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Veríssimo: ‘O nosso lado está com a razão mas o lado deles está armado’

Luis Fernando Veríssimo foi entrevistado na edição especial do Brasil de Fato Humor, realizado em parceria com a Grafar

Brasil de Fato RS e Grafar
Brasil de Fato | Porto Alegre

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8 de Janeiro de 2020 às 17:06
O maior cronista brasileiro vivo driblou, com brilho, não apenas o Bolsonaro como a malícia dos entrevistadores – Créditos: Fotos: Tânia Meinerz
O maior cronista brasileiro vivo driblou, com brilho, não apenas o Bolsonaro como a malícia dos entrevistadores / Fotos: Tânia Meinerz
Por que o maior cronista brasileiro vivo aceitou esta entrevista? Não oferecemos grana nem glória – que glória, aliás, poderíamos oferecer a quem acaba de ter o romance O Clube dos Anjos traduzido para o mandarim? Aceitou pelo combate, o melhor deles, o combate à estupidez. Aí, deu no que deu: Luis Fernando Verissimo concedeu sua maior entrevista, tanto em número de perguntas como de respostas – para quem fala pouco, o homem fala pra chuchu. De quebra driblou, com brilho, não apenas o Bolsonaro como a malícia dos entrevistadores. Enfim, todos saímos ganhando, exceto o governo. Governo? Pobre palavra, como tantas outras, nas mãos dos brilhantes ustras da incomunicação.

Ayrton Centeno – Lembro que, lá na virada do milênio, no auge do neoliberalismo, você disse que estávamos entrando em um novo século só não se sabia qual. E agora, já descobriu?

Luis Fernando Verissimo – A gente só conhece o futuro quando ele chega, e aí não é mais futuro, é presente, e irreversível. Quem diria que o século em que estávamos entrando, no Brasil, era o 19?

Ernani Ssó – Quando Bolsonaro disse I love you ao Trump não deveria estar vestido de rosa, conforme orientação da ministra Damares?

Verissimo – Dizem que o mais constrangedor foi o Bolsonaro pedir uma mecha do cabelo do Trump e oferecer, em troca, a Petrobras.

Centeno – Além do amor trumpiano, não lhe parece contraditório que o presidente, um homofóbico explícito, insista em tiradas como aquela quando disse querer “continuar transando” com o Alexandre Frota ou declare que “casou errado” com o vice Mourão e deveria ter “casado” com o príncipe?

Verissimo – O presidente estava obviamente usando linguagem figurada, como quando afirmou que mataria um filho que aparecesse namorando um bigodudo, ou o mandaria para um exilio na nossa embaixada em Washington. Só não ficou claro o que o presidente tem contra bigodudos.

Ernani – A propósito, é verdade que o Carlucho se tratou com o Analista de Bagé? O senhor teve acesso ao diagnóstico?

Verissimo – O Analista aceitou analisar o Carlucho e o recebeu com um joelhaço, causando inveja em grande parte da população.

Fraga – Pra fazer arminha, Bozo usa um marco evolutivo, o polegar opositor, e o indicador, o dedo mais acusatório de todos. Como o Analista de Bagé interpretaria esse gesto?

Verissimo – O dr. Freud diria que tem alguma coisa a ver com a tal inveja do pênis.

O dia em que Luis Fernando Verissimo falou quase tanto quanto ouviu

Santiago – No embalo em que vamos, achas que chegaremos a um estado teocrático evangélico com obrigatoriedade de saias maria-mijona para mulheres e proibição de Darwin nas escolas?

Verissimo – Deus criou o mundo em seis dias e aproveitou a folga do sétimo para calcular quanto as igrejas lucrariam não tendo que pagar impostos, não Lhe sobrando tempo para fazer a Terra redonda em vez de plana, como era no projeto original. Se você não acredita nisso prepare-se porque a Inquisição vem aí.

Fraga – Bozonaro morre (eba!) e, por engano qualquer na passagem da alma pro além, ele vai pro céu. Imagine o seguinte: como Ele receberia ele? O que Bozonaro ouviria de Deus?

Verissimo – Deus cobraria do presidente: “Que ministério é esse, seu Bolsonaro? Assim, nem Eu posso ajudar, o que dirá o dr. Olavo”.

Celso Schröder – Se o aquecimento global é marxista podemos deduzir que o período glacial tenha sido um momento weberiano da história?

Verissimo – Todo o mundo sabe que a Era Glacial teve inspiração comunista e os vulcões são controlados pelo Greenpeace. E que o óleo que deu nas praias grã-finas era um claro episódio da luta de classes.

Ernani – Que medidas podemos tomar para que o reino miliciano-evangélico saia do Velho Testamento e chegue, pelo menos, ao Novo?

Verissimo – Não sei qual seria a vantagem. O Velho Testamento tem pelo menos personagens mais interessantes e variados. O Novo é só Jesus, Jesus, Jesus… Enjoa.

Fraga – Vamos supor o clássico clichê com o Bozonaro: que um dia ele fosse, de espontânea vontade, pruma ilha deserta. Que livros, discos e filmes tu achas que o deprimente da república levaria?

Verissimo – Gibis do Capitão América.

LFV e Ernani Ssó

Ernani – Por falar em clichê, digamos que você, num desses acasos tão comuns nas anedotas, está em um elevador com o Bolsonaro, o Moro e o Guedes e a joça tranca entre dois andares. Você daria uma bolacha em cada um e depois alegaria escusável medo, surpresa ou violenta emoção?

Verissimo – O difícil seria decidir em quem bater primeiro. O Guedes não porque só ele sabe como fazer o elevador funcionar, ou diz que sabe mas não conta? O Moro porque nem registraria o golpe, continuaria com a mesma cara de “o que é que eu estou fazendo aqui?” e saudade de Curitiba? Ou o Bolsonaro por qualquer razão?

Centeno – Como um amante da natureza, você também segue aquela incrível receita presidencial – um dia sim, outro não – para preservar o meio-ambiente?

Verissimo – Dias intercalados para fazer amor, é essa a receita para preservar a natureza? Se der para acumular os dias de abstinência da semana para dar seis seguidas no sábado, sou a favor. E ainda dizem que este governo não tem ideias!

Schröder – No teu entendimento, qual o ministro realiza melhor o projeto de gestão intelectual e técnica anunciada pelo Bolsonaro?

Verissimo – A competição entre ministros e secretários de governo é grande e fica difícil escolher o pior. No momento a liderança está entre o novo chefe da Funarte, segundo o qual o rock leva ao satanismo, e a conselheira cultural que disse que dois minuto de sexo bastam para impregnar uma mulher e mais do que isso causa dependência e socialismo.

Centeno – Paulo Guedes declarou que os pobres não sabem poupar. Como mais da metade da população vive com até R$ 413 mensais, parece que o ministro da economia fez faculdade sempre colando na prova de matemática. Ou não?

Verissimo – Guedes tem razão. Se todos os pobres do Brasil poupassem seu dinheiro nossos problemas estariam resolvidos, sem necessidade de um ministro da Economia. Mas os pobres insistem em gastar seu dinheiro em supérfluos, como comida. Assim não dá.

Ernani – Li que só nos primeiros 271 dias de governo, Bolsonaro, enquanto repetia o versículo bíblico de que devemos saber a verdade porque a verdade nos libertará, deu 360 declarações falsas ou inconsistentes. Se Bolsonaro fosse o Pinóquio, quantos metros de nariz teria?

Verissimo – O nariz do nosso Pinóquio estaria dando a volta na quadra.

Centeno – Agora, falando mais sério: você algum dia na sua vida imaginou que o Brasil se transformaria nisso daí?

Verissimo – Sou otimista. Ainda acredito que acordaremos e descobriremos que foi tudo um sonho ruim, e estamos na Dinamarca.

LFV e Santiago

Santiago – Tu achas, como eu, historicamente imperdoável as lideranças democráticas do centro até a esquerda não terem se unido e criado um frentão-alternativa para evitar a evidente eleição do monstro? Quer dizer, não aprenderam nada com a história da Alemanha de 1930 nem com a tentativa do Le Pen ser presidente na França…

Verissimo – A história da esquerda no Brasil é uma história de oportunidades perdidas. A desunião permitiu que a direita vendesse a ficção da esquerda como culpada de um atraso que ela mesma criou, em sucessivas derrotas de qualquer alternativa progressista a uma elite inconsciente, desde o Descobrimento. Em resumo.

Centeno – Tem gente que acha que Bolsonaro e sua trupe nos prestaram um serviço: destamparam a face mais estúpida, sórdida e violenta do país que nunca havia aflorado até então. Você acha que devemos dizer “Obrigado” para ele?

Verissimo – A estupidez não é novidade no Brasil, temos uma história de ódio e violência que vai longe. A novidade é a estupidez com acesso às redes sociais.

LFV e Fraga

Fraga – Faz de conta que dá pra fazer um amigo secreto com o povo todo e tu, por imenso azar, é sorteado com o nome do Bozonaro. Considerando o clima natalino, que presente tu escolherias pra ele? E por que justamente esse?

Verissimo – Um presente de amigo secreto para o Bolsonaro? Se o preço não for empecilho, uma passagem de ida. Para onde? Se a passagem for só de ida, quem se interessa?

Centeno – A sociedade brasileira está, como nunca, polarizada. Amigos rompem relações, famílias se dividem. Pior é que pessoas que você pensava que conhecia, de repente, aparecem falando em terra plana e votando em Bolsonaro. Você viveu esta experiência?

Verissimo – Sei que já tem gente usando faixas na testa com os dizeres “Estou com o Bolsonaro”, “Sou contra o Bolsonaro” e “Não quero falar de política”, sem as quais nenhum tipo de vida social será possível.

Centeno – Voltando àquela outra questão: lembra daquele clássico B de ficção científica, Invasores de corpos, do Don Siegel? Aquele onde as pessoas, ao dormirem, são substituídas por vagens vindas do espaço e se transformam em cópias sem empatia alguma. Não lembra algo familiar?

Verissimo – Estamos nos transformando em vagens. Hmmm… De certa maneira é um futuro menos assustador do que a reeleição do Bolsonaro com o Alexandre Frota como vice.

Ernani – Se o governo Bolsonaro tem razão e a Terra é mesmo plana, o que será dos antípodas?

Verissimo – Pois é. E não explicam como os ursos brancos do Norte e os pinguins do Sul ainda não se encontraram no vortex da Terra plana, para confraternizar.

Júbilo e regozijo pela volta da Terra ao seu formato original

Schröder – Para ti, o centro da bandeira brasileira está composto por uma esfera azul representando o universo ou um disco azul como a terra plana representando o Olavo de Carvalho?

Verissimo – Não devemos fazer pouco do dr. Olavo, que pode nos desintegrar com uma descarga do seu bastão energizado por emanações de Júpiter. Com certas coisas não se deve brincar, gente.

Centeno – Durante muito tempo, nossas elites sentiram-se afrontadas por Marx, homem do século 19. Hoje, parece que se sentem afrontadas por Copérnico, homem do século 16, que comprovou que nosso planeta gira em torno do Sol. Qual será a próxima conclusão secular da ciência que iremos afrontar?

Verissimo – Dizem que Copérnico, Galileu, Darwin e todos os opositores do criacionismo serão banidos dos livros escolares brasileiros e substituídos pela nova teoria do evolucionismo militar, segundo a qual toda a raça humana começou como soldados rasos e foi subindo de grau.

Santiago – Alguns humoristas da Alemanha avaliaram, no pós-Segunda Guerra Mundial, que as críticas mais folclorizaram o führer do que diminuíram sua imagem junto ao povão. Corremos também esse risco?

Verissimo – Há esse perigo. Não dou duas gerações para que “bolsonaro” vire adjetivo, como elogio ou danação, dependendo de quem o usar e da memória de cada um.

Ernani – Todo governo mente, claro, mas o caso do reinado Bolsonaro é especial: os mentirosos não apenas mentem como parecem, eles próprios, acreditar nas mentiras que dizem…

Verissimo – No caso do Bolsonaro o rei não só está nu como desfila com uma radiografia computadorizada do seu interior, e mesmo assim poucos, curiosamente, gritam “Ele está nu!”

Fraga – Bozonaro tem uma fraquejada e pede aos cidadãos cartas com sugestões pra melhorar seu modo de governar o Brasil. Tu também fraquejas e atende ao pedido. Quais enviarias?

Verissimo – “Renuncia!”

LFV e Katia Marko

Katia Marko – Não tem um momento em que a gente olha ao redor e pensa que virou personagem de um novo gênero literário, a comédia de horror?

Verissimo – É verdade. E o pior é que ninguém nos perguntou se queríamos estar no elenco.

Ernani – Como se explica que o anticomunismo tenha sobrevivido ao comunismo?

Verissimo – Vê-se tão poucos comunistas hoje em dia porque estão todos embaixo das camas dos anticomunistas, como urinóis esquecidos.

Encontro memorável na casa da Felipe Oliveira em 12/11/2019

Centeno – “Agora é guerra” você escreveu recentemente sobre a loucura que estamos vivendo. O problema é que, do outro lado, estão as milícias…

Verissimo – O nosso lado está com a razão mas o lado deles está com os AK 154, certo. Mas lembrem-se que o David não precisou de mais do que um estilingue.

Fraga – Dá pra imaginar como são as reuniões do condomínio do Bozo, com ele presente? Qual seria uma pauta típica?

Verissimo – Discutiriam, certamente, a contratação de porteiros mais confiáveis.

LFV e Edgar Vasques

Edgar Vasques – Será que a sala de reuniões lá no condomínio do capitão tem detector de metais?

Verissimo – Além de detector de metais e câmeras, a sala de reuniões do condomínio deve estar cheia de gravadores, esperando a hora de serem ouvidos na hipotética comissão que um dia investigará tudo isto, ao menos em sonho.

Santiago – Millôr disse que nós, humoristas, somos muito importantes para sermos presos, porém não tão importantes para que nos soltem. E então?

Verissimo – Humoristas presos e humoristas soltos são uma tradição no Brasil desde o Barão de Itararé. Infelizmente, humoristas, jornalistas e intelectuais presos e mortos também são uma tradição, menor mas não menos lamentável. Entre presos e soltos ninguém deveria estar nessa estatística tétrica num país civilizado.

Fraga – Quando o Bozo chega tarde em casa, por causa de um dia problemático no palácio, que tipo de desculpas ele daria pra Michele? Ou ele contaria tudo que se passa lá?

Verissimo – “O Congresso me sacaneando de novo, a imprensa não largando meu pé, e você pergunta se o meu dia foi bom, Michele? Você anda vendo seriado da TV americana demais, querida”.

LFV e Schröder

Schröder – Entre o Cabo Anselmo, o Tenente Bolsonaro e o General da Banda, quem representa melhor a tradição militar brasileira?

Verissimo – Sem dúvida o General da Banda, que nos impede de desesperar por completo dos nossos militares.

Ernani – Naquela velha comédia One, two, three (no Brasil, como sempre, ganhou um título “criativo”: Cupido não tem bandeira) do Billy Wilder, um jovem acha justo que a humanidade seja varrida da terra. Então, o personagem do James Cagney responde: “Não se saiu tão mal uma espécie que deu o Taj Mahal, Shakespeare e a pasta de dentes com listinhas”. Bom, Bolsonaro não criou a estupidez que se vê do Oiapoque ao Chuí, apenas levou as pessoas a ostentarem ela na rua e baterem no peito com orgulho. A pergunta é: depois disso a espécie tem alguma defesa, apesar da pasta de dente com listinha?

Verissimo – Além de Shakespeare, do Taj Mahal e da pasta de dente com listinha eu teria uma enorme relação de justificativas para a passagem do homem sobre Terra, começando pelo pudim de laranja e terminando pelo Charlie Parker. A espécie não é culpada pelos seus dementes e torturadores.

Edgar Vasques – Como imagina que os historiadores descreverão este período que enfrentamos? Que começou em 2016 e virou demência em 2018. E qual o papel da mídia na abertura das portas do inferno?

Verissimo – A História terá dificuldade em entender o fenômeno Bolsonaro, mas talvez desenvolva uma lógica para explicá-lo. Para a História, o tempo acaba explicando até o ilógico. Quanto ao papel da mídia, não existe uma mídia só. Entre coniventes, subservientes, bem e mal-intencionados, heroicos e bandidos, tivemos de tudo. Acho que com o tempo a História também nos compreenderá.

Centeno – A propósito, o jornalista H. L. Mencken tinha uma definição implacável do jornal médio dos EUA. Diz que tinha “a inteligência de um carola caipira, a coragem de um rato, a imparcialidade de um fundamentalista, a informação de um porteiro de ginásio, o gosto de um criador de flores artificiais e a honra de um advogado de porta de cadeia”. E os nossos?

Verissimo – Mencken era um misantropo genial. O que ele pensava da espécie humana se multiplicava quando comentava a imprensa do seu país. Não sei se a nossa imprensa merece um rancor parecido. Ou talvez não mereça outra coisa.

Ernani – Bolsonaro quer transformar todas as escolas em escolas militares. Mas, considerando o nível intelectual do general Heleno, do general Mourão e do próprio Bolsonaro, não é de se pensar que a inteligência militar é uma contradição em termos, como dizia Gore Vidal?

Verissimo – Escolas militarizadas são a consequência natural do espírito que se instalou no país, com a eleição do Bolsonaro. Vamos ver qual será a primeira a receber o nome Coronel Ustra.

LFV e Ayrton Centeno

Centeno – Admitindo-se a hipótese criacionista – o que parece ser questão de tempo nas escolas públicas ou não – onde Deus errou ao criar o Brasil?

Verissimo – Deus criou um paradoxo, um país gigantesco e menor ao mesmo tempo.

Brasil de Fato
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Pesquisa aponta variação de 299% nos preços do material escolar

Número foram divulgados nesta quinta-feira pelo Procon Goiás

HÉLIO LEMES

Início de ano e a preocupação de muitas famílias não é apenas com as contas do final de ano, é também com as do início como matrícula dos filhos e material escolar. E para auxiliar os pais na compra do material escolar, o Procon Goiás divulgou nesta quinta-feira (8/1) uma pesquisa que mostra que a variação nos preços do material pode chegar a 299% na capital.

Durante a pesquisa o órgão de defesa do consumidor observou a variação em 122 itensque compõe o material escolar exigido pelas escolas, o levantamento foi feito em 10 papelarias de Goiânia. O Procon GO informou que além dos preços, o relatório tem como objetivo orientar os consumidores sobre os abusos praticados por algumas instituições de ensino, que incluem produtor proibidos na lista e uma série de orientações para o consumidor evitar qualquer tipo de transtorno durante as compras.

O órgão salientou no relatório que sempre busca fazer a comparação de preços com produtos idênticos e de mesma marca para não ter nenhum problema. Tendo isto em vista, o relatório apontou que a maior variação encontrada foi de 299% no preço da régua acrílica de 30 cm da Acrimet, o produto tem preços que variam de R$ 1,00 a R$ 3,99 dependendo do estabelecimento.

Veja o quadro da varição da régua acrílica

PRODUTO MARCA MENOR MAIOR VARIAÇÃO
PREÇO PREÇO %
Régua acrílica 30 cm um Acrimet R$       1,00  R$         3,99 299,00
Papel contact transparente – metro Plastific  R$       2,90  R$         8,90 206,90
Lápis preto n. 2 – evolution Bic  R$       0,65  R$         1,99 206,15
Borracha bca c/ capa (vermelha) Max 7024 Faber Castell  R$       2,20  R$         6,30 186,36
Caneta Esferográfica Cristal Bic  R$       0,70  R$         1,99 184,29
Caneta Marca Texto – Amarela Grif Pen Faber Castell  R$       2,35  R$         5,99 154,89
Tinta Guache 250 gr Acrilex  R$       4,70  R$       10,90 131,91
Lapiseira 7 mm Cis  R$       2,50  R$         5,50 120,00
Tesoura Escolar s/ ponta 2357 Tramontina  R$       5,95  R$       12,99 118,32
Caneta Hidrocor – ponta fina c/ 12 Faber Castell  R$       6,99  R$       14,99 114,45
Giz de cera grosso c/12 Faber Castell  R$       4,80  R$         9,99 108,13
Bloco p/ fichário c/ 4 furots (folha branca ) 96 fls Tilibra  R$       3,90  R$         7,99 104,87
Lápis de cor – grande 24×1 Faber Castell  R$     19,90  R$       40,00 101,01
Pasta plástico c/ elástico 2,0 mm ACP  R$       1,99  R$         3,99 100,50
Pasta plástico c/ elástico 2,0 mm ACP  R$       1,99  R$         3,99 100,50
Cola líquida branca – 40 g Maxi  R$       0,75  R$         1,50 100,00
Caderno Univ espiral – capa dura 16 mt – Tilibra Mais Tilibra  R$     13,88  R$       25,00 80,12
Corretivo – caneta 8 ml Faber Castell  R$       8,90  R$       15,50 74,16
Cola Bastão – 8 g – 3M Scoth  R$       2,30  R$         3,90 69,57
Massinha de modelar soft c/ 12 Acrilex  R$       3,50  R$         5,00 42,86

Preço do material escolar registrou queda em itens individuas na comparação com o ano passado

Conforme os dados divulgados pelo Procon GO, os produtos do material escolar estão 4,22% mais baratos em comparação com o ano passado. Os números mostram que essa foi a redução mais expressiva individualmente chegando a 48,44%, como exemplo a lapiseira 7 mm da marca cis que no ano passado estava sendo vendida a R$ 8,09 e este ano o valor caiu para R$ 4,13.

Vale ressaltar que o Prcon observa os materiais escolares de uso didático-pedagógico, então quando a escola insere na lista escolar, materiais de uso coletivo pode incorrer em prática abusiva, pois é um gasto a mais para o consumidor.

A orientação é para que o consumidor caso tenha dúvida sobre o item pedido pela escola, questionar a instituição de ensino sobre a finalidade que o material vai ser usado durante o ano letivo

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Futuro do livro didático no Brasil

Como evitar a ideologia direitista e o lucro de empresários inescrupulosos?

Sílvia Amélia de Araújo

  • Van “Máquina de livros” faz troca de livros no Museu da República, em Brasília<br />Fabio Rodrigues Pozzebom  [Agência Brasil]
Van “Máquina de livros” faz troca de livros no Museu da República, em Brasília
Fabio Rodrigues Pozzebom [Agência Brasil]

“A partir de 2021, todos os livros serão nossos, feitos por nós. Os pais vão vibrar. Vai estar lá a bandeira do Brasil na capa. Vai ter lá o hino nacional. Os livros hoje em dia, como regra, são um montão de amontoado de muita coisa escrita. Tem que suavizar aquilo. Falar em suavizar, estudei na cartilha Caminho suave, você nunca esquece. Não esse lixo que, como regra, está aí. Essa ideologia de Paulo Freire”
Jair Bolsonardo, presidente da República

Sabe quem é o maior comprador de livros do mundo?

O governo brasileiro.

Isso graças ao Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, que organiza a compra dos livros didáticos utilizados em todas as escolas públicas deste país.

Uma obra dos governos PT? Não. Um programa criado em 1985 e aprimorado desde então, governo a governo.

Como esses livros são comprados? Por licitação, comparando preços, como pode se fazer ao comprar cadeira, carteira ou qualquer objeto? Não. Livro não se compra assim.

O PNLD estabeleceu, ao longo dos anos, comissões de pesquisadores que realizavam uma análise minuciosa de todos os livros didáticos lançados pelas editoras. E a partir dai elaboravam pareceres.

Cada escola então reunia seus professores para decidirem (lendo esses pareceres encadernados em um guia) qual coleção de livro, de cada disciplina, eles pretendiam adotar. E o governo federal comprava o que foi escolhido em cada lugar.

Isso permitia que se respeitasse diferenças regionais e de formação dos professores. E note que coisa bonita: não tinha imposição do governo, nem algo que possa chamar de “viés ideológico”, já que em cada lugar uma coleção de livros diferente podia ser adotada. Inclusive os professores eram livres para ignorar os livros mais bem classificados pelos pesquisadores e escolher uma coleção que considerassem mais fácil de usar. E isso acontecia muito.

Até o governo Dilma, esses especialistas eram pesquisadores/professores de grandes universidades públicas, com notório saber na área, pessoas que dedicaram uma vida à pesquisa em educação.

Eu trabalhei num centro de excelência em pesquisa sobre leitura, escrita e alfabetização, o Ceale da UFMG, que fez várias avaliações para o PNLD – de livros de português e alfabetização – e também para o PNBE, que analisava os livros literários e dicionários que poderiam ser comprados para as bibliotecas escolares (1).

A pressão em cima desses pesquisadores era imensa. Ouvi histórias de terem que chamar a polícia para espantar os lobistas de editoras que assediavam os pesquisadores para tentar fraudar o sistema e interferir nas avaliações. Isso porque esse é um negócio bilionário, e constante. Afinal de contas há décadas o governo brasileiro compra livros para os alunos da rede pública.

O governo Temer começou a destruir o PNLD ao permitir que se tirasse essas avaliações das mãos dos maiores pesquisadores do país em cada área; entregando para pessoas com formação mais básica, sem doutorado, sem relevância no seu campo de pesquisa, sem a alta qualificação necessária.

O governo Bolsonaro parece ter a clara intenção de destruir de vez essa política de Estado que existe há 35 anos no Brasil, acabar com um dos traços mais republicanos desse país que é essa forma como os livros produzidos pelas editoras chegam até a sala de aula: com um filtro da pesquisa científica/pedagógica, mas respeitando a escolha dos professores que utilizam esses livros com seus alunos.

Bolsonaro fala em colocar bandeira do Brasil na capa, mutilar conteúdos, mudar a linguagem e uma porção de intervenções que jamais compete a um presidente que se pretenda democrático meter o bedelho. Isso terá um efeito dramático para educação brasileira! (2)

Temos que ter consciência da formação deficitária de boa parte dos professores da educação básica. Um bom livro ajuda o professor a se atualizar na sua área e a conseguir organizar melhor sua aula, serve a ele como formação continuada. Fora ser obviamente um suporte para a aprendizagem dos alunos.

Outra informação importante para prestarem atenção é que, depois da Bíblia, os livros didáticos são os livros que mais circulam pelas casas pobres deste país.

É triste demais que a qualidade desses livros esteja tão perigosamente ameaçada. Inclusive de passar a conter conteúdo anticientífico, revisionismo histórico, teoria da conspiração, pregação religiosa, moralismo e preconceitos.

Tudo é possível que este governo enfie nos novos livros didáticos. Já que o presidente provavelmente colocará os lunáticos da laia dele (e não pesquisadores) para avaliar as coleções produzidas pelas editoras. E os donos de editoras mais inescrupulosos, interessados num pedaço desse orçamento bilionário, podem se adequar. E muito provavelmente os professores perderão a chance de escolher qual coleção usar.

Estejam atentos que Bolsonaro faz isso não só para impor o seu “viés ideológico” (que seriam livros sem o que ele chama de ideologia de gênero e com muito patriotismo), mas também para enriquecer parceiros com ligação direta com editoras e outras megaempresas na área de educação.

Tem gente com muita grana por trás dessa conversa fiada do presidente de que os livros didáticos brasileiros são “lixo”.

Por favor, amigos, se importem com isso! O que estamos prestes a perder com o desmantelamento das políticas do livro didático demorou demais a ser construído. Os brasileiros não podem deixar a educação pública andar para trás nessa velocidade.

notas

1
Eu nunca trabalhei como avaliadora do PNLD. Meu contato foi indireto, quando trabalhei por alguns anos como jornalista do Ceale, uma instituição ligada à faculdade de educação da UFMG, que realiza pesquisas e também atividades voltadas para a formação de professores alfabetizadores.

2
Ver: FERNANDES, Talita. Bolsonaro chama livros didáticos de “lixo” e propõe que material seja suavizado em 2021. Folha de S.Paulo, 3 jan. 2020 <https://bit.ly/2SXg34K>.

sobre a autora

Sílvia Amélia de Araújo trabalhou como jornalista no Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita – Ceale, instituição da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, onde ajudou a criar o “Letra A”, um jornal para professores alfabetizadores brasileiros. Foi professora substituta no curso de Comunicação Social da UFMG.

Vitruvius

https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/19.217/7584

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Lista de Livros – Pensamento filosófico: um enfoque educacional, de Luiz Gonzaga Godoi Trigo

Seleção de Doney

Editora: InterSaberes

ISBN: 978-85-8212-678-3

“Todo povo que alcança certo grau de desenvolvimento encontra-se naturalmente inclinado a praticar a educação.” (Werner Jaeger, Paideia, 1983, p. 3).

“A filosofia, segundo Platão e Aristóteles, começa com o assombro do ser humano perante o mundo. Aristóteles afirmou: “’Pois o assombro, tanto no início como hoje, induz o homem a filosofar […] Mas o que pergunta e se assombra tem uma sensação de ignorância […] Assim que para escapar dessa ignorância começou a filosofar” (Magee, História da filosofia, 1999).”

“Essa insistência na razão é uma das marcas registradas da filosofia. Ela distingue a filosofia, por exemplo, tanto da religião como das artes. Na religião, às vezes se recorre à razão, mas também a fé, a revelação, o ritual e a obediência têm papéis indispensáveis, e a razão pode nunca abarcar a pessoa por inteiro. O artista criativo, o filósofo, está totalmente engajado numa atividade de busca da verdade, tentando ver abaixo da superfície das coisas e adquirir uma compreensão mais profunda da experiência humana. Mas ele recorre à percepção direta e à intuição em vez de ao argumento racional. (Magee, 1999, p. 8-9).

Existe também um tipo diferente de fronteira entre a filosofia e a ciência. O cientista investiga o mundo, a natureza e o ser humano; tenta fazer novas descobertas, organizá-las, descrevê-las e reproduzi-las. A ciência se sustenta na racionalidade, como a filosofia, mas a diferença fundamental entre as duas reside no empirismo, ou seja, a ciência se vale da observação direta, das experiências e da reprodução organizada dessas experiências. A filosofia se baseia na reflexão, uma investigação racional diferente do método científico.

Por exemplo: um professor de filosofia dá aulas nos diversos cursos de uma grande universidade. No primeiro dia de aula da disciplina Introdução à filosofia, para o primeiro ano do curso de veterinária, o professor ouve a pergunta fatal: “Mas para que a gente precisa estudar filosofia?”. Impassível, ele responde: “Em primeiro lugar, para ajudar a diferenciar você de seus clientes”.”

“Para Luc Ferry (Aprender a viver, 2007, p. 300),

toda grande filosofia resume em pensamentos uma experiência fundamental da humanidade, grande obra artística ou literária traduz as possibilidades das atitudes humanas nas formas mais sensíveis. O respeito pelo outro não exclui a escolha pessoal. Ao contrário, a meu ver, ele é a condição primeira.”

“Conhecemos, hoje, mais do que nossos avós conheciam. Isso não quer dizer que sejamos mais sábios ou mais felizes. Tampouco quer dizer que somos mais ignorantes ou mais infelizes. Somos diferentes e temos mais acesso à informação e ao conhecimento.”

“Certa vez, o neurologista Oliver Sacks respondeu a uma pergunta que parecia uma banalidade:

“O que é um homem normal?”.

Sacks respondeu que um homem normal talvez fosse aquele capaz de contar a sua própria história. De onde vem (sua origem, seu passado, sua memória), onde está (sua identidade), para onde vai (seus projetos e a morte no fim). Esse ser humano se situa no movimento de um relato, ele é uma história e pode se narrar. (Carriére, O círculo dos mentirosos, 2004, p. 11-12).”

“Antes da filosofia, os mitos e as religiões contavam histórias sobre o mundo e os humanos. Os mitos são as primeiras formas de especulação sobre o mundo e o universo, são narrativas de eventos que aconteceram antes da história escrita e do que está por vir.

Os mitos são histórias que unem o passado ao presente e ao futuro, são um padrão de crenças que dão significado à vida, que são um ingrediente essencial em todos os códigos de conduta moral e estão presentes em todas as culturas de todos os tempos. Os deuses e deusas permeavam a vida dos humanos da natureza e do cosmos. O cosmos era a demonstração da ordem obtida pelas divindades em oposição ao caos primordial. O poeta grego Hesíodo, no século VIII a.C., escreveu a Teogonia, uma obra que traça a genealogia das divindades, organizando-as em um cosmos literário precioso, conservado até hoje. A mitologia grega marcou o imaginário do Ocidente, desde o antigo império romano até os nossos dias. As outras mitologias (asteca, escandinava, chinesa, hindu, de várias tribos da África, da Ásia e das Américas) posteriormente foram agregadas às culturas em vários lugares do mundo, mas os mitos greco-romanos são marcantes no Ocidente.

As religiões possuem uma vertente específica que não será analisada neste texto. O importante é saber que há uma passagem do mito para a religião, especialmente no que se refere ao monoteísmo judaico, cristão e islâmico. As religiões politeístas, como as religiões agrícolas primitivas, o hinduísmo, as manifestações xamânicas de diversos povos indígenas, o xintoísmo e outras, surgiram e se desenvolveram pelo mundo, algumas desenvolvendo suas próprias teorias e práticas peculiares. De acordo com Eliade (Tratado de história das religiões, 1993, p. 7), “Todas as definições do fenômeno religioso mostram uma característica comum: à sua maneira, cada uma delas opõe o sagrado e a vida religiosa ao profano e à vida secular”.

sagrado e o profano são, portanto, espaços concernentes ao fenômeno religioso. Outra passagem fundamental é a da mitologia para a filosofia. Os primeiros filósofos fizeram grandes rupturas com o passado:

1. Tentaram entender o mundo com o uso da razão, sem recorrer à religião, à revelação ou tradição, saindo do sagrado e da vida consagrada aos deuses.

2. Ao mesmo tempo, eles ensinavam às outras pessoas a também usarem a própria razão e a pensarem por si mesmas. Dessa forma, os primeiros filósofos não esperavam que os próprios discípulos necessariamente concordassem nem mesmo com seus mestres.

Essas duas rupturas revolucionárias marcam o início do que hoje se denomina pensamento racional. Tinha início o longo caminho da construção do pensamento humano — mais livre e aberto, em busca do conhecimento, talvez da sabedoria. Filosofia é uma palavra que provém de sua origem grega e se refere ao pensamento elaborado de maneira racional e fundamentado em premissas estruturadas em modelos teóricos baseados na observação e reflexão da realidade.”

E o que é filosofia?

Filosofia é uma palavra grega que significa “amor à shophia”, termo que pode ser entendido ao mesmo tempo por sabedoria e por ciência. Pitágoras de Samos, filho de Mnesarco, foi o primeiro a usar o termo filosofia. E o que é sabedoria? É o máximo de felicidade no máximo de lucidez. Algo que ajuda a dar sentido à vida.

Dicionário Oxford de filosofia (1997) é preciso: a palavra filosofia vem do grego, “amor ao conhecimento ou à sabedoria”. Trata-se do estudo das características mais gerais e abstratas do mundo e das categorias com que pensamos: mente; matéria, razão, demonstração, verdade etc. Em filosofia, são os próprios conceitos através dos quais compreendemos o mundo que se tornam tópico de investigação.

Leia esta descrição do início da filosofia:

Como a filosofia nasceu? Se a filosofia se define como um empreendimento racional, ainda é necessário dizer contra o que a razão nascente se manifestou. Como dizem Platão e Aristóteles, a filosofia é filha de Taumas: Admiração e inquietação são os sentimentos primeiros ante a grandeza do mundo, a beleza do Céu, as forças dos elementos e a brevidade da vida. Mas Taumas tem uma filha, Iris, a mensageira dos deuses, portadora de uma echarpe com as sete cores do arco-íris, que os estoicos sabem simbolizar as sete vogais, os sons do alfabeto grego. Assim, passa-se da luz à palavra, como dirá Filon de Alexandria. A palavra, logos, é a razão que articula em um discurso coerente a primeira admiração quase religiosa, para formulá-la em termos de interrogação profana. Assim nascem os tipos racionais de questionamento, quando o entendimento transforma em interrogação filosófica e já científica a emoção que se apodera do homem grego diante do espetáculo mundo. (Dumont, Elementos de história da filosofia antiga, 2004, p. 25-26)

O início da filosofia se fez pela observação da natureza (com os pré-socráticos e os sofistas, por exemplo), mas a filosofia se desenvolveu plenamente quando se voltou para o ser humano. Sócrates (que não deixou nada escrito) e seu discípulo, Platão, analisaram o Homem. Antigamente, escrevia-se assim homem com H maiúsculo. Hoje, o mais correto é o termo ser humano, pois a Mulher com M maiúsculo) faz parte da raça humana e conquistou um lugar de igualdade nas sociedades contemporâneas bem desenvolvidas e bem resolvidas.

Como animal, o ser humano é único, insubstituível, superior a tudo o que se pode conhecer, como uma obra-prima da natureza, um formidável êxito do acaso, da vida, da evolução, decerto, mas também da história, da cultura. Em outras palavras, de si mesmo. Essa é a sua grandeza. Mas ele não é imortal ou onipotente, não criou o mundo nem a si mesmo, não conhece nem o princípio nem o fim das coisas está longe de ser infinitamente bom. Mesmo no mais alto trono do mundo, dizia Montaigne, estamos sentados sobre nossas nádegas.

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O que é o homem? É o único animal a saber que não é Deus. (Comte-Sponville; Ferry, A sabedoria dos modernos, 1999, p. 144-145)

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Entre seus limites e mortalidade, o homem busca algo mais — sabedoria, desejo antigo no imaginário humano. O bem mais precioso daqueles que se pensam sábios. Como nessa história que nos conta Carriére (2004, p, 139):

Um pescador encontra uma garrafa na água e ao abri-la encontra um gênio lhe fala:

— Formule três desejos e eu os realizarei. Qual é o seu primeiro desejo?

Eis o desejo — disse o pescador. — Gostaria que me tornasse inteligente o bastante para que faça uma escolha perfeita para os dois desejos restantes.

— Concedido — disse o gênio. — E agora, quais são seus outros desejos?

O pescador refletiu por um instante e respondeu.

— Obrigado, não tenho outros desejos.

A religião, o mito, a ciência e a filosofia não vivem de forma compartimentada e completamente isolada entre si. O conhecimento humano é vasto e deuses, leis da física, política, desejos e vontades se mesclam ao longo da história. E a filosofia avança na tentativa de organização e classificação do mundo.”

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“O homem é mais do que mortal. É impotente na grande extensão de sua existência. É limitado, finito. Ser finito é projetar-se em apenas uma possibilidade de ser, excluindo todas as outras possíveis. Se trabalhamos em Florianópolis, não moramos em todas as outras cidades do Brasil e do mundo. Se vivemos no Brasil, excluímos os outros países. Se somos enfermeiros ou comissários de bordo, não somos cozinheiros profissionais ou salva-vidas. O ato mesmo da liberdade é a criação da finitude. Se fazemos a nós mesmos, fazemo-nos finitos e, por esse fato, as nossas vidas serão únicas. Portanto, as escolhas para nossas vidas precisam ser bem pensadas, ponderadas e assumidas com coragem. Podemos escolher entre n possibilidades, mas ainda assim escolhemos. A não escolha já é uma escolha por inércia, por covardia ou impotência. Poderíamos ser filósofos ou médicos, vivermos em muitas cidades, casarmo-nos com inúmeras pessoas. Mas temos uma atividade profissional (podemos ter duas ou mais, mas as exercemos uma de cada vez), moramos em uma cidade, vivemos com uma pessoa com a qual nos relacionamos. Podemos mudar de opções quantas vezes quisermos ou pudermos, mas só poderemos operar uma mudança de cada vez.

Mas o homem, justamente por estar “condenado a ser livre”, leva sobre si o peso do mundo, a responsabilidade por si mesmo e pelos outros. Não é porque a vida é absurda, para Sartre, que o niilismo (teoria em que se promove o estado em que não se acredita em nada, ou de não se ter comprometimentos ou objetivos) é aceitável. Não existe uma irresponsabilidade absoluta, pois, se somos livres, temos que garantir as condições plenas de liberdade também para o outro. Aí entra a responsabilidade social e a ação. Só resta a ação e a liberdade. A necessidade de fazermos algo, mesmo com os limites, mesmo com a interferência controlável dos outros. Mas a vida de cada um deve ser gerida livremente. Esse é um dos temas mais preciosos para Sartre: a liberdade humana, tão discutida e embasada no seu livro teórico O ser e o nada e em vários romances e peças de teatro escritas pelo filósofo, Sartre foi um filósofo que trabalhou sua teoria através de textos filosóficos “puros” e através da arte, ou seja, da literatura e do teatro.

Quando comentamos a nossa vida profissional ou as opções para nossa vida em geral, precisamos levar em consideração esses conceitos. Somos livres e responsáveis por essa liberdade. Essa é uma preposição muitas vezes usada para tolher nossas opções: liberdade com responsabilidade significa “liberdade individual e responsabilidade individual e social”. Isso significa que quem deve fazer a opção somos nós. Cada vez que não escolhemos livremente e colocamos a culpa nos outros, caímos na má-fé, ou seja, mentimos para nós mesmos. Má-fé é a condição de vida qual afastamos nosso olhar dos fatos, opções ou escolhas que, de algum modo, sabemos estar presentes. Exemplos de má-fé:

– Não cursei moda porque meus pais queriam que eu fosse contador, como eles.

– Não fui trabalhar na Califórnia porque minha avó materna estava doente e não sabia quanto tempo ela viveria.

– Tive que aceitar as condições de trabalho desgastantes porque devia favores ao meu chefe.

– Acabei casando porque não tive coragem de falar, na última hora, que não queria mais ficar com aquela pessoa, tão meiga e inocente, mas que me consome a paciência.

– Ela (ele) sempre acaba me obrigando a fazer o que não quero porque tem um poder de persuasão imenso.

– Acabei não indo ao cinema e fui com eles no teatro (assistir a uma peça que eu detesto) para não provocar um mal-estar no meu grupo de amigos.

– Eu não concordo com nada do que vocês dizem, mas vou me calar para não ser o único “do contra”.

Claro que o processo de escolha não é tão fácil e causa angústia. A consciência de alguém ter o seu próprio futuro permeado pelo medo de não sê-lo; ou seja, no nada, causa uma angústia profunda. O exemplo que Sartre nos dá é o de uma pessoa que sobe um caminho estreito, sem parapeito, ao longo de uma trilha montanhosa. A possibilidade de ela se precipitar no abismo que se abre ao lado de seus pés é inerente ao fato de ela existir. Aqui temos o medo e a angústia. O defrontar-se perante a aniquilação do ser. A morte.

Há dois tipos de angústia: uma perante o passado e outra perante o futuro. Ambos (passado e futuro) são permeados por uma liberdade estonteante em relação ao que poderia ter sido feito de forma diferente no passado que já se foi — e, portanto, está “fechado”, determinado — e a possibilidade de se fazer qualquer coisa no futuro que está por vir. A consciência específica dessa liberdade humana é a angústia. A angústia é a captação, através da reflexão, da liberdade que existe por ela mesma. Podemos até fugir para ignorar essa condenação de que a filosofia de Sartre nos faz ao vivermos a liberdade, mas não podemos ignorar que estamos fugindo. Não há possibilidades de escaparmos com subterfúgios dessa opção, que, por sua vez, remete-nos uma abertura de possibilidades de vida futura.

Podemos nesse momento perceber como a consciência da morte, do nada, gera angústia e nos leva à liberdade. Mas sem medo ou má-fé. Para vivermos a liberdade, precisamos coragem de sermos livres, precisamos dominar o medo e a angústia. Esses tópicos são fundamentais em filosofia da educação, pois o ensino deve levar as pessoas à livre escolha, de preferência uma boa escolha.”

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“Um dos ditados gregos merece ser citado e será retomado mais adiante: “Quando os deuses querem destruir alguém, primeiro o enchem de hybris”. Uma tradução livre seria: quando os deuses querem destruir alguém, primeiro o enlouquecem. Hybris é a desmesura, a loucura. Desmesura do quê? Das medidas humanas, ou seja, hybris representa a atitude de um indivíduo de pensar que está acima dos limites humanos, que imagina possuir algum poder divino. Quando os deuses querem destruir alguém, primeiro o fazem pensar que é um deus. A educação pretende, também, inserir o ser humano no contexto humano. Nem mais, nem menos. Igual aos seus semelhantes.”

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“Pessoas diversas em épocas e lugares diferentes passaram por distintas experiências educacionais. Desde a Antiguidade, o processo civilizatório dependeu da cultura e da educação que as pessoas desenvolveram e transmitiram às novas gerações. Entender que vários desses povos, através da história, deram importância ao processo educacional e puderam desenvolver-se plenamente significa entender que a educação é uma contraposição à barbárie, à disseminação da violência, da intolerância e do preconceito. Civilizar significa desenvolver a capacidade de o ser humano viver em grupos, de forma sedentária, em centros urbanos complexos e organizados. A educação é a base de uma civilização desenvolvida de modo a incluir seus mais diversos grupos de maneira harmônica e integrada.

Refletir sobre o nosso processo educacional pessoal ajuda a entender o processo educacional mais amplo de nossa sociedade ao longo da história.”

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“De acordo com Georges Duby (O Tempo das Catedrais, 1979, p. 13-14), o Ocidente do ano 1000 é

rústico, aparece, diante de Bizâncio, diante de Córdoba (dominação islâmica na Espanha), pobríssimo e desamparado. Um mundo selvagem. Um mundo cercado pela fome. Tão dispersa, ainda assim a população é demasiado numerosa. Luta com as mãos quase nuas contra uma natureza indócil cujas leis a sujeitam, contra uma terra infecunda porque mal dominada. Nenhum camponês, quando semeia um grão de trigo, conta colher muito mais de três grãos, se o ano não for mau demais – o suficiente para comer pão até à Páscoa. Depois terá de contentar-se com ervas, com raízes, alimentos de ocasião arrancados à floresta e às margens dos rios. Às vezes, as carências habituais dão lugar às penúrias mortais. Todos os cronistas desse tempo as descreveram e não sem complacência: As gentes perseguiam-se umas às outras para se devorarem, e muitos degolavam os seus semelhantes para se alimentarem de carne humana, à maneira dos lobos.”

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“O rei do século XI era um homem que conhecia as artes da guerra, que manejava uma espada com destreza, mas que também lia livros. Os reis ocidentais não eram mais como os antepassados bárbaros, iletrados. Assim como os imperadores de Roma tinham imagem de fonte de saber e manancial de sabedoria, os reis medievais precisavam conhecer os livros sagrados e, para isso, tinham de saber ler. Os padres cristãos sabiam manejar livros, pois a palavra de seu Deus se encontrava impressa nos textos. O rei, sendo sagrado, devia conhecer as letras e destinar um de seus filhos a ser educado para ser bispo, para auxiliá-lo na magistratura.

Carlos Magno foi um desses reis um pouco mais letrados, e os soberanos do ano 1000

Fizeram questão de que os mosteiros e as igrejas catedrais fossem bem providos de livros e mestres. Desejaram estabelecer no seu palácio o melhor dos centros escolares. Entre os filhos da aristocracia que passavam na corte a juventude, importava que aqueles que não usariam as armas e que estabelecidos nas dignidades da igreja encontrassem junto ao rei o alimento intelectual que lhes era indispensável. A escola estava, por consequência, estreitamente ligada à realeza do século XI. Finalmente, por duas razões, porque o monarca se considerava como sucessor dos Césares, e mais ainda porque Deus, na escritura traduzida por São Jerônimo, se exprime na linguagem de Augusto, a cultura que as escolas difundiam não era a atual nem a indígena (local). Transmitia uma herança a que gerações reverentes tinhas ciosamente salvaguardado na noite e nas ruínas da Alta Idade Média, a de uma idade de ouro, a do Império latino. Era clássica e mantinha a recordação de Roma.

Quantos homens puderam aproveitar essa instrução? Em cada geração, algumas centenas, alguns milhares talvez — e ao nível superior nunca acederam mais que algumas dezenas de privilegiados, dispersos por toda a Europa, separados por enormes distâncias, mas que, no entanto, se conheciam, correspondiam entre si, trocavam manuscritos. A escola eram eles próprios, os poucos livros tinham copiado por sua mão ou que haviam recebido de seus amigos e, em redor deles, um pequeno grupo de auditores, de homens de todas as idades que tinham atravessado o mundo e desafiado os piores perigos para passar algum tempo junto desses mestres e ouvi-los ler. Todos pertenciam à Igreja, (Duby, 1979, p. 29-30).”

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“Para Paulo Freire, vivemos em uma sociedade dividida em classes, sendo que os privilégios de uns impedem que a maioria usufrua dos bens produzidos, inclusive a educação. Refere-se então a dois tipos de pedagogia: a pedagogia dos dominantes, onde a educação existe como prática da dominação, e a pedagogia do oprimido, que precisa ser realizada, na qual a educação surgiria como prática da liberdade. O movimento para a liberdade deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será “aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade”. Vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se disponha a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização. A pedagogia do dominante é fundamentada em uma concepção bancária de educação (predomina o discurso e a prática, na qual quem é o sujeito da educação é o educador, sendo os educandos comparados a vasilhas a serem enchidas; o educador deposita “comunicados” que estes recebem, memorizam e repetem), da qual deriva uma prática totalmente verbalista. Dessa maneira, o educando, em sua passividade, torna-se um objeto para receber paternalisticamente a doação do saber do educador; sujeito único de todo o processo. Esse tipo de educação pressupõe um mundo harmonioso, no qual não há contradições, daí a conservação da ingenuidade do oprimido, que, como tal, se acostuma e acomoda no mundo conhecido (o mundo da opressão) e eis aí, a educação exercida como uma prática da dominação.”

Fonte: Centro de Referência Educacional, 2008

Jornal GGN

https://jornalggn.com.br/nao-ficcao/lista-de-livros-pensamento-filosofico-um-enfoque-educacional-de-luiz-gonzaga-godoi-trigo/

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Multa adicional de 10% do FGTS será extinta a partir de hoje

Não haverá mudança nos 40% recebidos por empregados demitidos

A partir do dia (1º), os empregadores deixarão de pagar a multa adicional de 10% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em demissões sem justa causa. A taxa foi extinta pela lei que instituiu o saque-aniversário e aumentou o saque imediato do FGTS, sancionada no último dia 12 pelo presidente Jair Bolsonaro.

A multa extra aumentava, de 40% para 50% sobre o valor depositado no FGTS do trabalhador, a indenização paga pelas empresas nas dispensas sem justa causa. O complemento, no entanto, não ia para o empregado. Os 10% adicionais iam para a conta única do Tesouro Nacional, de onde era repassado ao FGTS, gerido por representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo.

Criada em junho de 2001 para cobrir os rombos no FGTS deixados pelos Planos Verão (1989) e Collor 1 (1990), a multa adicional de 10% deveria ter sido extinta em junho de 2012, quando a última parcela dos débitos gerados pelos planos econômicos foi quitada. No entanto, a extinção dependia da edição de uma medida provisória e da aprovação do Congresso Nacional.

Em novembro, o governo incluiu o fim da multa na Medida Provisória 905, que criou o Programa Verde e Amarelo de emprego para estimular a contratação de jovens. O Congresso, no entanto, inseriu a extinção da multa complementar na Medida Provisória 889, que instituiu as novas modalidades de saque do FGTS.

Teto de gastos
O fim da multa adicional abrirá uma folga no teto federal de gastos. Isso porque, ao sair da conta única do Tesouro para o FGTS, o dinheiro era computado como despesa primária, entrando no limite de gastos.

Inicialmente, o Ministério da Economia havia informado que a extinção da multa de 10% liberaria R$ 6,1 bilhões para o teto em 2020. No entanto, o impacto final da medida ficou em R$ 5,6 bilhões.

O Orçamento Geral da União deste ano terá uma folga de R$ 6,969 bilhões no teto de gastos. Além do fim da multa extra do FGTS, a revisão para baixo na projeções de gastos com o funcionalismo federal contribuiu para liberar espaço fiscal.

Agência Brasil

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Escolas civis, gestão militar

Da ilegalidade da militarização à desconfiguração das escolas públicas no Brasil

A expansão da militarização das escolas públicas no Brasil cresce a passos largos, não só na quantidade de escolas militarizadas, mas também nos formatos de implementação do modelo. Nesse texto, vamos falar sobre o que é a militarização das escolas; como esses processos são diferentes para os casos distrital, estadual e municipal; o que diz a lei e em quais pontos a militarização a desafia; e como a educação sofre a negação de uma série de princípios a partir de sua entrega para a gestão militar.

Mas o que é a militarização das escolas? É o processo de repasse da gestão administrativa e disciplinar das escolas civis públicas, vinculadas às secretarias distrital, estaduais e municipais de educação para militares das Polícias Militares, Corpos de Bombeiros, Exército e demais forças. As formas de militarização são diversas e se dão de acordo o modelo estabelecido entre as secretarias de educação e de segurança das unidades federadas. 

No caso dos sistemas distrital e estaduais de educação, o processo tem se dado por meio de convênio entre as secretarias de educação e de segurança, que usam parte do seu efetivo, seja da ativa ou inativos, que passam a atuar na gestão das instituições escolares militarizadas. Nesses casos, o número de militares designados para atuar nas escolas pode variar de estado para estado, mas sempre conta com um efetivo maior, que atua nas gestões administrativa, disciplinar e em alguns casos pedagógica, além de darem aulas em disciplinas que são acrescidas ao currículo, como Civismo, Moral e Cívica e Ordem Unida. 

No caso da militarização das escolas municipais, via de regra, os prefeitos fazem convênio, acordos ou parcerias com os comandos das polícias militares, que passam a assessorar as escolas para a aplicação da “Metodologia dos Colégios da Polícia Militar” ou fazer processo de gestão compartilhada nas escolas municipais. Como os municípios não possuem polícias, o número de militares atuando nas escolas costuma ser menor, mas no acordo os comandos definem o número mínimo a ser contratado de comandantes e monitores, que serão responsáveis pela implantação e implementação do modelo. 

Mas, em que medida, policiais militares podem atuar como gestores e professores das instituições de ensino, no Brasil? Qual é a base legal que permite a militarização das escolas civis públicas no país? Uma escola gerida com base nos princípios militares pode garantir o direito à educação, na perspectiva do desenvolvimento integral da pessoa, da formação para cidadania e para o mundo do trabalho? 

Sem a pretensão, de nessas linhas, esgotar estas questões, vamos focar no que a lei brasileira define sobre alguns dos princípios que devem reger a educação, quem são os profissionais da área, as funções do magistério e quem pode atuar nesse campo. 

Cabe lembrar, no entanto, que as escolas militares, assim como as militarizadas, não figuram na legislação educacional brasileira. O artigo 83 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB ( Lei 9.394 de 1996) – uma das principais legislações para a nossa educação – define que “o ensino militar é regulado em lei específica, admitida a equivalência de estudos, de acordo com as normas fixadas pelos sistemas de ensino”, e o caso da militarização das escolas de educação básica não se trata do ensino nas instituições militares e sim em escolas civis públicas.

A atual LDB define a educação de forma ampla e reforçando o disposto na Constituição Federal de 1988, afirma ser a educação direito de todos e dever do Estado. De acordo com seu art. 1º “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.

A educação escolar é compreendida como aquela que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias e é disciplinada pelo arcabouço legal do país, especialmente pela citada LDB, Constituição Federal de 1988 e legislações correlatas. 

Para que o direito à educação, especialmente aquela da escola, seja garantido, a lei define que esta precisa ser desenvolvida por profissionais habilitados, ou seja, os profissionais da educação, que serão os responsáveis pela organização e funcionamento da escola e, sobretudo, pela formação acadêmica dos estudantes. Isso está disposto no artigo 61 da LDB. 

Para ser docente na educação básica, o art. 62 determina que é necessário ter formação em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitindo-se o magistério, na modalidade normal, para os que atuarão na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental. 

Além de definir quem são os profissionais e a formação que precisam ter, a LDB define também, no art. 67, as condições para que esses profissionais exerçam outras funções no campo do magistério: “a experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino” e “são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico”.          

Mas a lei não está aí só para deixar as coisas claras e nos seus lugares, algumas vêm para confundir. Em 2019 o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 101/2019, que estendeu aos militares o direito à acumulação de cargos públicos prevista no art. 37, inciso XVI, da Constituição. O citado inciso, proibia a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto “a) a de dois cargos de professor b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico ou c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas”

Essa alteração tem sido utilizada para justificar a legalidade de militares da reserva, aposentados ou da ativa atuarem na gestão administrativa, disciplinar e administrativa-pedagógica das escolas públicas civis brasileiras. 

A alteração na Constituição de 1988 não muda tudo que discutimos antes, que está previsto na LDB, no que se refere às exigências de formação ou exercício das funções na educação para os profissionais da educação. Isso significa que a emenda permite apenas que os militares das PMs e dos Bombeiros acumulem seus cargos com um outro da área de saúde ou educação, mas não os isentam de ter formação específica para isso. 

Para além das questões da legislação, do que pode e do que não pode, e tratando das questões pedagógicas, é ocioso lembrar que ao militarizar uma escola pública os governos desfiguram a instituição escolar, destituindo-a da sua forma de organização. Fazem isso quando nas escolas militarizadas são negados os princípios de: 

1. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, considerando que na escola militarizada permanecem apenas os que se adaptam ao novo modelo (ou ame ou deixe) e os demais são transferidos, quando não se pratica o lema do pede pra sair, prática aplicada à alunos e professores;

2. Liberdade de aprender, ensinar, quando os estudantes são submetidos não só às normas rígidas e hierárquicas, mas também obrigados a seguir não preceitos humanos universais e sim do militarismo;

3. Gestão democrática do ensino público, quando substitui as relações horizontais pela hierarquia e obediência, próprias do meio militar;

4. A gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, quando se institui o caixa escolar e se passa a cobrar taxas de matrículas, “contribuições voluntárias” mensais e uniformes (nada baratos!) para diferentes ocasiões e;

5. Consideração com a diversidade étnico-racial, quando impõem a uniformização de vestimentas, cortes de cabelo, comportamentos e imposição da cultura militar, provocando a homogeneização e negação dos sujeitos. 

A criação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares- Pecim, pelo governo federal, que deveria questionar a legalidade do processo de militarização das escolas públicas em curso no país, fez com este ganhasse outra dimensão ao criar uma política que induz os sistemas a militarizarem suas escolas. O resultado dessa ação desastrosa do governo Bolsonaro foi o aumento do número de escolas militarizadas no ano de 2019 e previsão de expansão do modelo nos próximos anos. 

Quando candidato, Jair Bolsonaro prometeu que em dois anos implantaria um colégio militar em todas as capitais de Estado, nos moldes dos colégios do Exército, que é bem diferente de uma escola cívico-militar. O que Bolsonaro e Weintraub querem é desconstruir as bases primordiais da escola pública com essa proposta de militarização, que é apoiada por alguns governos estaduais e municipais – esses sob a falsa esperança de melhoria da qualidade da educação. Assim, fica o convite para continuarmos o debate sobre o tema e lutar pela defesa de uma escola que seja diversa e garanta o direito à educação de todos e todas, como inscrito na Constituição Federal de 1988.

Catarina de Almeida Santos

É professora adjunta da Faculdade de Educação da UnB, coordenadora do Comitê DF da Campanha Nacional pelo Direito a Educação e pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação da FE/Unicamp.

Da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (https://campanha.org.br/analises/catarina-de-almeida-santos/escolas-civis-gestao-militar/)

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RETROSPECTIVA 2019: As lutas dos Professores das Instituições de Ensino Superior

Em 2019 uma difícil batalha foi travada pelo Sindicato dos Professores do Estado de Goiás. A luta pela qualidade do ensino que é oferecido nas instituições de ensino superior esteve sob ataque. Uma das questões que foram observadas pela diretoria do Sinpro Goiás foi a desvalorização profissional e a tentativa de muitos mantenedores de instituições de implantar cursos em EAD, que anteriormente sempre foram concebidos de forma presencial.

No ensino superior, a oferta de cursos de graduação e pós-graduação nesta modalidade já é regulamentada desde 1996, pela Lei de Diretrizes e Bases. No ano passado, no entanto, a assinatura do decreto 9.054/17 permitiu que instituições já credenciadas expandissem o número de polos, sem autorização prévia do Ministério da Educação. Um novo cenário se desenvolveu desde então. Antes do decreto, até 2016, havia cerca de 4.000 polos que oferecem cursos EaD; hoje, passam de 15 mil. Os cursos, no entanto, ainda apresentam indicadores de qualidade piores em relação aos presenciais.

Semesg e o impasse em 2019

As tratativas com o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Educação Superior
do Estado de Goiás também foi bastante delicada em 2019. Durante todo o ano o Sinpro Goiás procurou
acordar o reajuste salarial e a Convenção Coletiva.

Foram realizadas assembleias e audiências de conciliação no Ministério Público do Trabalho para buscar
solução para os impasses, mas _diante das propostas dos patrões que configuram claro retrocesso nos direitos dos professores/as das Instituições Superiores de Ensino para buscar solução para os impasses,
não foi possível concluir a negociação. Para 2020, o Sinpro Goiás já encaminhou ofício inicial para o acordo.

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RETROSPECTIVA 2019: Empossada nova Diretoria Colegiada do Conselho Estadual de Educação

A nova Direção Colegiada do Conselho Estadual de Educação de Goiás (CEE/GO) tomou posse na quinta-feira (12/12) para a gestão 2019/2021.

O novo presidente do Conselho é Flávio Roberto de Castro, substituindo no cargo o professor Marcos Elias Moreira, que passa a exercer as funções de vice-presidente. Durante a cerimônia de posse, realizada na sede do CEE, em Goiânia, também assumiram os cargos os presidentes e vices das quatro câmaras que compõem a entidade – a Câmara de Educação Básica, a de Legislação e Normas, a Câmara de Educação Profissional e a Câmara de Educação Superior.

O Professor Railton Nascimento, atento às demandas da categoria por sua atuação como presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Goiás assumiu a Câmara de Educação Básica.

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RETROSPECTIVA 2019: XIII Jornada de Formação de Professores Continuada reúne centenas de professores de instituições de ensino particulares para discutir educação

O Sindicato dos Professores do Estado de Goiás, em parceria com o Conselho Municipal de Educação, realizou nos dias 8 e 9 de novembro, a 13ª Jornada de Formação para os Professores e Professoras das instituições de ensino privado do município de Goiânia.

Participaram do evento 466 profissionais da educação que atuam na rede particular de ensino. A programação teve como tema central a “Educação Infantil: identidade e desafios”, que abordou temáticas contemporâneas de relevância para os profissionais da educação no que diz respeito à teoria e aos aspectos metodológicos, quanto no que diz respeito à promoção dos espaços de discussão sobre as práticas educativas das instituições privadas de ensino que atendem a Educação Infantil.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi um dos destaques das discussões do evento e contou com nomes como Alessandra Jàcome de Araújo,  que é Coordenadora de Etapa da Educação Infantil da Comissão de Currículo do Estado de Goiás e Cíntia Camila, da Secretaria Municipal de Educação e articuladora de Gestão do ProBNCC Goiás.

Na abertura do evento, o Professor Railton Nascimento, presidente do Sinpro Goiás, conclamou a categoria para se filiarem ao sindicato e estarem mais próximas da entidade no que diz respeito às ações de manutenção dos direitos da categoria.

“A nossa base, que é composta majoritariamente por mulheres, está exposta à inúmeros tipos de violações dentro das salas de aula e a reforma trabalhista veio para deixá-la com cada dia menos suporte legal para sua defesa. Estas atividades precisam ir para além das atividades formativas, mas precisam discutir o assédio moral e sexual dentro das salas de aulas e instituições de ensino, a valorização da categoria e condições dignas de trabalho. O Sindicato dos Professores do Estado de Goiás continua atuante na defesa da categoria e sua filiação é um elemento poderoso para esta luta”, frisou Railton em sua fala.