Oeste, os autodeclarados pretos correspondem a 8,2% da população, e no Norte, a 7,1%. O Rio de Janeiro é o segundo estado com maior percentual de autodeclarados pretos, ficando atrás somente da Bahia.

Das 56 mil pessoas que foram assassinadas em 2012 no Brasil, 30 mil eram jovens entre 15 e 29 anos de idade, 93% do sexo masculino e 77% negros. O Atlas da Violência do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2017), que analisou a evolução das taxas de homicídios entre 2005 a 2015, considerando se o indivíduo era negro ou não, revelou que houve um crescimento de 18,2% na taxa de homicídio de negros, enquanto a dos não negros diminuiu 12,2%.

Apesar da estar em vigor desde 9 de junho de 2014, a Lei Federal nº 12.990 (Lei de Cotas), que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos do Poder Executivo Federal, tem tido um desempenho muito aquém do esperado. Também na universidade as cotas ainda têm muito o que caminhar. Nas cinco maiores universidade públicas do Brasil, o número de professores negros é pouco expressivo. A universidade é muito branca. Levantamento feito em 2016 pelo Departamento de Ações Afirmativas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) identificou que, dos cerca de 1 mil professores na instituição, apenas 20 são negros. Para realizar o mapeamento, foi pedido em cada departamento a identificação dos professores que se reconheciam como negro ou que eram reconhecidos como tal.

A UFJF é a única universidade pública que reconhece que existe racismo no ambiente acadêmico”, pontua a diretora do Departamento de Ações Afirmativas, Carolina Bezerra. A Universidade de Brasília (UnB), pioneira pela adoção de cotas raciais no vestibular, nos idos de 2004, e, mais recentemente, nos processos seletivos de pós-graduação em Sociologia, Antropologia, Direito e Direitos Humanos, só em 2016 anunciou a abertura de edital com cotas raciais para contratação de professores de Direito.

Quem escreve o projeto de fundação da Universidade de São Paulo (USP) está bem informado que a evolução e a prosperidade do futuro está completamente vinculada à ideia de branquitude, de brancura”, afirma a doutora Viviane Angélica, que traçou um perfil étnico-racial dos professores dessa instituição. Embora a Universidade tenha sido oficialmente criada em 1934, sua pesquisa remonta à fundação da Faculdade de Direito, em 1827, que foi posteriormente incorporada à USP. “Tinha-se a ideia de que a nação estava condenada e a mestiçagem era parte disso. A brancura era o caminho para a evolução”, afirma. “A USP foi fundada sobre as bases da educação bandeirante de abrir fronteiras para o país inteiro. Ou seja, isso também deveria ser feito no ensino superior, porém abarcando a ideia de branquitude”.

O baixo índice de docentes negros na universidade se deve também às formas de ingresso. A pesquisadora diz que o processo de entrada é aleatório, onde não há uma rede que se atente as desigualdades raciais, e que a forma como se reproduz o corpo docente não diz respeito apenas ao grau de excelência do candidato. Viviane mostra a existência de famílias de docentes da universidade, com “sobrenomes solenes, o que denota que o processo de ingresso também funciona como uma forma de herança”.

Negro, o professor doutor Dennis de Oliveira, chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de de Comunicações e Artes, crê que uma forma de aumentar o número de docentes negros na USP seriam as cotas raciais nos concursos para professores. Já implementadas no Sistema de Seleção Unificada (SISU) para alunos de graduação, Dennis afirma que estas cotas são “a etapa seguinte para garantir a inserção social da população negra neste espaço”.

Legislação e discriminação

Em 1837 foi assinada a primeira lei de educação no nosso país – não contemplava negros, então escravos. Em 1850, a lei das terras não permitia aos negros serem proprietários. Em 1871, a Lei do Ventre Livre excluía da escravidão os negros recém-nascidos, mas seus pais e familiares continuavam escravos. Em 1885 foi assinada Lei do Sexagenário, liberando do trabalho escravo os negros com mais de 60 anos – para efeito de comparação: nas primeiras décadas do século XIX a esperança de vida na Europa Ocidental (imensa maioria, branca) rondava os 33 anos…

Em 1888 ocorre a abolição, sem nenhuma compensação econômica ou social para os libertos, condenados agora ao desemprego e à miséria. Para resolver o problema, em 1890 foi editada a lei dos vadios e capoeiras: os que perambulavam pelas ruas, sem trabalho ou residência comprovada, deveriam ir para cadeia!

Somente com a Constituição de 1988, há apenas 30 anos, o racismo passou a ser considerado crime (seu art. 5° inciso XLII determina que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito de reclusão nos termos da lei”). Em decorrência da nova Carta Magna, em 2009 foi instituída a primeira Política de Saúde da População Negra; em 2010 foi assinada a Lei 12.288, criando o Estatuto da Igualdade Racial e, em 2012, a Lei 12.711 criou cotas para negros nas universidades.

O tema chega aos currículos

Em 2003 a implementação da Lei 10.639 modificou o Artigo 26 A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), instituindo a obrigatoriedade de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em todas as disciplinas, níveis e modalidades de ensino da Educação Básica e nos cursos de licenciatura de Ensino Superior. Em 11 de março de 2008 essa lei foi alterada pela criação da Lei 11.645, que torna obrigatório, também, o ensino de História e Cultura dos Povos Indígenas.

Segundo Adilbênia Freire Machado e Eduardo Oliveira, a lei “não está sendo implementada como deveria, pois, sabemos que na maioria dos espaços escolares e acadêmicos efetivamente ela não é aplicada, também sabemos que o governo ilegítimo vigente está numa luta contínua para retirar todos esses direitos duramente conquistados”.

As ações afirmativas não se limitam à reserva de vagas, mas buscam a reestruturação de ambientes excludentes. As políticas públicas de reparação e de direitos dos povos negros visa a participação ativa da cultura africana na formação da cultura nacional e não, simplesmente, a sua contribuição para nossa cultura. Preconizar práticas educativas e antirracistas nunca foi uma questão exclusiva da população negra no Brasil, mas brasileiros e brasileiras progressistas em geral.

Em um seminário realizado em Curitiba em setembro de 2016, com 150 professores e professoras dos ensinos fundamental e médio, que trabalham com o Ensino das Relações Étnico-Raciais, especialmente nas chamadas “Equipes Multidisciplinares”, foi constatada a dificuldade de encontrar ou acessar material de qualidade para trabalhar a temática das africanidades, da diáspora africana e das relações raciais. Para subsidiar o trabalho de professores, alunos e pesquisadores, Vanali e Voss Kominek organizaram a compilação “Roteiros temáticos da diáspora: caminhos para o enfrentamento ao racismo no Brasil”. Para elas, “a construção de uma sociedade justa exige conhecer e valorizar seu passado, suas raízes, trabalhar e lutar no presente para que o sonho do futuro melhor que queremos possa ser concretizado”. Essa obra está agora à disposição de todos, no endereço https://www.editorafi.org/396latitudes. Um instrumento de trabalho a serviço da liberdade e da libertação.

Carlos Pompe