Em tramitação no Congresso Nacional, as discussões sobre a proposta de Lei de Responsabilidade Educacional (LRE), que pretende punir prefeitos e governadores que não melhorarem a qualidade da Educação Básica, pode se estender até a Conferência Nacional de Educação (Conae), em fevereiro. Algumas propostas apresentadas pelo relator Raul Henry (PMDB/PE) para o projeto de lei nº 7.420/06 têm sido alvo de críticas, como é o caso da escolha do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) como parâmetro de qualidade.
O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, é um dos que se opõem ao uso do índice e chegou a sugerir ao deputado sua substituição pelos indicadores gerados pela Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e pela Prova Brasil. Jamil Cury, professor adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), também foi contra a decisão, pois de seu ponto de vista o Ideb deveria ser reformulado nos moldes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). “Aí sim ele poderia ser considerado um índice e não a soma de dois indicadores interessantes, mas insuficientes”, aponta.
De acordo com o PL, que está sob apreciação dos membros da Comissão de Educação (CE) da Câmara dos Deputados desde 12 de dezembro de 2013, prefeitos e governadores que piorarem, sem justificativa, o Ideb no final do mandato terão “férias pedagógicas” de cinco anos, como gosta de definir o deputado. Ou seja, sofrerão as sanções da Lei de Inelegibilidades.
O projeto tem outros quatro principais eixos (veja mais no box), entre os quais se destaca a adoção de um padrão mínimo de qualidade para as escolas públicas brasileiras. O padrão – que deverá ser implantado no prazo de cinco anos após a aprovação da lei – envolve 16 pontos, incluindo a criação de um plano de carreira para o magistério público; a reserva de tempo, dentro da jornada de trabalho, para o planejamento das aulas; a oferta de infraestrutura e equipamentos adequados, como bibliotecas e laboratórios; a disponibilização de horários de reforço escolar para alunos com rendimento insuficiente e o desenvolvimento de programas de correção de fluxo para estudantes com rendimento escolar defasado no ensino fundamental.
De acordo com Henry, a lei é necessária porque a educação brasileira não dá sinais de melhorias, o que torna preciso uma ação institucional para impulsionar mudanças. “As séries estatísticas de 1997 a 2011 mostram que a qualidade da escola pública no Brasil, no final dos ciclos fundamental e médio, ou está estagnada ou em declínio. E isso é inaceitável para um país com os desafios que tem o Brasil”, diz o deputado, que aguarda as apreciações dos membros da CE antes de submeter o PL ao plenário da Casa e, finalmente, ao Senado.
Lei inócua
A implantação do padrão de qualidade seria financiada pelo governo federal caso os municípios e estados comprovem insuficiência de recursos, segundo o PL. “Hoje, a União fica com 60% do bolo tributário, mas sua participação no financiamento da educação básica é de apenas 11%”, aponta o deputado. “A Constituição, inclusive, prevê que a União financie a Educação Básica em caráter supletivo e redistributivo, o que está coerente com o projeto da LRE”, completa.
O Ministério Público e o Poder Judiciário serão as instâncias responsáveis por fiscalizar e cobrar o cumprimento da lei. Em caso de descumprimento, caberá ação civil pública de responsabilidade educacional.
Cleuza Rodrigues Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), diz que a entidade se tornou favorável à iniciativa depois que as considerações feitas por seus membros foram incorporadas. Uma delas diz respeito às excepcionalidades que podem impactar o resultado do Ideb. “Situações de calamidade pública ou grandes fluxos migratórios são exemplos de circunstâncias que podem influenciar o desempenho de uma escola”, explica.
Essas e outras ponderações foram feitas durante vários encontros com o deputado e agora a entidade aguarda as emendas que eventualmente serão apresentadas antes da configuração final da LRE. “A lei será mais um mecanismo de controle ao lado de outros já existentes, como Lei de Responsabilidade Fiscal e das atividades exercidas por conselhos, como o do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Mas espero que ela tenha amparo para ser cumprida”, avalia Cleuza.
Justamente pelo fato de já existirem leis que fazem referência à qualidade da Educação Básica, Cury enxerga no PL algumas redundâncias. “O Brasil, a rigor, não necessitaria de uma LRE. O importante é reunir os dispositivos da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases em um só, de modo a deixar mais claras as obrigações de cada sujeito da educação e permitir à população cobrar seus direitos.”
Para Daniel Cara, outro problema do PL está em sua abrangência, que se tornou excessiva. “Existem visões diferentes sobre o que deveria ser uma LRE e o deputado tentou agregar parcialmente todas elas em seu relatório final. É uma pena que não tenha assumido algumas posições mais polêmicas”, lamenta.
Entre essas posições estão obrigar o cumprimento irrestrito do piso salarial dos professores, estabelecer uma diretriz nacional de carreira e determinar um número de alunos por turma. Cara acha que a lei pode ser inócua por mais um motivo: trata-se de lei ordinária, ou seja, com pouco poder para pressionar o governo federal para alocar mais recursos na Educação Básica. “Seria preciso uma lei complementar para exigir a transferência de recursos por parte da União”, avalia.
De quem é a responsabilidade?
Se não houver um aumento nos recursos investidos, contudo, não será possível cumprir o padrão de qualidade estabelecido no PL, afirma Cury, que também foi membro do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais e do Conselho Nacional de Educação (CNE) na Câmara de Educação Básica (CEB).
A pressão que recairá sobre os professores, caso a lei seja aprovada, é outro tópico questionado. Em versões anteriores do texto, estava prevista a responsabilização de secretários de Educação, diretores e professores. “Tomamos a decisão de não responsabilizar essas pessoas, nem pela ação civil pública, nem pela inelegibilidade, porque já está difícil demais recrutar talentos para a educação pública. Não poderíamos agravar essa situação, criando a ideia de uma perspectiva punitiva para essas pessoas”, comenta o deputado. “Além disso, elas não são responsáveis nem pela escolha das políticas educacionais nem pela administração dos recursos públicos. Em última análise, quem tem essa responsabilidade são os mandatários”, acrescenta Henry.
Apesar disso, Cara pensa que os docentes, mesmo não possuindo condições de resolver o problema, serão cobrados de qualquer forma pelos resultados, afinal, são eles que estão na linha de frente com os alunos. A LRE pode se tornar mais eficaz, em sua opinião, se a Lei de Responsabilidade Fiscal for flexibilizada para ampliar o limite com gasto de pessoal na área da educação. Isso poderia dar condições de construir políticas de carreira para os professores e, consequentemente, melhorar a qualidade da Educação Básica.
Em função dessas questões, o professor da PUC-MG é favorável à ideia de debater o projeto de lei na próxima edição do Conae, que será realizada em fevereiro, em Brasília. Com o recesso na Câmara dos Deputados entre o final de dezembro e o começo de fevereiro, é possível que nesse período o PL ainda esteja sob apreciação dos membros da Comissão de Educação. Se isso ocorrer, ainda há chance de que pontos importantes defendidos no setor sejam contemplados nas emendas apresentadas pelos deputados.
Fonte: revistaeducacao.uol.com.br
Jorn. FERNANDA MACHADO
Assess. de Imprensa do Sinpro Goiás