Precarização das condições de trabalho
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Sinpro Goiás divulga resultado de pesquisa feita com professores da base

Trabalho, saúde, precarização e o papel de um sindicato de professores.

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Por Luciano Alvarenga Montalvão *¹

 

O Sindicato dos Professores do Estado de Goiás (SINPRO-Goiás), por meio de sua Coordenação de Saúde do Professor e Relações Humanas no Trabalho, realizou, entre os meses de maio e agosto deste ano, uma pesquisa intitulada “Levantamento dos riscos de adoecimento físico e psicossocial no trabalho do(a) professor(a)”.

O objetivo dessa pesquisa era obter dados que possam fomentar a elaboração de políticas e ações do sindicato no sentido de prevenir, acolher e acompanhar professores e professoras em processo/risco de adoecimento físico e psicossocial. Além disso, almejava-se conhecer um pouco mais da realidade dos docentes das instituições privadas de Goiás – desde a educação básica até o nível superior – no que tange às condições de trabalho, padrões de remuneração, carga laboral, reconhecimento do trabalho, relacionamento entre os pares e com a gestão, além dos fatores de risco e sintomatologia comum à sua atividade de trabalho.

A pesquisa foi realizada por meio eletrônico, através de um questionário digital (survey), abordando diversos aspectos da atividade docente, conforme já indicado. Participaram da pesquisa um total de 194 docentes – de todos os níveis de ensino – das principais escolas e faculdades de Goiânia e também do interior do estado. Dos respondentes, 63,9% são do sexo feminino (124) e 36,1% do sexo masculino (70). Com relação à faixa etária, observamos uma participação equilibrada dos docentes de diversas idades: 22,7% (44) de 30 a 36 anos; 19,1% (37) de 37 a 42 anos; 20,6% (40) de 43 a 49 anos; 21,1% (41) acima de 49 anos; o grupo dos docentes com 18 a 24 anos e de 25 a 29 anos somaram 16,5% (32).

Com relação ao nível de ensino que atuam, obtivemos uma participação significativa de todos os níveis de ensino, especialmente dos docentes da educação básica, vejamos: 22,2% (43) educação infantil; 54,6% (106) educação fundamental, 30,9% (60) ensino médio; já os professores do ensino superior participantes somaram 31,4% (61). Como se pode observar, parte significativa dos docentes atua em mais de um nível de ensino, o que já é um indicativo da precarização e flexibilização impostas pela transformação do trabalho do professor em mercadoria.

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Figura 1 – Distribuição dos respondentes por nível de ensino que atuam predominantemente

Com relação à percepção dos professores e professoras sobre a sua carga de trabalho semanal (figura 2) apuramos que 57,8% (112) dos professores consideram sua jornada fatigante ou excessiva; 36,6% (71) dos docentes consideram a sua carga horária de trabalho semanal boa (coerente com a sua capacidade laboral); e apenas 5,7% (13) consideram a sua jornada semanal leve ou tranquila. Distribuição análoga aparece na avaliação dos docentes sobre suas condições de remuneração (figura 3): 57,2% dos docentes avaliam suas condições de remuneração como ruins ou péssimas (111); 39,7% (77) as avaliam como boas; e apenas 3,1% (6) avaliam seus salários como ótimas ou excelentes.

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É relato comum entre os professores e professoras de nossa base sindical a necessidade de estabelecer mais de um vínculo profissional. Comumente, trabalhar em uma única escola/instituição não é o suficiente para preencher a carga horária e suprir as demandas financeiras do professor. Desta forma, para alcançar um padrão de remuneração decente, os professores estabelecem múltiplos vínculos o que tem como consequência, não apenas o aumento da carga horária em sala de aula, mas também o aumento do tempo de deslocamento, das atividades escolares ordinárias (planejamento, reuniões pedagógicas) e das atividades extraclasse (correção de provas, preparação de aulas). O professor se torna um verdadeiro “malabarista”, equilibrando horários, pressões e demandas de seus diversos empregadores.

Os dados apresentados pelo nosso levantamento – bem como o relato cotidiano dos nossos sindicalizados – estão em confluência com a investigação realizada pelo professor Sadi Dal Rosso (UnB) no início da década de 2000, com milhares de professores da rede privada de ensino no Distrito Federal. Quando questionados sobre a intensificação do seu trabalho, a maioria dos docentes respondeu afirmativamente para cinco dos seis quesitos, como mostra o quadro abaixo:

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Figura 4 – Quadro síntese sobre intensificação do trabalho em escolas privadas (DAL ROSSO, 2008, p. 177).

Ao que se apresenta, esse “novo professor” exigido pelas escolas-empresas deve ser polivalente, versátil, flexível, e potencialmente capaz de suportar um ritmo e velocidade de trabalho mais intensos. Mostra-nos também a pesquisa realizada pela UnB que não apenas a carga horária de trabalho aumenta, mas também as exigências, isto é, não apenas o trabalho objetivado tem um incremento mas também a sua dimensão subjetiva.
Outro aspecto bastante preocupante, verificado no levantamento realizado pelo SINPRO, é que a maioria dos professores e professoras não se sentem reconhecidos em sua atividade educativa. Como mostra o gráfico abaixo (figura 5), 53,1% (103) dos docentes avalia como baixo ou nenhum reconhecimento do seu trabalho e da sua profissão perante os alunos, pais, gestores e a sociedade. Apenas 21 professores, dos 194 respondentes, consideram seu trabalho bastante reconhecido ou reconhecido acima das expectativas.

 

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Figura 5 –  avaliação dos docentes com relação ao reconhecimento do seu trabalho e de sua profissão.

De acordo com a abordagem Psicodinâmica do Trabalho, o reconhecimento é um elemento fundamental na preservação da saúde mental no trabalho. O olhar do outro e a retribuição – principalmente aquela de natureza simbólica – são significativamente responsáveis pela produção de sentido no trabalho e pela formação da identidade dos trabalhadores e trabalhadoras. O não reconhecimento do trabalho, no caso dos professores – seja por parte da instituição, dos colegas de trabalho, dos pais e alunos – ao contrário, pode caminhar para o esvaziamento da atividade docente, o isolamento, a despersonalização e, por fim, o adoecimento.

Como destaca Perez (2010, p. 123-124), em pesquisa sobre a dinâmica do reconhecimento no trabalho docente:

“O fator reconhecimento se refere à dinâmica da valorização do investimento, esforço e sofrimento empregado no desenvolvimento do trabalho e que permite ao sujeito a construção de sua identidade, afetivamente interpretada como experiência de prazer e de realização pessoal […] Para que o trabalho promova saúde, há a necessidade da dinâmica do reconhecimento se fazer presente, pois é esse reconhecimento que permite ao trabalhador dar sentido ao trabalho”.

Mas não apenas de notícias ruins e preocupantes se compõe a nossa pesquisa. Como mostram os gráficos abaixo (Figura 6 e Figura 7), parte considerável dos docentes avalia positivamente suas relações com seus pares e as possibilidades de diálogo com gestão e com seus superiores: 78,9% (153) dos professores avaliam como bom ou ótimo o relacionamento entre os colegas nas escolas/instituições em que trabalham; e 60,9% (118) avaliam como bom ou ótimo o relacionamento e as possibilidades de diálogo entre os professores e os gestores escolares. Ainda segundo a Psicodinâmica do Trabalho, a cooperação é também um fator bastante importante para a saúde mental no trabalho. Para Dejours (2012, p.109), a existência de um coletivo ou uma comunidade de pares aparece como um “elo capital” para o estabelecimento de uma dinâmica intersubjetiva (entre sujeitos) capaz de defender o sujeito e o grupo do adoecimento e também instrumentalizá-lo para intervir na organização do trabalho, geradora de sofrimento.

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Mediante o exposto, é possível vislumbrar que a saúde física e psicossocial relacionadas ao trabalho é fruto de todas as condicionantes anteriormente expostas: condições de trabalho e de remuneração, ritmo e intensidade do trabalho, reconhecimento social e interprofissional, relacionamento entre os pares, possibilidade de diálogo com os gestores e de intervenção na organização do trabalho, entre outros. A configuração e combinação desses fatores, bem como sua possibilidade ou não de modificação culminará em contextos de trabalho mais ou menos adoecedores. O trabalho pode se tornar mais ou menos dotado de sentido, e o trabalhador mais ou menos investido em sua atividade laboral.
Apesar de os indicadores apurados não serem, em seu conjunto, muito favoráveis à construção de contextos de trabalho com baixo risco de adoecimento físico e psicossocial, pôde-se perceber que a maioria dos professores e professoras ainda avalia positivamente o seu estado de saúde atual. Na figura 11 (abaixo) contabilizamos que 62,9% (122) dos docentes consideram o seu estado de saúde bom ou ótimo, contra 35,6% (69) que o consideram ruim ou péssimo. No entanto, são preocupantes os dados apresentados na figura 12, na sequência, que expõe a sintomatologia mais recorrente na vida e no cotidiano dos nossos educadores. Como é possível verificar no gráfico, um número significativo de docentes declara sofrer com diversos problemas de saúde, sendo os mais frequentes, na ordem: alterações no sono, dores no corpo, dores de cabeça, mau-humor/impaciência/agressividade, perda de autoconfiança/vontade de desistir, problemas vocais e problemas gástricos.

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E qual o papel do sindicato nesta pauta, nesse contexto?

            Ao contrário do que se propaga no senso comum, ou do que ainda é difundido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde não é um “estado de completo bem-estar físico, mental e social”. Longe de nós apregoar o impossível! Na nossa concepção – fundamentada na abordagem Psicodinâmica do Trabalho – a saúde é um processo, é o resultado de um equilíbrio dinâmico instável que é construído e reconstruído permanentemente na mediação entre o sofrimento provocado pela organização do trabalho (em seus aspectos objetivos e subjetivos) e as possibilidades transformação desse sofrimento em prazer e ação, capazes de redimensionar e ressignificar o próprio trabalho.

Como se pode perceber, o trabalhador não é inerte, muito pelo contrário, é o sujeito da transformação do seu próprio sofrimento. É o único – sobretudo quando organizado nos coletivos – capaz de superar sua situação de exploração e precarização. Neste sentido, qual é o papel do sindicato como representante legítimo desse conjunto dos trabalhadores? Essa foi uma questão também abordada no nosso levantamento. Nosso propósito era saber o que, afinal, os professores e professoras esperam do SINPRO, levanto em considerando o presente contexto de intensificação do trabalho, cobrança por desempenho, fragmentação dos coletivos e desvalorização dos profissionais da educação.

Conforme a sistematização das demandas apresentadas pelos professores e professoras que responderam ao questionário, e as atividades já em desenvolvimento, SINPRO-Goiás reforça os seus compromisso já assumidos perante a categoria e a sociedade e assume também novos compromissos de:

  • manter e ampliar o diálogo permanente com a categoria, visitando periodicamente as escolas e instituições de ensino e, acima de tudo, estar sempre de portas abertas para atender o professor em qualquer pauta relacionada ao seu trabalho;
  • continuar lutando pela valorização do nosso trabalho, pelo respeito à categoria, por condições de trabalho dignas e salários compatíveis com o nosso empenho, compromisso e dedicação;
  • promover espaços de capacitação, palestras, cursos de formação pedagógica e política, e também espaços de escuta onde professores e professoras possam se posicionar e colocar suas demandas e necessidades para a entidade sindical;
  • continuar lutando, por meio das convenções coletivas, por reposição e ganho salarial anual, por um piso salarial para a rede privada, pelo respeito às próprias convenções e à legislação trabalhista, e pela ampliação e preservação dos nossos direitos;
  • combater a precarização, a hiper-exploração e a competição muitas vezes até estimulada pela lógica da transformação da educação em mercadoria e das escolas em empresas;
  • continuar viabilizando convênios/parcerias para proporcionar um melhor atendimento às demandas dos professores por cultura, lazer, serviços, atendimentos em saúde, entre outros.
  • planejar ações formativas e interventivas no que tange à pauta de saúde do professor e prevenção ao adoecimento físico e psicossocial relacionados ao trabalho;
  • Por fim, estar efetivamente presente, com ações concretas, presença cotidiana nas escolas e disposição para o embate e garantia do nosso lugar na sociedade.

 

No entanto, vale destacar: nosso sindicato é você, professor, professora. Sem a sua contribuição – desde a sindicalização, que é vital para a existência do sindicato, até a participação nas atividades organizadas pela entidade – não conseguiremos avançar e tampouco nos fortalecer contra a ofensiva que se ensaia por parte dos governos e patrões.  Como costumava dizer o grande filósofo húngaro István Mészáros “é grande e colossal a montanha que devemos conquistar”. Mas, como indica o verbo, devemos, no coletivo. Um sindicato não existe sem os seus trabalhadores. E os trabalhadores, tampouco, tem força sem o seu sindicato, organizado e forte.

 

*¹ Doutorando em Psicologia Social do Trabalho e diretor do Sindicato dos Professores do Estado de Goiás (SINPRO-Goiás).