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Sobre a alteração da Lei da Arbitragem

A sanha legislativa do Congresso Nacional, com vistas a reduzir e/ou a suprimir direitos fundamentais sociais, parece não ter limites.

A sua última tentativa deu-se com a aprovação de Projeto de Lei (PL) N. 406, do Senado, convertido 7108/2014 na Câmara, que modifica a Lei N. 9307/1996, a qual regula a arbitragem privada, para nela incluir a possibilidade de que também os direitos trabalhistas sejam objeto de renúncia por meio dessa forma de composição de litígio, de uso comum no Direito Civil, apesar de não admitir a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), já de longa data, e a do Supremo Tribunal Federal (STF), recente, firmada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) N. 590415, aos 30 de abril próximo passado.

O Diário Oficial da União (DOU), edição do dia 27 de maio último, publicou a Lei N. 13129/2015, que promove modificações na citada Lei de Arbitragem, com veto ao texto que lhe acrescia, ao seu Art. 4º, o § 4º, para permitir que, como já se disse, essa forma de composição alcançasse o Direito do Trabalho:

“§ 4º Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição”.

Não obstante as razões do veto a esse maléfico dispositivo não guardarem nenhuma sintonia com as que levaram o TST e o STF a vedá-lo, fazendo-o com a finalidade de proteger a parte mais fraca nas relações de trabalho – o trabalhador –, o certo que o ato da Vice-Presidência, no exercício da Presidência, impediu que se perpetrasse mais um atentado contra os direitos fundamentais sociais:

“Razões do veto

O dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral”.

Por se tratar de matéria recorrente, sempre com a finalidade de burlar os fundamentos, as garantias e os princípios protetivos das relações de trabalho, traz-se, aqui, a já anunciada jurisprudência do TST e do STF:

“Processo relacionado: RR-189600-42.2008.5.07.0001

____________

ACÓRDÃO

(8ª Turma)

GJCMLF/prg/wt/bv

RECURSO DE REVISTA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. ARBITRAGEM. LEI N.º 9.307/96. INAPLICABILIDADE. A SDI-1 desta Corte firmou entendimento de que o instituto da arbitragem previsto na Lei n.º 9.307/96 é inaplicável ao Direito Individual do Trabalho. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido.

[…]

CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. ARBITRAGEM. LEI N.º 9.307/96. INAPLICABILIDADE.

[…]

No Acórdão de f. 922/925, registrou que:

‘A recorrente, ainda insistindo na tese de que a cláusula compromissória impediria o reclamante de buscar seus direitos, reafirma sua irresignação com a decisão desta Corte que afastou a extinção do processo e determinou ò retorno dos autos a vara de origem.

A título tão somente de amor ao debate, de vez que tal questão já foi enfrentada por este Regional – fl. 386/387, tem-se que a Lei n° 9.307/96 introduziu o instituto da arbitragem para a solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, como alternativa ao Poder Judiciário em razão do grande volume de processos.

Efetivamente, dispõe o artigo 1° da Lei n° 9.307/96:

‘Art. 19 As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.” (grifou-se)

Resta, portanto, saber se referida lei pode ser invocada para a solução de conflitos oriundos da relação de trabalho, considerando-se que os direitos trabalhistas reservam uma significativa gama de direitos indisponíveis, que, em face de seu caráter social, transcendem os interesses meramente subjetivos das partes.

No caso dos autos, é incontroverso que as partes celebraram pacto arbitral ainda no curso do contrato de trabalho, momento em que, frise-se, é ainda mais evidente a hipossuficiência do trabalhador.

O TST tem firmado entendimento consoante o qual a aplicação de cláusula compromissória arbitral, ou a adoção de compromisso arbitral, para a resolução de conflitos perante a Justiça do Trabalho é vedada, ante a natureza indisponível dois direitos aqui tutelados, conforme o seguinte aresto:

RECURSO DE REVISTA. SENTENÇA ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. COMPROMISSO ARBITRAL. EFEITOS. Esta corte entende que a aplicação de cláusula compromissória arbitral, ou a adoção de compromisso arbitral, para a resolução de conflitos perante a justiça do trabalho é vedada, ante a natureza indisponível dos direitos aqui tutelados. Tal entendimento celebra o princípio constitucional da inafastabilidade da prestação jurisdicional, na medida em que a cláusula ou o compromisso arbitral impedem que o trabalhador tenha sua pretensão analisada de imediato pelo poder judiciário. Recurso de revista conhecido e provido. (TST: RR 148400-18.2004.5.02.0039; Sexta Turma; Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho; DEJT 10/12/2010; Pág. 899)

Esta Corte igualmente tem entendido que a arbitragem não opera efeitos jurídicos no Direito Individual do Trabalho, conforme restou evidenciado na decisão constante desses próprios autos (fls. 385/387).

Tal entendimento prestigia o princípio constitucional da inafastabilidade da prestação jurisdicional, uma vez que a cláusula ou o compromisso arbitral impedem que o trabalhador tenha sua pretensão analisada de imediato pelo Poder Judiciário, violando o direito constitucional de ação.’

[…]

A SDI-1 desta Corte firmou entendimento de que o instituto da arbitragem previsto na

Lei n.º 9.307/96 é inaplicável ao Direito Individual do Trabalho.

Cito os seguintes precedentes:

“ARBITRAGEM. APLICABILIDADE AO DIREITO INDIVIDUAL DE TRABALHO. QUITAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO 1. A Lei 9.307/96, ao fixar o juízo arbitral como medida extrajudicial de solução de conflitos, restringiu, no art. 1º, o campo de atuação do instituto apenas para os litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Ocorre que, em razão do princípio protetivo que informa o direito individual do trabalho, bem como em razão da ausência de equilíbrio entre as partes, são os direitos trabalhistas indisponíveis e irrenunciáveis. Por outro lado, quis o legislador constituinte possibilitar a adoção da arbitragem apenas para os conflitos coletivos, consoante se observa do art. 114, §§ 1º e 2º, da Constituição da República. Portanto, não se compatibiliza com o direito individual do trabalho a arbitragem. 2. Há que se ressaltar, no caso, que a arbitragem é questionada como meio de quitação geral do contrato de trabalho. Nesse aspecto, a jurisprudência desta Corte assenta ser inválida a utilização do instituto da arbitragem como supedâneo da homologação da rescisão do contrato de trabalho. Com efeito, a homologação da rescisão do contrato de trabalho somente pode ser feita pelo sindicato da categoria ou pelo órgão do Ministério do Trabalho, não havendo previsão legal de que seja feito por laudo arbitral. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se nega provimento.” (E-ED-RR-79500-61.2006.5.05.0028, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, SDI-1, Data de Publicação: 30/03/2010);

“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. ARBITRAGEM. TRANSAÇÃO. ALCANCE NO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO. Esta Corte vem firmando posicionamento no sentido de que a solução de conflitos oriundos da relação de trabalho efetivada perante o juízo arbitral não é compatível com o Direito Individual do Trabalho, considerando-se a significativa gama de direitos indisponíveis e irrenunciáveis e o desequilíbrio entre as partes decorrente da hipossuficiência típica da relação de emprego. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR-106500-58.2008.5.15.0005, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: 09/09/2011);

“RECURSO DE REVISTA. ARBITRAGEM. DISSÍDIOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS. INCOMPATIBILIDADE. Nos dissídios coletivos, os sindicatos representativos de determinada classe de trabalhadores buscam a tutela de interesses gerais e abstratos de uma categoria profissional, como melhores condições de trabalho e remuneração. Os direitos discutidos são, na maior parte das vezes, disponíveis e passíveis de negociação, a exemplo da redução ou não da jornada de trabalho e de salário. Nessa hipótese, como defende a grande maioria dos doutrinadores, a arbitragem é viável, pois empregados e empregadores têm respaldo igualitário de seus sindicatos. No âmbito da Justiça do Trabalho, em que se pretende a tutela de interesses individuais e concretos de pessoas identificáveis, como, por exemplo, o salário e as férias, a arbitragem é desaconselhável, porque outro é o contexto: aqui, imperativa é a observância do princípio protetivo, fundamento do direito individual do trabalhador, que se justifica em face do desequilíbrio existente nas relações entre trabalhador – hipossuficiente – e empregador. Esse princípio, que alça patamar constitucional, busca, efetivamente, tratar os empregados de forma desigual para reduzir a desigualdade nas relações trabalhistas, de modo a limitar a autonomia privada. Imperativa, também, é a observância do princípio da irrenunciabilidade, que nada mais é do que o desdobramento do primeiro. São tratados aqui os direitos do trabalho indisponíveis previstos, quase sempre, em normas cogentes, que confirmam o princípio protetivo do trabalhador. Incompatível, portanto, o instituto da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR-13100-51.2005.5.20.0006, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: 14/10/2011);

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. JUÍZO ARBITRAL. DISSÍDIO INDIVIDUAL. DESCABIMENTO. Aparente violação do art. 5º, XXXV, da Constituição da República, nos moldes da alínea “c” do art. 896 da CLT, a ensejar o provimento do agravo de instrumento, nos termos do art. 3º da Resolução Administrativa nº 928/2003. Agravo de instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. JUÍZO ARBITRAL. DISSÍDIO INDIVIDUAL. DESCABIMENTO. Essa Corte Superior tem se posicionado pela inaplicabilidade da convenção arbitral aos dissídios individuais trabalhistas, mormente na presente hipótese, em que conferida plena e geral quitação dos direitos decorrentes do contrato de trabalho, em contrariedade à Súmula 330/TST. Viola, nesse passo, o art. 5º, XXXV, da CF/88 decisão regional no sentido de que, “se as partes, de livre e espontânea vontade, decidem se submeter ao instituto da arbitragem, devem aceitar a solução ali encontrada, não podendo em seguida, recorrer ao Poder Judiciário, para discutir a mesma matéria”. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR-93900-53.2001.5.05.0611, Rel. Min. Rosa Maria Weber, 3ª Turma, Data de Publicação: 13/11/2009);

“RECURSO DE REVISTA. ARBITRAGEM. RELAÇÕES INDIVIDUAIS DE TRABALHO. INAPLICABILIDADE. As fórmulas de solução de conflitos, no âmbito do Direito Individual do Trabalho, submetem-se, é claro, aos princípios nucleares desse segmento especial do Direito, sob pena de a mesma ordem jurídica ter criado mecanismo de invalidação de todo um estuário jurídico-cultural tido como fundamental por ela mesma. Nessa linha, é desnecessário relembrar a absoluta prevalência que a Carta Magna confere à pessoa humana, à sua dignidade no plano social, em que se insere o trabalho, e a absoluta preponderância deste no quadro de valores, princípios e regras imantados pela mesma Constituição. Assim, a arbitragem é instituto pertinente e recomendável para outros campos normativos (Direito Empresarial, Civil, Internacional, etc.), em que há razoável equivalência de poder entre as partes envolvidas, mostrando-se, contudo, sem adequação, segurança, proporcionalidade e razoabilidade, além de conveniência, no que diz respeito ao âmbito das relações individuais laborativas. Recurso de revista não conhecido.” (RR-192700-74.2007.5.02.0002, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, Data de Publicação: 28/05/2010).

O STF, no julgamento do RE N. 590.415, aos 30 de abril de 2015, fixou tese vinculante sobre a validade de renúncia a direitos fundamentais sociais e sobre o alcance dos instrumentos coletivos de trabalho, acordos e convenções coletivas; vejam os principais excertos do Acórdão lavrado neste Processo:

“ […]

II. LIMITAÇÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE DO EMPREGADO EM RAZÃO DA ASSIMETRIA DE PODER ENTRE OS SUJEITOS DA RELAÇÃO INDIVIDUAL DE TRABALHO

8. O direito individual do trabalho tem na relação de trabalho, estabelecida entre o empregador e a pessoa física do empregado, o elemento básico a partir do qual constrói os institutos e regras de interpretação. Justamente porque se reconhece, no âmbito das relações individuais, a desigualdade econômica e de poder entre as partes, as normas que regem tais relações são voltadas à tutela do trabalhador. Entende-se que a situação de inferioridade do empregado compromete o livre exercício da autonomia individual da vontade e que, nesse contexto, regras de origem heterônoma – produzidas pelo Estado-  desempenham um papel primordial de defesa da parte hipossuficiente.

Também por isso a aplicação do direito rege-se pelo princípio da proteção, optando-se pela norma mais favorável ao trabalhador na interpretação e na solução de antinomias.

9. Essa lógica protetiva está presente na Constituição, que consagrou um grande número de dispositivos à garantia de direitos trabalhistas no âmbito das relações individuais. Essa mesma lógica encontra-se presente no art. 477, §2º, da CLT e na Súmula 330 do TST, quando se determina que a quitação tem eficácia liberatória exclusivamente quanto às parcelas consignadas no recibo, independentemente de ter sido concedida em termos mais amplos.

10. Não se espera que o empregado, no momento da rescisão de seu contrato, tenha condições de avaliar se as parcelas e valores indicados no termo de rescisão correspondem efetivamente a todas as verbas a que faria jus. Considera-se que a condição de subordinação, a desinformação ou a necessidade podem levá-lo a agir em prejuízo próprio. Por isso, a quitação, no âmbito das relações individuais, produz efeitos limitados. Entretanto, tal assimetria entre empregador e empregados não se coloca – ao menos não com a mesma força – nas relações coletivas.

11. O segundo elemento relevante para uma adequada compreensão da limitação da autonomia da vontade no âmbito do Direito de Trabalho encontra-se no modelo de normatização justrabalhista que inspirou a legislação infraconstitucional brasileira. De acordo com a doutrina, um modelo de normatização pode se caracterizar pelo predomínio de normas de origem autônoma, baseadas no exercício da autonomia privada das categorias de empregadores e de trabalhadores, ou pelo predomínio de normas de origem heterônoma ou estatal.

12. Nos modelos de normatização autônoma, os conflitos entre capital e trabalho são, como regra, resolvidos no âmbito da sociedade civil, através de mecanismos de negociação coletiva entre sindicatos, associações profissionais e trabalhadores. Pode haver legislação estatal tutelando os direitos mais essenciais ou dispondo sobre procedimentos a serem observados no âmbito das negociações coletivas, mas as normas que regulam as relações de trabalho são produzidas pelos particulares, com considerável liberdade, através de instrumentos similares aos acordos e convenções coletivas. Esse é o modelo típico das democracias consolidadas, defendido pela Organização Internacional do Trabalho.

[…]

O Supremo reconheceu as convenções e os acordos coletivos como instrumentos legítimos de prevenção e de autocomposição de conflitos trabalhistas; tornou explícita a possibilidade de utilização desses instrumentos, inclusive para a redução de direitos trabalhistas; atribuiu ao sindicato a representação da categoria; impôs a participação dos sindicatos nas negociações coletivas; e assegurou, em alguma medida, a liberdade sindical, vedando a prévia autorização do Estado para a fundação do sindicato, proibindo a intervenção do Poder Público em tal agremiação, estabelecendo a liberdade de filiação e vedando a dispensa do diretor, do representante sindical ou do candidato a tais cargos. Nota-se, assim, que a Constituição prestigiou a negociação coletiva, bem como a autocomposição dos conflitos trabalhistas, através dos sindicatos.

[…]

16. O novo modelo justrabalhista proposto pela Constituição acompanha a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/194910 e na Convenção n. 154/198111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), às quais o Brasil aderiu, e que preveem:

Convenção n. 98/1949:

‘Art. 4º — Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais, para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de Emprego.’ (Grifou-se)

Convenção n. 154/1981:

‘Art. 2 — Para efeito da presente Convenção, a expressão ‘negociação coletiva’ compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com fim de:

a) fixar as condições de trabalho e emprego; ou b) regular as relações entre empregadores etrabalhadores; ou

c) regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.’ (Grifou-se)

‘Art. 5 — 1. Deverão ser adotadas medidas adequadas às condições nacionais no estímulo à negociação coletiva.

[…]

18. Assim, se a rigorosa limitação da autonomia da vontade é a tônica no direito individual do trabalho e na legislação infraconstitucional anterior à Constituição de 1988, o mesmo não ocorre no que respeita ao direito coletivo do trabalho ou às normas constitucionais atualmente em vigor.

V. A AUTONOMIA COLETIVA DA VONTADE E OS PRINCÍPIOS

APLICÁVEIS AO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

20. Diferentemente do que ocorre com o direito individual do trabalho, o direito coletivo do trabalho12, que emerge com nova força após a Constituição de 1988, tem nas relações grupais a sua categoria básica. O empregador, ente coletivo provido de poder econômico, contrapõe-se à categoria dos empregados, ente também coletivo, representado pelo respectivo sindicato e munido de considerável poder de barganha, assegurado, exemplificativamente, pelas prerrogativas de atuação sindical, pelo direito de mobilização, pelo poder social de pressão e de greve. No âmbito do direito coletivo, não se verifica, portanto, a mesma assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Por consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual.

[…]

25. Por fim, de acordo com o princípio da adequação setorial negociada, as regras autônomas juscoletivas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo, mesmo que sejam restritivas dos direitos dos trabalhadores, desde que não transacionem setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade absoluta. Embora, o critério definidor de quais sejam as parcelas de indisponibilidade absoluta seja vago, afirma-se que estão protegidos contra a negociação in pejus os direitos que correspondam a um ‘patamar civilizatório mínimo’, como a anotação da CTPS, o pagamento do salário mínimo, o repouso semanal remunerado, as normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, a liberdade de trabalho etc.

Enquanto tal patamar civilizatório mínimo deveria ser preservado pela legislação heterônoma, os direitos que o excedem sujeitar-se-iam à negociação coletiva, que, justamente por isso, constituiria um valioso mecanismo de adequação das normas trabalhistas aos diferentes setores da economia e a diferenciadas conjunturas econômicas”.

Indiscutivelmente, faz-se imperiosa a necessidade de todas as entidades sindicais de trabalhadores refletirem, de forma circunstanciada, a decisão acima, para balizarem  a sua atuação e a sua vigilância.

Ao debate!

 

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  José_Geraldo_Santana fotoJosé Geraldo de Santana Oliveira

Assess. Jurídico do Sinpro Goiás

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Jorn. FERNANDA MACHADO

Assess. de Imprensa e Comunic. do Sinpro Goiás

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O ‘sonho dantesco’ da sessão que aprovou a MP 665

“Qual um sonho dantesco as sombras voam!…

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!…” 

Os emblemáticos a apavorantes versos da epígrafe representam a forma poética, em linguagem metafórica, como o mais ardoroso abolicionista brasileiro de todos os tempos, o imortal Poeta Castro Alves, descreve o tráfico negreiro – pai da escravidão negra -, no mais vibrante e retumbante brado contra essa inapagável horrenda mácula da história: o poema “O Navio Negreiro”, escrito em 1868.

Pois é, quem não conhece o contexto dos abjetos tráfico negreiro e escravidão negra, e teve o desonroso desatino de assistir ao vivo – ou o fizer por vídeo -, o desenrolar da sessão plenária da Câmara Federal do dia 6 de maio corrente, quando foi votada a conversão da Medida Provisória N. 665/2014 em projeto de lei (PL) que reduz o seguro-desemprego, o seguro defeso e o abono salarial, ficou – fica e ficará – com a nítida impressão  de que o poeta Castro Alves acabara de escrever os epigrafados versos com a finalidade de descrever tal sessão; pois, nela, fantasmagóricas sombras voaram e Satanás riu-se, a riso solto, durante várias horas em que durara.

O espetáculo produzido por tal sessão é inenarrável e inimaginável; nela, viu-se – vê-se e ver-se-á – porque essas imagens e os seus nefastos reflexos são indeléveis. Por um lado, partidos políticos de trajetória longeva, sempre em prol e em defesa dos direitos fundamentais sociais e das justas reivindicações dos trabalhadores, e que nunca se curvaram ante o perigo e o terror, como o PCdoB e o PT, orientarem as suas bancadas a votar pela drástica redução destes, objetivo primeiro e maior da destacada MP.

Por outro, partidos políticos com trajetória diametralmente oposta, como o PSDB, o DEM, o PPS e o Solidariedade – madrugadores de primeira hora na centenária sanha do empresariado brasileiro de promover a redução de custos de seus empreendimentos, e, por conseguinte, o aumento de seus lucros a custo da supressão dos comentados direitos – orientarem as suas bancadas a votar pela rejeição da MP; e, o que é pior, alardearem que assim agiam em defesa dos trabalhadores, quando, em verdade, fizeram-no com a única finalidade de enfraquecer e desacreditar o governo Dilma, para, com isso, arrumarem pretexto para aplicação de golpe institucional, e, assim, recuperarem o poder político que perderam, pelo voto, em quatro eleições presidenciais sucessivas.

Para ilustrar essa assertiva, basta que se diga que todos os deputados do PSDB, sem falta e exceção, votaram não.

Esses falsos defensores dos trabalhadores são os mesmos que em abril próximo passado aprovaram o Projeto de Lei (PL) N. 4330/2004, que, se for convertido em lei, representará a maior e mais certeira derrota destes de todos os tempos, transformando os fundamentos, os princípios e garantias constitucionais de dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e do bem estar e da justiça sociais em escombros, em  terra arrasada.

A conduta desses falsos paladinos dos direitos encaixa-se como luva na crônica (sem data) de Machado de Assis, “A Igreja do Diabo”; senão, vejam-se, em alguns de seus  excertos:

“Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada. Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada.  […] Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente.”

Nunca foram vistos tantos canhotos, no sentido machadiano, como na realçada sessão plenária da Câmara Federal; haja fraude e hipocrisia.

É bem de ver-se – e é preciso que se registre- que muitos deputados que votaram pela rejeição da realçada MP fizeram-no por convicção e por coerência, como dois do PCdoB, vários do PSB e do PDT e todos do PSOL, e alguns de outros partidos, até mesmo dos adeptos da igreja do Diabo, não podendo, em hipótese alguma, ser postos nesta fantasmagórica nau dos hipócritas.

Faz-se imperioso salientar que, igualmente, soa falsa e desprovida de sinceridade a afirmação de que o governo negociou e transigiu. Isto é facilmente desmentido pelo simples cotejo entre os direitos que eram garantidos e os que restaram após a aprovação da MP em questão. O que em verdade aconteceu é que o governo não conseguiu reduzir os direitos ao seguro-desemprego e defeso e ao abono salarial na proporção determinada pela MP 665/2014; e nada mais.

Ora, como se pode chamar de negociação a sanha de quem pretende subtrair, à força, direitos fundamentais, assegurados, consagrados, como o são os aqui discutidos, em grande parcela,  mas que, por força de repúdio quase generalizada deste ato de subtração, viu-se contingenciado a contentar-se com uma parcela menor?

Após as idas e vindas dessa suposta negociação, os trabalhadores não só não ganharam nada como viram dobrar a exigência para conseguir o seguro-desemprego e o defeso, e a lei alterar a Constituição Federal (CF) – o que é inadmissível no constitucionalismo brasileiro, em que impera a superioridade constitucional – para reduzir a quase nada o alcance do abono salarial, garantido pelo Art.239, § 3º, da CF.

Se os verbos negociar e transigir guardassem alguma sintonia com os resultados da MP 665/2014, seria absolutamente imprescindível a sua revogação, por decreto irrevogável.

Diante deste quadro dantesco, só resta aos trabalhadores seguirem a inesquecível lição do escritor norte-americano John Dickson: “Unidos ficamos de pé. Divididos, caímos”.

 

José Geraldo de Santana Oliveira é Assessor Jurídico do Sinpro Goiás

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As mais de mil e uma noites do PNE e as batalhas do porvir

Finalmente, após a longa agonia de 1.241 dias – mais longa do que a magnífica lenda árabe das mil e uma noites, que narra as aventuras de Sherazade em prol do respeito à dignidade das mulheres, até então negada, da forma mais vil que se conheceu –, a discussão de mais de 3 mil emendas ao texto original, com marchas e contramarchas, avanços e recuos, e mais 22 dias de espera, após a sua aprovação, foi sancionada a Lei N. 13.005/2014, que institui o Plano Nacional de Educação (PNE), para viger de 25 de junho de 2014 a 24 de junho de 2024.

A referida lei compõe-se de 14 artigos, 20 metas e  243 estratégias, que, nos próximos dez anos, serão a constituição da educação; e que trazem a marca da timidez, na maioria delas. Além de passar ao largo de temas primordiais, como o da sua condição sistêmica, abrangendo as escolas públicas e particulares, que, indiscutivelmente, obrigam-se a todas as regras ditadas àquelas, com exceção da gratuidade, do concurso público e da eleição direta para diretores administrativos, sem, contudo, dispensar a gestão democrática, princípio constitucional insculpido no Art. 206, inciso VI, da Constituição da República Federativa do Brasil (CR).

O PNE aprovado não é o dos sonhos, acalentados pela sociedade brasileira há várias décadas, desde, pelo menos, o Manifesto dos Pioneiros da Educação, de 1932; guarda pouca sintonia com o que foi pugnado pela Conferência Nacional de Educação de 2010.

Todavia, parafraseando o saudoso Mestre Anízio Teixeira que, em comentário sobre a Lei N. 4.024/61, que aprovou a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), asseverou: “Meia vitória; mas, vitória”, pode-se dizer que o recém-aprovado PNE representa, ao menos, meia vitória; sobretudo se se considerar a guerra sem fronteiras que se travou no curso de sua tramitação no Congresso Nacional, com artilharia pesada por todos os lados, notadamente vindas do Poder Executivo e dos lobbys privatistas.

Começa, agora, uma nova e longa batalha, sem trégua, para a efetivação de todas as suas 20 metas e 243 estratégias, e para a conquista das bandeiras por ele não contempladas, como, por exemplo, a construção do Sistema Nacional de Educação, bandeira que se acha prestes a completar 200 anos – foi suscitada pela primeira fez em 1823 –; a efetiva colaboração entre os entes federados, com o integral cumprimento da Estratégia  N. 20.10, que estabelece o custo aluno qualidade (CAQ) e a inarredável obrigação da União de suplementá-lo em todos os entes federados que não dispuserem de condições para tanto; a exigência de cumprimento, pela iniciativa privada, de todas as regras da educação pública, com exceção da gratuidade, do concurso público e da eleição para diretores administrativos, pois que a educação é sistêmica, não existindo duas realidades distintas, sendo a primeira, a pública, um direito social, e a segunda, a privada, mera mercadoria, como querem os donos e asseclas. Só existe uma educação, que é o primeiro dos direitos fundamentais sociais, conforme o Art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil (CR), apesar de ser livre à iniciativa privada, desde, é claro, que cumpra todas as normas gerais, como determina o Art. 209, também da CR.

Parafraseando Guimarães Rosa, que, em uma de suas múltiplas inesquecíveis lições de vida, afirma: “O correr a vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta, depois esfria; aperta e daí afrouxa; sossega e depois se desinquieta. O que a vida quer da gente é coragem”.

À luta, em busca do padrão de qualidade social da educação, com coragem e destemor, o que a vida que segue e se transforma a cada instante exige de todos.

 

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José Geraldo de Santana Oliveira (Assess. Jurídico do Sinpro Goiás)