saúde do aluno
Categorias
Geral Recomendadas

Automutilação na adolescência é indício de tristeza

O fenômeno – um transtorno mental manifestado em pequenos cortes pelo corpo – é diferente de tentativa de suicídio, mas a automutilação deve ser sempre tratada como uma demonstração de tristeza

O que fazer ao perceber que seu filho está machucando a si mesmo? “A mesma coisa que faria ao perceber que ele está chorando”. Esta é a orientação da psiquiatra do Ambulatório da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq HC – USP), Jackeline Giusti. A automutilação deve ser sempre tratada como uma demonstração de tristeza, diz.

Pequenos cortes pelo corpo e a tentativa de escondê-los dos pais são os principais sintomas da automutilação, ou cutting, que é reconhecida como um transtorno mental desde 2013, segundo a psiquiatra. No Brasil, não existem estudos epidemiológicos sobre a automutilação, mas pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que a prática está ficando mais frequente na última década.

O mais importante é reconhecê-la como um transtorno mental que precisa de atenção e cuidado, por meio de avaliação psiquiátrica. Em casa, o apoio da família é essencial. Os pais não devem dar bronca ao perceber os cortes ou tratar o ato como travessura, mas sim oferecer conforto e compreensão. A família precisa entender que é um problema e que existe tratamento.

O cutting não tem como objetivo chamar a atenção, mas é usado como um escape para aliviar a tensão. Quem o pratica não quer que os pais saibam, porque quer continuar usando esse “analgésico” para dor emocional. Segundo Jackeline, quanto mais cedo o transtorno for tratado, maiores são as chances de a prática não se repetir.

As principais características do transtorno, que normalmente começa em torno dos 13 anos de idade, são pequenos cortes superficiais feitos pelo próprio adolescente, em locais do corpo que possam ficar escondidos sob a roupa, sendo os braços o local mais comum.

Segundo Jackeline, no entanto, a automutilação é diferente da tentativa de suicídio; a pessoa se corta mas sabe que não vai morrer por causa disso. “A motivação referida pelos pacientes é que eles se cortam para aliviar uma sensação ruim”, diz. Sensação de vazio, angústia, raiva de si mesmo, tristeza com ou sem motivo e até para relaxar são outros motivos apontados.

Filmes e vídeos podem incentivar
A automutilação muitas vezes está relacionada a outros problemas psicológicos, como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e transtornos alimentares. Até a influência da mídia pode iniciar um episódio de cutting, porque o adolescente fica sabendo que a prática existe por meio de filmes, seriados ou em vídeos na internet. Segundo a psiquiatra, a adolescência é uma fase de experimentação, de modo que ver alguém se cortando pode ser suficiente para fazer também, seguir como se fosse uma “moda”, diz.

Nem todo adolescente que tenta o cutting uma vez vai continuar praticando. A pessoa só sente o alívio ao se cortar se já tem uma situação de estresse prévia; caso contrário, só sente dor. Se o paciente está em condição psicológica normal, ele não repete mais.

O transtorno também pode se manifestar sem a necessidade de influência externa. Segundo Jackeline, em um acesso de raiva, o adolescente se machuca, se fere sem querer com algum objeto e percebe que, com a dor física, ele sente algum alívio. Em pacientes que praticam por períodos longos, um ano ou mais, pode acontecer de se cortarem em momentos de tristeza e também de euforia. É como um vício, e a pessoa pode sentir a necessidade de se machucar mesmo sem estar passando por problema algum.

Apesar de diminuir ou até desaparecer com o tempo, a automutilação pode ocorrer em adultos. É um transtorno que tem idade para começar mas não para acabar, segundo a psiquiatra. Tende a diminuir depois dos 20 anos, mas, se não tratado, pode continuar ao longo da vida. E se o prejuízo social já é grande quando ocorre na adolescência, na vida adulta pode ser ainda pior.

O papel da escola
A escola precisa reagir ao observar qualquer processo de sofrimento com crianças e adolescentes, diz a integrante do Núcleo Vida e Cuidado e professora aposentada de Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ana Maria Borges de Souza. O professor que está em contato direto com os alunos tem que olhar com atenção para qualquer forma de sofrimento – observar o corpo, porque, muitas vezes, é ele que expressa o sofrimento.

A escola deve acolher afetivamente esse aluno, demostrar que está disponível para escuta e que pode compreender seus problemas. Segundo a professora, a conversa deve ser primeiro com o aluno, mostrando que a palavra da criança tem valor na escola. Essa conversa também deve servir para verificar se existe algum conflito familiar, e só depois a escola deve chamar a família para discutir o problema. “Se o motivo está em um problema em casa, chamar os pais primeiro pode ser ainda mais prejudicial para a criança”, diz.

Bullying
Sofrer bullying pode provocar o transtorno porque o adolescente busca uma forma de liberar a tensão que vive na escola. Se os cortes e marcas na pele são descobertos por outros alunos, podem virar motivo para o bullying. Segundo Ana Maria, nesses casos, a escola deve promover uma conversa com todos os envolvidos na situação. Levar o tema para a sala de aula, conversar com os amigos próximos da criança ou adolescente que está sofrendo, com os alunos que promovem o bullying, com o namorado ou a namorada.

De acordo com a professora, é necessária uma medida pedagógica que não foque apenas no sujeito que se corta, mas que também absorva o contexto e busque compreender os motivos que levam ao sofrimento, se é homofobia, racismo ou qualquer outro tipo de preconceito. A escola também precisa oferecer proteção – não individualmente, mas criar uma rede em torno do aluno vulnerável, mobilizando todo o grupo escolar. E, se identificada uma situação de violência doméstica, o caso precisa ser encaminhado para as autoridades competentes.

Tratamento
Transtornos mentais como o cutting não podem ser tratados apenas com medicamentos. Segundo Jackeline, o tratamento deve ser metade medicação e metade psicoterapia (acompanhamento psicológico). Como é muito comum ter outros problemas psiquiátricos associados, eles devem ser tratados ao mesmo tempo, mas sempre com o cuidado de utilizar remédios que não atrapalhem a vida escolar do adolescente.

Fonte: Portal Terra / Educação

Jorn. FERNANDA MACHADO

Assess. de Imprensa e Comunic. do Sinpro Goiás

Categorias
Geral Recomendadas

Doenças de fácil prevenção têm relação com desenvolvimento da criança

Especialistas sugerem que condições externas influenciam mais o ensino do que estrutura da escola

Em outubro de 2011, o economista e filósofo Eduardo Giannetti apontava como um dos principais problemas da educação básica brasileira a má formação neurológica de crianças por causa de doenças nos primeiros anos de vida. Entre os motivos, o saneamento básico precário de várias cidades brasileiras. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) do Ministério das Cidades, 53,8% da população brasileira não possui serviço de coleta de esgoto.

Os pesquisadores do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) Paulo Roberto Corbucci e Eduardo Luis Zen publicaram, recentemente, estudo que relaciona fatores externos – entre eles o saneamento básico – com os números do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), citado por eles no material como principal indicador de desempenho do sistema educacional brasileiro.

O estudo considerou os índices de abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo na comparação com os resultados no Ideb. Nos três casos, observou-se redução nos índices de educação baixos (menos de quatro pontos) de acordo com o aumento da presença dos serviços nos municípios. Na tabela de esgotamento sanitário, por exemplo, a proporção de Idebs baixos e médio-inferiores (entre quatro e cinco pontos) atinge 73% do total quando a incidência do serviço foi menor que 50%.

Para Corbucci, o estudo sugere que as condições sociais têm impacto maior que a estrutura interna das escolas analisadas pela pesquisa, como presença de bibliotecas, laboratórios de informática e ciências e infraestrutura pedagógica. “Mostra que é um equívoco investir só na escola. O segredo é a agregação de políticas públicas, de forma matricial e sistêmica. Na verdade, as políticas afetam umas às outras”, diz.

A pesquisadora Anne Jardim Botelho, em sua tese de mestrado, abordou o tema utilizando dados sociais, cognitivos e de saúde de 210 crianças, com idades entre 7 e 11 anos, residentes em Americaninhas, comunidade rural de Minas Gerais. Segundo o estudo, crianças afetadas por doenças como a ascaridíase e “amarelão”, decorrentes de problemas de saneamento básico da região, apresentaram piores resultados em testes aplicados. “Essas doenças são de fácil prevenção. São contraídas pela ingestão ou penetração na pele, através do solo ou de alimentos contaminados”.

Anne explica que as doenças podem afetar a formação escolar por dois mecanismos básicos. “Há prejuízo nutricional, alguns vermes se apropriam de nutrientes, principalmente calorias, vitaminas e minerais. Pode causar, inclusive, anemia. Isso afeta a boa formação do sistema nervoso e o desempenho cognitivo”. O segundo ponto negativo seria a dificuldade de aprendizado gerada pelos sintomas. “Crianças com alta carga parasitária se sentem cansadas, apáticas, indispostas e sonolentas. Elas acabam perdendo o interesse nos processos escolares, faltam mais à aula”.

Quanto mais cedo pior

Em artigo publicado em seu site, o médico Dráuzio Varella afirma que quadros de diarreia (sintoma comum relacionado a essas doenças) frequente durante os cinco primeiros anos de vida podem privar o cérebro das calorias necessárias para o desenvolvimento pleno e comprometer para sempre o quociente intelectual (QI). De acordo com ele, 87% das calorias ingeridas por recém nascidos são utilizadas na construção do cérebro. O número decai conforme a idade: 44% aos cinco anos e 34% aos dez, por exemplo.

Citando os mesmos 87% para crianças de zero a dois anos, Giannetti afirma que essa informação deveria estar no centro do projeto de futuro do Brasil: o País não estaria sabendo resolver um problema de agenda social do século XIX e, assim, condenando parte da população brasileira ao fracasso intelectual. Anne defende investimentos na área de saneamento como uma das necessidades básicas para melhorar a educação básica, juntamente com a nutrição adequada de crianças.

Até o final de 2014, o Instituto Trata Brasil promete lançar “estudo aprofundado que relaciona problemas de saneamento básico e educação”, conforme o presidente executivo da instituição, Édison Carlos. O projeto é desenvolvido em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Fonte: Portal Terra / educação