Os defensores da reforma da previdência, nos moldes propostos pelo governo Temer, se apegam a dois dados reais e que o país não tem como fugir: o déficit de R$ 260 bilhões nos sistemas de pagamento de aposentadorias, que abrangem tanto o trabalhador privado quanto o servidor público, e o acelerado envelhecimento populacional.
Segundo previsão do IBGE, a porcentagem de idosos no país irá triplicar até 2060, saltando de 18 milhões para 58 milhões, ou de 8,5% para quase 26,8% da população.
Mas usar apenas esses dados como determinantes para uma reforma da magnitude apresentada pelo governo federal pode ser um erro, podendo colocar em risco a segurança social de milhões de brasileiros nas próximas décadas. Essa é a avaliação do economista e professor das Faculdades Rio Branco, Onofre Portella, durante aula que concedeu na 8ª edição do Programa Rio Branco para Jornalistas.
Portella chama atenção, inicialmente, para as críticas feitas ao sistema previdenciário do país como se fosse o maior gasto da União quando, na verdade, o primeiro gasto do Estado brasileiro é com a amortização e com os juros da dívida pública que, só em 2016, foi de R$ 407 bilhões. E, derrubar a taxa de juros em termos reais, seria apenas um dos mecanismos que o governo Temer poderia tomar para reduzir os gastos da União com o adendo de que, a redução da Selic, favoreceria o setor produtivo.
Outra questão não aprofundada na reforma é a forte distorção entre os regimes de aposentadoria vigentes no país, isso é o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que rege a aposentadoria dos servidores públicos, e o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), atendendo os demais trabalhadores.
Como se criou o déficit
O país tem hoje cerca de 33,4 milhões de beneficiários no regime do INSS que receberam, em 2016, o total de R$ 507,9 bilhões. Essa carteira é remunerada em um sistema tripartite composta por recursos de trabalhadores em atividade e empregadores, que formam a receita líquida do sistema, e recursos União. Considerando apenas a receita líquida, o sistema recebeu no último ano R$ 358,1 bilhões.
A diferença, R$ 149,7 bilhões, paga pela União, foi contabilizada como déficit, mas, na verdade, poderia ser diferente se os governos federais cumprissem a contrapartida colocada na Constituição Federal de 1988 que vinculou as receitas do recolhimento do Cofins, CSLL, PIS/PASEP e das Loterias ao sistema de seguridade social, o que não tem sido cumprido desde os anos 1990.
“O aporte dessas taxas e contribuições representaria o dobro da receita e aproximadamente 40% a mais das despensas na previdenciária, ou seja, com o sistema consolidado pela Constituição Federal de 1988 a Previdência estaria equilibrada”, pondera o professor.
Para chegar ao cálculo do déficit de R$ 260 bilhões, Portella incluiu os gastos com as aposentadorias e pensões dos servidores públicos no Brasil que, em 2016, alcançou cerca R$ 110 bilhões para atender 989 mil beneficiários. Nesse ponto, o economista chama atenção para a grande disparidade entre as rendas médias dos beneficiários do INSS e dos beneficiários do Regime Próprio de Previdência Social, se tornando uma espécie de distribuição de renda inversa, ou seja, favorecendo a concentração dos recursos em um grupo cada vez menos representativo da sociedade brasileira.
Enquanto beneficiários do INSS recebem um valor anual médio de R$ 15,2 mil, incluindo o 13º salário, os servidores aposentados chegam a receber, em média, R$ 100 mil por ano, no caso de terem trabalhado em algum órgão do Executivo, ou até R$ 390 mil, se tiverem sido do Judiciário.
Portella reconhece que retirar benefícios desse grupo, que inclui também militares, legisladores e promotores, é um grande desafio para qualquer presidente, entretanto não há como negar as fortes disparidades é a necessidade de se iniciar algum diálogo, acrescentando que, nos moldes propostos pelo governo atual, a reforma, como recentemente apontou o próprio presidente do INSS, Leonardo de Melo Gadelha, acabou se transformando em uma corrida por privilégios.
O economista alerta, portanto, que a reforma em discussão no Congresso vai contra o caráter da Constituição Federal de 1988, pensando no quadro mais amplo proposto pela Carta, de incluir a previdência dentro da Seguridade Social, assim como ponderou o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani, em entrevista para o programa Na Sala de Visitas com Luis Nassif, quando destacou que o sistema previdenciário brasileiro foi pensado nos mesmos moldes dos sistemas europeus que compõe a OCDE e que ainda mantém a proposta tripartite de financiamento.
“Nos países da OCDE a participação média do governo no orçamento previdência é de quase 50%, o caso mais extremo é o da Dinamarca, onde 75% da seguridade é financiada pelo governo, através do recolhimento dos impostos gerais”, explicou Fagnani. Assim, com a reforma, o Brasil se mantém na contramão das nações desenvolvidas.
Fonte: GGN