Tanto a Constituição da República, de 1988, quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, trazem em seu escopo a compreensão de que a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Trazem ainda o entendimento de que, entre outros pontos, o ensino deve ser ministrado com base na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e no respeito à liberdade e apreço à tolerância.
Dessa forma, é uma verdadeira afronta à Constituição, à LDB e ao compromisso com uma educação verdadeiramente democrática a proposta contida do Projeto de Lei 867/2015, do deputado Izalci (PSDB-DF), intitulado “Escola sem partido”. A matéria representa também um profundo desrespeito aos professores, tratados como “manipuladores” e “doutrinadores” a induzir crianças e adolescentes.
A análise do texto mostra, pelo menos, dois grandes equívocos, para não dizer ardis. De um lado, o desconhecimento do processo pedagógico, uma vez que educação pressupõe, em seu sentido pleno, o incentivo à capacidade reflexiva, ao diálogo, à construção da cidadania, sendo, portanto, uma atividade política por excelência, no aspecto etimológico da palavra, que diz respeito à relação do homem com sua pólis, isto é, com sua cidade, seu estado, seu país, sua sociedade. De outro, a matéria evidencia o menosprezo pela liberdade de expressão quando esta contraria as ideologias moralmente conservadoras e economicamente neoliberais, retomando práticas ditatoriais 30 anos depois do fim do regime autoritário no Brasil e expondo os docentes à censura, à ameaça e à cassação de seu direito de ensinar e os estudantes ao cerceamento de seu censo crítico e da construção de sua autonomia.
Entre outros pontos, ao apresentar os “deveres do professor”, o Projeto de Lei 867/2015 determina que o docente “não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária” e “não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas”. Além disso, em sua justificativa, o autor da proposta diz se espelhar no anteprojeto de lei elaborado pelo Movimento Escola sem Partido, afirmando ser “fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis”.
Tais argumentos, além de mentirosos, apresentam, em seu cerne, um total desprezo pelo magistério, sendo que o PL representa ainda uma grande armadilha ao tentar responsabilizar os professores por ações de suposta doutrinação, contra a qual nós também nos posicionamos. Se a suposta capacidade de influenciar diretamente a ideologia de uma sociedade fosse real, os professores seriam valorizados e respeitados, e não violentados pela polícia, como aconteceu recentemente no Paraná, estado governado pelo partido do deputado autor da proposta. Tampouco os educadores seriam alvos da violência também praticada, em alguns casos, por estudantes e familiares.
Como entidade sindical, educacional e, portanto, eminentemente política, a Contee, representante de cerca de 1 milhão de professores e técnicos administrativos que atuam no setor privado em todo o Brasil, posiciona-se radicalmente contra esse PL da Mordaça (nome dado ao projeto de lei com o mesmo teor que tramita no Distrito Federal, mas que serve como uma luva à proposta que se discute na Câmara). Frisamos que projetos de lei semelhantes ao presente – inspirados no anteprojeto de lei elaborado pelo Movimento Escola sem Partido – já tramitam nas Assembleias Legislativas dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Espírito Santo, e na Câmara Legislativa do Distrito Federal, bem como em dezenas de Câmaras de Vereadores (São Paulo-SP, Rio de Janeiro-RJ, Curitiba-PR, Vitória da Conquista-BA, Toledo-PR, Chapecó-SC, Joinville-SC, Mogi Guaçu-SP, Foz do Iguaçu-PR, etc.), tendo sido já aprovado nos municípios de Santa Cruz do Monte Carmelo-PR e Picuí-PB.
Todas essas matérias são claramente inconstitucionais, não têm sustentação jurídica e a tática de apresentá-las também nas Assembleias Legislativas estaduais é fazer interlocução com forças conservadoras. Nossa defesa não é a catequese partidária e não somos favoráveis à doutrinação, como aconteceu com o nazismo, o fascismo ou como continua a ser praticado por tendências religiosas. No entanto, manifestações de interpretações teóricas e políticas diferentes e até opostas sobre fatos e conjunturas históricas e políticas são próprias da ação pedagógica crítica e desta somos defensores.
Brasília, 21 de maio de 2015.
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Fonte: Contee
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Jorn. FERNANDA MACHADO
Assess. de Imprensa e Comunic. do Sinpro Goiás