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Alunas do Colégio Dinâmico escrevem carta sobre machismo e preconceito na escola

 

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Mariana Arantes (à esquerda) e Thaís Pavan (à direita)

 

Cansadas das afirmações machistas, homofóbicas, racistas e envolvidas em preconceito praticada por muitos colegas, com apoio até de alguns professores, as alunas do Colégio Dinâmico, Thaís Pavan, 17 e Mariana Arantes, 18 decidiram escrever uma carta em que argumentam sobre a importância de combater atitudes preconceituosas em ambiente escolar.

A carta foi publicada nas redes sociais das estudantes e numa página da internet criada pelas duas, chamada de A luta é nossa. De início houve cerca de 500 acessos, fora a repercussão nas redes sociais. Só no Facebook, cerca de 600 pessoas comentaram e compartilharam a publicação. “Somos bombardeadas todos os dias por comentários preconceituosos, machistas. Isso é manifestado até na escola, muitos professores passam aos alunos essa intolerância”, afirma Thais.

 A carta começou a ser escrita em outubro, antes da aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio, que trouxe questões sobre feminismo e violência contra a mulher — também abordadas pelas alunas no texto. “O objetivo foi abrir os olhos de todos os professores, que as vezes têm uma visão muito fechada de alguns assuntos e influenciam alunos muito novos, que ainda não sabem nem alguns conceitos”, destaca Mariana.

Confira a íntegra da carta:

Carta aberta a professores e alunos
Prezados professores e colegas alunos,


Com esta carta, nosso objetivo não é levar a público nossos descontentamentos a respeito da escola e tampouco transformá-los em grandes confusões. Não queremos causar problemas a nenhum de nossos professores ou trazer a impressão de que a escola não faz um trabalho digno. O que trataremos aqui não é específico de uma única instituição educacional: são frutos de nossa cultura que, apesar de miscigenada, permanece intolerante, preconceituosa e violenta. Estes frutos refletem em todas as escolas, como em todas as famílias e mentes individuais. Nosso apelo é que mudemos primeiramente as instituições de ensino, para que elas se tornem ambientes inclusórios e seguros a todos os alunos. Queremos aqui expor o outro lado das piadas, ensinamentos e comentários intolerantes: o lado do oprimido.


Tais piadas e comentários machistas, racistas, homofóbicos ou de quaisquer outros tipos de intolerância são perpetuados porque quem os cria não espera outra reação que não seja o riso. Reclamar os direitos de igualdade e respeito após o humor intolerante comumente tem por resposta que “hoje em dia não se pode fazer piada com mais nada sem ser tachado de preconceituoso”. Não. Não aceitaremos as piadas, ensinamentos preconceituosos e a opressão diária. Porque eles são feitos esperando-se que não reajamos e que nos calemos. E nós não pretendemos nos calar.


Hoje a opressão não é explícita, mas mascarada com o humor e uma falsa tolerância. Esse é, contudo, o tipo mais difícil de preconceito a ser combatido porque o opressor não admite sua intolerância e o oprimido permanece sendo atacado. É também a forma mais fácil de ensinar o ódio, e os professores não perdem a oportunidade de fazê-lo. Certos professores se esqueceram de seus papéis como educadores e formadores de opinião. Agem apenas como comediantes de stand-up que fazem de nós a comédia e transformam a opressão em motivo de riso (riso este que parte somente de quem oprime). Seu público alvo, de 14 a 19 anos, absorve tudo o que lhe é ensinado. Se nossos educadores nos ensinarem o ódio, é o ódio que nós aprenderemos. Os ensinamentos dados em aula não serão esquecidos após o ENEM. Viveremos e reproduziremos tudo o que aprendermos durante a maior fase de desenvolvimento de nossas vidas, e a escola é a principal formadora de opinião e caráter em tal período.


A realidade escolar espanta muitos de nós. Professores entram em sala e dizem que prefeririam ter filhos criminosos a filhos gays; outros dizem que “beijo gay na novela influencia as crianças” (beijos heterossexuais nunca influenciaram os gays. Mesmo assim, caso houvesse influência, qual o problema em ser, de fato, gay?); outros segregam as meninas, criam situações hipotéticas em que elas são submissas ou possuem empregos inferiores (ex.: “meninos, quando vocês tiverem dinheiro… Meninas, quando vocês souberem cozinhar arroz…”).


Alunos fazem piada com a cor de seus professores; chamam as professoras por nomes sexualizados e pejorativos; alunos e até alguns professores reduzem pessoas à cor ou à religião. Ao falarem de um negro, ignoram o humano e veem apenas etnia; quando, em sala, nos citam religiões não-cristãs, o fazem com extremo preconceito e pouco conhecimento (ridicularizam o hinduísmo, ensinam o preconceito ao islã como “religião terrorista” etc). Essa realidade é a intolerância posta em prática em sala de aula e causa dois prováveis efeitos nos alunos: ofensa ou aprendizado.


A maior parte dos professores de ensino médio no Brasil é pouco ou nada informada acerca das lutas e particularidades de cada tipo de oprimido. O pouco conhecimento, por exemplo, das diferenças entre sexo, gênero, identidade sexual e papéis de gênero acaba por atingir muitos alunos. É essa a ignorância que os faz chamar a presidente de “Dilmão” e que dá origem a piadas de professores e alunos que questionam a masculinidade de um indivíduo específico e o chamam de “gay” ou “veado” de forma pejorativa e ofensiva. Homens gays não são “menos homens” que homens heterossexuais e não há nada de errado e ofensivo em ser gay (do mesmo modo, mulheres não são necessariamente lésbicas por terem cabelo curto, e mulheres lésbicas ou de aparência masculinizada não querem por obrigação se tornar ou parecer homens). No entanto, com esse preconceito perpetuado, muitos alunos se sentem cada vez mais expostos e inseguros, em especial aqueles que ainda não se aceitam como são.


Além disso, a escola perpetua a cultura do estupro. Ensina a submissão às mulheres e a violência aos homens. Em pleno século XXI, numa realidade em que somente um a cada mil casos de estupro são delatados, é papel da escola ensinar o respeito ao corpo e à liberdade humana, a igualdade de gênero, o consenso sexual; ensinar que a mulher não deve seu corpo ao homem e que o homem não precisa autoafirmar sua masculinidade constantemente através do sexo; ensinar que, mesmo com desejos sexuais, toda criatura humana deve respeitar a liberdade do outro e guardar suas vontades caso elas quebrem com o consenso da(o) parceira(o).


Cabe à educação ensinar sobre a luta travada diariamente por todas as classes oprimidas: a luta do negro e o preconceito ainda tão presente; o feminismo e a luta da mulher, ainda desrespeitada, insegura nas ruas e nas escolas, ensinada a se submeter, contentando-se com salários e cargos inferiores; a luta do portador de necessidades especiais, ainda desrespeitado e violentado verbalmente; a luta do religioso, ateu, agnóstico ou espiritualista, cujas diferenças ainda são fruto de desrespeito, violência, guerra e preconceito; a luta dos magros demais, gordos demais, ou que fujam de quaisquer padrões de beleza e sejam constantemente segregados por colegas e professores.


Incomoda-nos que a grade curricular e o ENEM cobrem de nós ensinamentos sobre os Direitos Humanos e que, ainda assim, alguns de nossos educadores não os conheçam e não os botem em prática, desrespeitando, limitando e segregando diariamente tantos alunos. Por isso, pedimos que os professores (e também os colegas) tornem-se mais bem informados acerca de opressão e lutas diárias e que façam da escola um ambiente inclusório e de maior respeito para todos os “tipos” de alunos. Somos todos diferentes, mas pedimos que nos tratem como iguais. Este é um apelo de respeito e inclusão vindo de seus alunos/colegas brancos, pardos, negros, índios, heterossexuais, bissexuais, homossexuais, assexuais, cisgêneros, trans*, magros, gordos, religiosos, espiritualistas, ateus, agnósticos e, acima de tudo, humanos.


Atenciosamente,
Thais Pavan, 17, e Mariana Arantes, 18 (alunas do 3º ano e curso do colégio Dinâmico de Goiânia)

 

 

Fonte: Correio Braziliense