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Professores de física desistem de lecionar por falta de condições de trabalho

Uma pesquisa que rastreou a maior parte dos alunos formados no curso de licenciatura do campus de Bauru da Universidade Estadual Paulista (Unesp) entre 1991 e 2008, para descobrir que rumo tomou a carreira deles, mostrou que a maior parte chegou a dar aulas na educação básica, mas um terço deles acabou desistindo da profissão. Segundo Roberto Nardi, professor da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru e orientador do estudo, os números mostram que a falta de professores na rede básica de ensino não é só um resultado da falta de pessoas formadas na área, mas, sobretudo das atuais condições de trabalho e salário do cargo.

No período analisado pelo estudo, que foi a dissertação de mestrado do pesquisador Sérgio Rykio Kussuda, 377 pessoas receberam o diploma de licenciatura em física na instituição. Por meio de buscas na internet, o pesquisador conseguiu encontrar 273 desses licenciados, e 52 deles preencheram um extenso questionário a respeito de suas escolhas profissionais.

De acordo com o estudo, dos 40 participantes que disseram ter ingressado na rede de ensino após conquistar o diploma, 13 (25%) decidiram abandonar o trabalho: dez dos 32 licenciados que viraram professores na educação básica acabaram desistindo do emprego para se dedicar a outras áreas, e três dos sete professores que se dedicavam apenas ao ensino superior também mudaram de profissão.

Os fatores principais que motivaram o abandono dos licenciados do magistério foram, nesta ordem, a questão salarial, as condições desfavoráveis de trabalho neste nível de ensino, particularmente no magistério público, e a consequente opção por outras profissões de caráter público ou privado, destacando-se o ingresso em programas de pós-graduação que permitem o acesso ao magistério no ensino Superior e empregos em empresas de projeção nacional, públicas e privadas`, conclui a pesquisa.

Entre os que abandonaram a carreira para a qual se formaram, muitos decidiram fazer uma nova graduação, que incluiu, entre outras, direito, engenharia, matemática, pedagogia e logística.

Já os licenciados que nunca chegaram a lecionar, há os que se tornaram funcionários públicos, bancários, empregados do setor administrativo e até um técnico em meteorologia. Dos 52 participantes da pesquisa, 27 ainda atuam como professores, e apenas 16, ou 30% do total, trabalham na rede básica de ensino.

Segundo Kussuda, “as condições de trabalho não têm sido suficientemente atrativas para os licenciados continuarem no magistério”.

O pesquisador, que concluiu a licenciatura em física em 2009, também é professor do ensino médio na rede pública estadual de Bauru, e conta que, “embora nenhum curso prepare o professor 100% para a sala de aula, boa parte do conteúdo do currículo da licenciatura está mais para o bacharelado”.

Mesmo assim, ele ressalta que o currículo tem recebido melhorias ao longo do tempo. “Com certeza tivemos mais contato com a realidade de sala de aula que os licenciados anteriores”, afirmou Kussuda em relação a sua turma.

Técnicas de ensino

Entre as dificuldades citadas pelo professor Roberto Nardi, estão o volume de horas de trabalho em salas de aula cheias e com alunos com defasagem em aprendizados básicos, além da falta de preparação dos licenciados em transpor o conhecimento dos conteúdos da física adquiridos na faculdade para o nível dos estudantes do ensino básico.

Ele afirma que os alunos do curso de licenciatura só recentemente passaram a ter disciplinas específicas sobre ensino, incluindo estágios e outras práticas. Antes, a maior parte da carga horária do curso era ministrada por bacharéis em física que transmitiam o conhecimento da matéria, mas não as técnicas sobre como ensinar esses conceitos a adolescentes.

Nardi, que mantém um grupo de pesquisa em ensino de ciências na faculdade da Unesp, em Bauru, afirma que há estudos mostrando como as crianças e adolescentes chegam às aulas de ciências com conceitos aprendidos espontaneamente do senso comum, como noções de velocidade, que nem sempre são corretos do ponto de vista científico. Desmontar esses conhecimentos é um dos desafios que podem pegar os professores desprevenidos. Um terço desistiu por causa do salário

“Outra questão é salarial, que é crucial”, explicou o professor, que citou os valores atrativos que os graduados em física podem ter em bolsas de pesquisa de mestrado e doutorado, que são mais altos que o valor pago pela hora de aula atualmente.

De acordo com a pesquisa, dos dez professores que ingressaram na educação básica, mas desistiram de lecionar, quatro optaram por seguir na área acadêmica fazendo pós-graduação e cinco afirmaram que desistiram por questões financeiras.

A desistência afetou tanto professores da rede pública quanto da privada. Se por um lado eles afirmam que o interesse dos estudantes de escolas particulares é maior, por outro, a falta de autonomia e a necessidade de acatar o que diretores, alunos e pais querem atrapalham o andamento das aulas.

“Ministrar aulas é um dom, uma vontade. Gosto muito de dar aulas, porém, o sistema complica muito as coisas”, afirmou um professor que participou do estudo.

 

Mestrado profissional

O estudo mostrou ainda que mais da metade dos licenciados de física entrevistados afirmou que, além de física, também deu aula de outras disciplinas. Matemática e química foram as mais citadas, mas matérias como história e geografia também apareceram no questionário, mesmo que um professor com licenciatura em física não possa dar aulas de disciplinas de ciências humanas.

O contrário também é comum, segundo Celso Pinto de Melo, presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), pensando em suprir a falta de capacitação de professores que dão aula de física, mas não têm licenciatura na área, a SBF capitaneou, durante o ano passado, a elaboração de um programa de mestrado profissional em física.

“Precisamos aumentar o número de professores de física no ensino médio e a qualificação desses professores. Uma fração expressiva não é graduada na área, há vários estudos por parte do Inep e MEC mostrando enorme déficit de professores em geral, matemática, química e física”, explicou o presidente da entidade.

Neste ano, 18 universidades federais e três estaduais foram selecionadas para as primeiras turmas do programa no Distrito Federal e nos estados de Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e Sergipe.

“Existe uma coordenação nacional que estabelece os módulos de conteúdo. Cada pólo vai poder fazer alguma adaptação às características locais, mas não são programas avulsos”, explicou Melo.

O público-alvo, segundo ele, são professores que já atuam no ensino médio. Para que eles não precisem abandonar o cargo durante o curso presencial, os mestrandos receberão uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), afirmou Melo. Ele explica que o objetivo do curso é ensinar o conteúdo de física a professores que não são formados na área, mas acabam atuando nela. “O conteúdo é algo importante, sem perda das disciplinas da área pedagógica. Mas não é um programa voltado pra área de pedagogia”, acrescentou.

De acordo com Melo, a medida tenta melhorar as condições de trabalho dos professores, mas não é capaz de resolver, sozinha, o problema da falta de docentes nas escolas brasileiras. “Tem a ver com a valorização social da carreira do professor. Enquanto o piso mínimo não for uma realidade, enquanto não houver reconhecimento social… Esse programa não é uma varinha de condão”.

 

Fonte: Ana Carolina Moreno – G1 Globo.com.