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Boas férias, colegas professores (as)!

RailtonProf. Railton Nascimento Souza, docente no ensino superior e médio, é especialista em ensino de filosofia pela Universidade de Brasília (UnB), diretor de formação da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil e diretor de formação do Sinpro Goiás.


Hoje é um dia feliz e triste. Feliz porque marca o início das férias de milhares de professores no país e, especialmente, em Goiás, estado que mantém uma conquista histórica: férias dos professores no mês de julho. Direito que muitos proprietários de instituições de ensino de educação básica querem abolir pelo menos parcialmente, disfarçadamente, com a justificativa da iminência da prova do tal ENEM.

Ao amanhecer, depois de poucas horas dormidas, pois fiquei até de madrugada corrigindo provas infindas, ainda precisei fazer um movimento mecânico de virar centenas de folhas de provas, já corrigidas, para poder somar uma por uma e lançar as notas na planilha (em muitas escolas devemos depois de tudo isso lançar em um sistema que se encerra em hora determinada, impossibilitando ao professor qualquer segundo de atraso, como no esquema fordista-taylorista).

Os professores da escola privada são submetidos a um esquema rotineiro de ministração de aulas e aulas e aulas, elaboração de provas e correções contínuas. Muitos colegas preferem terceirizar a correção, contratando corretores (e vejam como a terceirização conforme o que reza o projeto de Lei do Dep. Sandro Mabel, tem como único objetivo claro, a precarização das relações de trabalho, com a perda objetiva dos direitos trabalhistas que passam a se perderem em cadeias infindas de transferências de responsabilidades e de instabilidade configurada na efemeridade do contrato de trabalho que em muitos casos não chegam à 12 meses).

A LDB estadual obriga as escolas a destinarem um terço da carga horária para hora-atividade, destinadas a esse tipo de trabalho. Essa lei não é regulamentada em Goiás. As escolas não têm limites. Colocam provas todas as semanas. Algumas obrigam o professor a elaborar provas até duas vezes por semana. Além disso, são submetidos à elaboração contínua de recuperações contínuas, simulados de ENEM e VESTIBULARES, à vontade do empregador, sem limites. O professor que não recebe nada por isso, deve se submeter. Caso contrário, levantado a voz, teme por seu emprego. A cultura goiana, tradicionalista e conservadora, vê nessas escolas que adestram alunos, que os mantêm cativos num processo de assimilação, repetição e reprodução de “telespecção” passiva de aulas e aulas… e de reprodução irracional de provas, simulados, provas, recuperações, provas, segundas chamadas, simulados ENEM, simulados de recuperação, provas, novas provas, outras provas, aulas, aulas show e provas…. E o mais grave… não recebem por todo esse trabalho. Mais-valia pura. Aqueles que pagam corretores podem mensurar a mais-valia que produzem para seus patrões ou que já produziram ao longo desses anos todos. Não tenho dúvida que somam dezenas de milhares de reais.

Isso sem falar nas professoras da EDUCAÇÃO INFANTIL E DO ENSINO FUNDAMENTAL. Em geral, levam uma pilha de cadernos de alunos, planilhas, planejamentos semanais, quinzenais, mensais, bimestrais ou semestrais, sem remuneração alguma para tanto.

Digo sem remuneração porque o professor do setor privado recebe por “aula em pé”, ou seja, hora aula. Todas as demais atividades, reuniões ou provas a elaborar ou corrigir, não entram no cálculo do pagamento. O que configura, como já foi dito, a mais pura e límpida mais-valia. Tanto é verdade o que digo que muitos proprietários de escolas não se importam em criar provas, e provas em modalidades novas, por saberem que os professores se submetem e corrigem sem a ninguém reclamar. Isso sem falar no desvio de função docente, muito comum em Goiás, que obriga professoras e professores a montarem festas juninas, limparem a escola, fazerem matriculas…

Comecei minha história de professor de escolas particulares em 1997. Antes eu já tinha experiência como orador em movimentos religiosos, inclusive grandiosas experiências de falar a milhares de pessoas em grandes ginásios ou estádios pelo país a fora.

Como professor já tive muitas, muitas, muitas alegrias. Gosto muito do que faço. Gosto muito de ensinar filosofia e cidadania para a juventude.

Ao longo do meu caminho já vi todo o tipo de desrespeito ao professor. Eu mesmo fui vitimado algumas vezes. Diretores proprietários, ou coordenadores subalternos, entrando na sala de aula e repreendo o professor frente aos alunos com toda a grosseria. Vigias que lembram, pobres coitados, seguranças de boates, constrangendo e intimidando professores e alunos com olhares invasivos por janelas feitas nas portas das salas de aula. Coordenadores gritando loucamente para professores ou para alunos pelos corredores da escola. Tudo isso e muito mais já vi. Meus colegas podem relatar muito mais. Ameaças de demissão por nada. Assédio moral. Obrigar os professores a visitar portas de faculdades em dia de vestibulares. Correções gratuitas de provas de vestibulares. Aulas de reforço ou extras gratuitas. Participação em reuniões de pais ou atendimento a alunos sem recebimento nenhum por isso.

Mas hoje, dia que marca o início das minhas férias, eu que sou um dos dirigentes do SINDICATO DOS PROFESSORES DA REDE PRIVADA DO ESTADO DE GOIÁS, pude sentir na pele o que é o desrespeito ao professor.

Trabalho dia e noite para ganhar cada centavo de meu salário, destinado a pagamento de impostos, contas e mais contas. Não tenho cargo público ou empresa paralela à minha atividade docente. Vivo de minhas aulas. Em geral, trabalho em três turnos como muitos colegas. O tempo que me resta livre quando não estou em sala de aula nos três turnos é dedicado ao SINDICATO e à elaboração e correção de provas.

Pois bem, hoje acordei feliz, como geralmente acontece. Fui até as escolas que trabalho para entregar as provas corrigidas que ainda estavam em minha posse e receber as minhas férias já que não pude fazê-lo antes por estar trabalhando.

Todos sabem que o pagamento das suas férias deve ser realizado dois dias antes do gozo das mesmas, sendo o salário de julho+1/3 das férias. Mas o que encontro ao reclamar meu direito? A primeira escola diz: só pagaremos as férias no dia do pagamento de junho, no quinto dia julho. A outra: não sabemos ainda como ficará o pagamento das férias. Fiquei sabendo que o meu caso é o mesmo de centenas de colegas. O que nos resta? Denunciar ao SINDICATO, à Justiça do Trabalho, ao Ministério Público do Trabalho.

Ou seja, a realidade de precarização do trabalho é generalizada. Temos uma taxa baixa de desemprego no Brasil atualmente. Mas lhes pergunto: que emprego ou subemprego é esse e sob quais condições objetivas e legais está assentado?

Fico muito decepcionado com a realidade da educação brasileira. São poucas as escolas privadas que valorizam o professor. Quanto ao Estado e ao Município, já somos sabedores da precarização imposta pelo governador Marconi que retirou e continua retirando direitos dos professores e do caso do prefeito Paulo Garcia que amarga uma greve que com seus integrantes ocupando a Câmara Municipal, exigindo o mínimo de dignidade e de respeito aos direitos dos professores do município.

Quanta irresponsabilidade de empresários e do Estado. Essa moçada que estamos formando, parafraseando Renato Russo, é o futuro na nação… “vamos fazer nosso dever de casa, aí então vocês vão ver nossas crianças derrubando reis, fazer comédia no cinema com as suas leis”. Como consolidar o projeto de uma grande nação com essa EDUCAÇÃO MEIA BOCA?

São poucas as escolas privadas que respeitam o direito de férias do professor. Em geral, são as confessionais tradicionais. Aquelas que ainda são tipificadas como filantrópicas. As demais, em sua maioria, não respeitam a CONVENÇÃO assinada como o sindicato dos professores. Negam direitos primários: assinatura na carteira de trabalho, pagamento de descanso remunerado, pagamento de hora aula sobre 5.25 semanas, pagamento de férias e décimo terceiro.

Em fim, estamos vivendo um momento complicado da EDUCAÇÃO no país. A sombra da escravidão, da servidão e ditadura que silenciava os trabalhadores, está pairando sobre nós.

Grande parte das vagas oferecidas para a educação básica é oriunda do setor privado e a MAIOR PARTE das vagas ofertadas para o ENSINO SUPERIOR (mais de 80%) é ofertada também pela rede privada.

Sabemos que a maioria dessas instituições está focada (obcecada) em aprovações em exames (ENEM, VESTIBULARES, ENADE). Ou seja, tudo gira em torno das avaliações. Todos passam a estudar os critérios das avaliações e como treinar melhor os alunos para o sucesso em suas resoluções. Como dizia Foucault em Vigiar e Punir, a escola é um lugar de realização ininterrupta de exames.

Não encontramos escolas, por exemplo, em Goiás, com um centro olímpico ainda que pequeno. Os estudantes, quando muito, ficam ali presos nessas escolas durante um período e voltam depois para casa. Não encontram emprego como aprendizes ou oportunidades de ingressar no primeiro emprego. Muitos jovens não veem sentido de estar na escola, como já não viam na própria família.

Resultado: suportam a escola por causa das amizades, da merenda, da criatividade dos professores com seus projetos heroicos. A conta é simples, muitos serão aliciados pelo tráfico, pela criminalidade. Aí setores conservadores da sociedade civil, orquestrados pela mídia, vão clamar mais uma vez pela redução da menoridade penal sem antes garantir aos jovens direitos básicos de educação e políticas de lazer, desporto e cultura.

O que vemos, portanto, é a inserção de centenas de jovens na criminalidade.

Imaginem se a escola fosse de fato integral, se possibilitasse aos alunos a iniciação esportiva na natação, atletismo, basquete, vôlei, futebol ou artes marciais. Ou mesmo na iniciação artística e musical para aprenderem a pintar, tocar um instrumento ou atuar.

Mas não. O que vemos é a escola que confina, enfileira e fica repetindo aulas, aulas, provas, provas, simulados, simulados. Tudo isso sem estética, cidadania, sem consciência política ou filosófica.

O que podemos esperar de um país que silenciosamente assiste a tudo isso e consente?

Caso não façamos nada agora, o futuro de nosso país será sombrio.

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http://professorrailtonsouza.blogspot.com.br/

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Prof. Raílton Nascimento Souza

Secretário de Formação do Sinpro Goiás