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Estudos americanos sugerem que pré-escola é fácil demais

Para pesquisadores, crianças estão mais aptas a temas complexos

 

Enquanto o lúdico está na base das diretrizes do Ministério da Educação (MEC) para a educação infantil, que recomendam ainda que não se antecipe conteúdos do ensino fundamental, nos Estados Unidos, pesquisas recentes indicam que professores são cada vez mais a favor da escolarização na pré-escola. Docentes americanos acreditam que o ensino de noções acadêmicas de alfabetização e matemática deveria iniciar nesse período, já que as crianças entram na pré-escola com noções de letras, números e cores, muitas originadas do seu contato com a tecnologia.

O estudo da Universidade de Virgínia acompanhou mais de 20 mil alunos que iniciaram o jardim de infância em 1998 até a oitava série, além de aproximadamente 2 mil professores de escolas públicas americanas. O documento sugere que as crianças estão cada vez mais aptas a conteúdos complexos na pré-escola e revela que o tempo gasto com o ensino da alfabetização cresceu 25% de 1998 até 2006, passando de 5,5 para 7 horas semanais. Já o ensino de estudos sociais, ciências, música e educação física perderam horas.

Os autores do estudo apontam que a exigência maior de conteúdos influencia positivamente os resultados de aprendizagem durante o restante da vida escolar, principalmente em crianças com mais dificuldades. Outra pesquisa, da Universidade de Chicago, vai na mesma direção, e apresenta referências que evidenciam que as habilidades matemáticas aprendidas na primeira infância refletem melhores resultados de aprendizagem a longo prazo, especialmente para crianças de baixa renda.

No Brasil, especialistas divergem quanto ao equilíbrio do famoso “aprender brincando”. No colégio Vital Brazil, na capital paulista, as crianças da pré-escola entram em contato cedo com procedimentos de pesquisa. Baseada na linha de escolarização, a instituição promove atividades como buscar por bichinhos no jardim para depois entrevistar professores de níveis mais avançados, formulando elas próprias às questões, e ir ao laboratório. Tudo é feito de forma lúdica. “É preciso repensar o que é ludicidade. O lúdico não pressupõe a presença de um brinquedo. Também pode ser lúdico para a criança procurar bichinhos no jardim”, diz a coordenadora assistente do ensino infantil, Renata Weffort, que confirma que as crianças chegam à escola com um conhecimento prévio, pois são muito estimuladas pelas famílias. Para ela, é papel da escola ampliar esse conhecimento de mundo. Seu entendimento vai ao encontro do que pensa um dos autores da pesquisa da Universidade de Chicago, Amy Claessens, que disse à revista americana Edweek que “se ensinarmos às crianças o que elas já sabem, elas não vão aprender tudo o que podem”.

No Vital, durante atividades como a dos bichinhos, surgem perguntas como se “os grilos fazem barulho o dia inteiro” ou “como a lagarta se transforma em borboleta?”. “Eles querem entender assuntos complexos. O adulto precisa olhar para a criança como protagonista do processo de aprendizagem, para não haver sempre uma simples e pobre memorização”, ressalta Renata. Se a criança desenvolver experiências que façam sentido no mundo em que vive, criando relações entre os objetos do conhecimento, estimulada de diferentes formas, ela aprende melhor. Mas Renata alerta que não se deve antecipar conteúdos para “transformar a pré-escola em um treinamento para o ensino fundamental nem deixar de passar conteúdos interessantes com a justificativa de que a criança não daria conta”.

Aprendizado x tecnologia
A especialista em psicopedagogia e neuroaprendizagem Irene Maluf faz outro alerta, em relação às noções com as quais os pequenos têm contato por meio de tecnologias: só porque a criança consegue mexer em aparelhos tecnológicos, não significa que ela esteja realmente aprendendo. “A criança até reconhece os elementos, como uma flor da cor amarela em um jogo, mas resta saber se ela é capaz de relacioná-los. Ela tem informações que formarão conhecimentos, mas não necessariamente o domínio. O auxílio do adulto no processo de aprendizagem por meio da tecnologia é indispensável”.

Para Irene, a pré-escola pode ser encarada como uma preparação para a próxima etapa do ensino no aspecto social e normativo. No primeiro, porque é o ambiente onde a criança é tirada do pequeno grupo familiar pela primeira vez e é apresentada a um preâmbulo da sociedade. No segundo, porque é onde ela convive com as primeiras normas e horários. “Ela vai ser comandada dentro de um grupo, como acontece na sociedade. É inevitável uma influência em outras etapas, pois ela usará o que aprende pelo resto da vida: cores, números, noções de quantidade, o básico. A pré-escola é o tripé que sustenta o aprendizado escolar”, completa.

Foco no aluno e no lúdico
Na Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar – Brasil (OMEP), uma entidade filantrópica presente em 70 países, que se preocupa com a educação de crianças de 0 a 5 anos, são desenvolvidas atividades e projetos lúdicos com crianças carentes, em parceria com a prefeitura de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. São abordados temas como ciências, informática e música em jogos e brincadeiras, para que se desenvolva o aprendizado integralmente, englobando o corpo, o intelecto, a criatividade e aspectos culturais, sociais e históricos. A pesquisadora e coordenadora da OMEP, Alessandra Muzzi, cita como referência a pequena cidade italiana de Reggio Emilia, onde a construção pedagógica das escolas é baseada no conhecimento adquirido por meio da ação do sujeito em seu contexto – ou seja, as crianças aprendem pelas experiências do fazer. Os alunos podem inclusive escolher sobre o que querem aprender. “A educação é guiada por temas geradores de curiosidade, permitindo que os alunos peçam para aprender sobre determinado assunto. As salas não têm mesas nem cadeiras e são cheias de brinquedos pedagógicos. Se a criança ouve uma história, ela não precisa necessariamente realizar uma atividade. Ela pode ouvir simplesmente pelo prazer.”

Alessandra explica que há tempo suficiente nos anos seguintes da vida escolar para a criança desenvolver habilidades como escrita e leitura e que, por isso, a pré-escola funciona como uma preparação para a etapa da escolarização, que acontece no ensino fundamental. “A criança deve aprender brincando, pois assim desenvolve uma autoestima elevada, autonomia, interação e segurança nas diferentes linguagens de desenvolvimento que leva até o segundo ou terceiro ano do fundamental para ser completa. Não é preciso massificá-la aos quatro anos de idade”, conclui.

Cérebro amadurece para alfabetização por volta dos 5 anos
Irene explica que o ser humano começa a aprender quando o cérebro termina de se desenvolver, ainda no útero materno, na metade da gestação. “A criança sente as paredes do útero, chupa o dedo, tem sensações e está aprendendo. No segundo em que nasce, começa a sentir o meio ambiente e continua aprendendo. E vai aprender até o final da vida, não há como parar”.

Já o processo de alfabetização funciona de outra forma. Para funções como a fala, por exemplo, a criança já nasce com áreas do cérebro responsáveis – no caso, o hemisfério esquerdo, na área de Broca e na de Wernicke. Para se alfabetizar várias áreas precisam ser estimuladas a se interligarem. É necessário um amadurecimento neurológico para que a criança aprenda a ler e escrever. Se ela começar a ler muito cedo, não estará realmente aprendendo, pois o amadurecimento acontece por volta dos cinco ou seis anos de idade, segundo Irene.

“De repente, tudo está girando em torno de uma aquisição cultural chamada ler e escrever. É muito importante, mas demanda um tempo para o cérebro se desenvolver e amadurecer habilidades de percepção, linguagem, memória e capacidade auditiva e visual. Existe uma tendência mercadológica de apressar a aprendizagem. Pais de alunos de três anos e meio preocupados porque a criança ainda não lê não são saudáveis. A concorrência nas escolas de quem alfabetiza mais cedo é negativa”, alerta.

Frequência escolar na educação infantil
A lei federal 12.796, aprovada em 2013, exige que alunos da pré-escola (4 e 5 anos) tenham no mínimo 60% de presença no ano letivo, sem risco de reprovação. Se caso ultrapassarem o número máximo de faltas, o caso poderá ser encaminhado à supervisão municipal de ensino, podendo o Conselho Tutelar ser comunicado, em casos graves. A medida visa a reforçar a importância da pré-escola. “Existem pais que resolvem viajar no meio do ano letivo, porque não sabem da importância dessa série. Eles cortam a continuidade do ensino. Além de que a criança cria uma noção de que a escola é apenas um local de deleite, sem organização”, observa Irene.

A pesquisadora defende que o aluno da pré-escola desenvolva profundamente os primeiros anos de estudo, para que se crie uma base pedagógica e continuidade de ensino. Segundo a especialista, se isso acontecesse nos cinco primeiros anos do fundamental, os estudantes saberiam muito melhor procurar o conhecimento por si mesmo. “A criança precisa do contato com o meio, com as matérias, cores, tem de estar no mundo. Seu trabalho é brincar. Só então ela começa a organizar os conhecimentos na forma de aprendizados mais formalizados. Ela precisa, sim, de um nível de estruturação para aprender a ler, por exemplo. Não é aleatório. A linguagem tem uma estrutura oral e visual. Mas os estímulos podem ser na forma de brincadeiras, onde ela imagina e cria, desenvolvendo um emocional equilibrado com sua idade.”

Fonte: Portal Terra

 

 

Jorn. FERNANDA MACHADO

Assess. de Imprensa do Sinpro Goiás