Governo – Página: 3
Categorias
Atualidades Geral Recomendadas

Dieese: “Custo do desmonte dos sindicatos será alto para a sociedade”

 

“A Reforma Trabalhista quer quebrar os sindicatos”, enfatizou o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em entrevista ao Portal Sul21, ao avaliar as graves consequências Reforma Trabalhista sobre as entidades representativas da classe trabalhadora.

“Nós temos uma mudança de organização do patrimônio das empresas. Cada vez mais, as médias e grandes corporações estão mudando de propriedade. Isso significa que o dono tradicional familiar transfere a propriedade para fundos de investimento que têm outra lógica de organização”, avaliou Clemente.

Ele também indicou o efeito nocivo com o avanço das privatizações. “O capitalista nacional, que estrutura a base do sistema produtivo do país, não é mais nacional. Os novos proprietários dessas empresas querem segurança e liberdade para agir do jeito que bem entenderem. Os interesses que estão por trás destes negócios e que apoiaram o impeachment da presidenta Dilma são os mesmos interesses fazem guerra no Oriente Médio, matam, destroem países, acabam com a democracia, fazem o que for necessário. Não há negócios no mundo como os que estão sendo feitos no Brasil. É muito sério e grave o que está acontecendo”, afirma o sociólogo.

Acompanhe íntegra da entrevista:

Sul21: Qual balanço é possível fazer da situação do trabalho no Brasil pós-Reforma Trabalhista aprovada pelo governo Temer? Já é possível medir impactos da mesma sobre os direitos dos trabalhadores e sobre a vida dos sindicatos?

Clemente Ganz: A reforma impacta o acesso dos trabalhadores à justiça, a formação das convenções e acordos coletivos e a vida sindical. Tudo isso, em conjunto, tem um impacto sobre o sistema de proteção estabelecido pelo direito trabalhista. Tudo está sendo impactado simultaneamente. É muito difícil isolar o que está afetando o quê. Ao mesmo tempo, temos uma grave recessão econômica que tem um brutal efeito sobre o mercado de trabalho e sobre o desemprego. Paralelamente a tudo isso, temos mudanças muito profundas na estrutura produtiva.

O que é claro é que a mudança na legislação trabalhista visa criar uma condição de máxima flexibilidade para que o capital se reorganize no processo de mudança profunda que ele está realizando. Ele quer ter a máxima segurança jurídica nestas transformações, menor pressão sindical e menor passivo trabalhista. É para isso que a legislação foi alterada.

Ela começa a produzir seus efeitos. Os dados começam a mostrar que houve queda de acesso à Justiça. Os trabalhadores têm menor iniciativa de acessar a Justiça pelos motivos que a nova legislação criou. Além disso, os sindicatos têm observado que os patrões vêm para as negociações com uma pauta trabalhista, do lado do capital, de desmobilização de direitos. Isso tem um efeito importante sobre as negociações coletivas.

Do outro lado, as negociações coletivas passam a absorver essa pauta de desmobilização de direitos e de intransigência patronal. Isso tem travado as negociações. O patrão quer reduzir direitos e não quer financiar os sindicatos por meio da convenção ou do que os trabalhadores decidirem. Os sindicatos, por sua vez, não querem aceitar redução de direitos e querem definir uma regra de financiamento sindical. É uma situação de travamento das negociações.

E os direitos trabalhistas passam a ser desmontados dia após dia. Os dez principais motivos de queixas na Justiça do Trabalho estão ligados a fraudes nas homologações que, agora, podem ser feitas sem a assistência dos sindicatos. Ninguém sabe a quantidade de problemas que está se acumulando nestas homologações. Saberemos um dia? Não sei. Se o trabalhador não entra na Justiça não podemos saber quais fraudes ocorreram. Se a homologação que um trabalhador assinou prevê que ele não pode entrar na Justiça, não temos como saber o que está acontecendo.

Além disso, nas novas contratações que estão sendo feitas, sob o novo regime, começa a aparecer o contrato intermitente, a jornada parcial com prazos determinados já com as novas regras. Os empregadores têm dito que estão se organizando para fazer uso mais intensivo disso. Não fizeram antes porque foi editada uma medida provisória que criou certa insegurança.

Como essa medida provisória caducou, estão se sentindo mais seguros. As assessorias jurídicas deles estão orientando para que não façam as coisas de qualquer jeito para não criar uma animosidade contra a legislação. A orientação é que façam isso gradualmente. Se começarem a fazer coisas muito escandalosas, correm o risco de sofrer algum tipo de intervenção. Na verdade, pelas novas regras, estão autorizados a fazer o que bem quiserem.

Há, de fato, uma estratégia patronal mais cuidadosa para que a maldade seja feita em doses homeopáticas. Mas isso não significa que eles não estão implementando as novas regras. As coisas estão acontecendo e logo vamos começar a sentir os efeitos. Um dos efeitos mais estruturais é a ampliação do subemprego, da subocupação. A tendência é que o desemprego diminua e aumente a subocupação. A taxa de subocupação que o Dieese divulga como desemprego pelo trabalho precário e pelo desalento, e que o IBGE divulga como subocupação, passam a ser taxas fundamentais de serem acompanhadas. A tendência é que as pessoas passem a ter ocupações precárias que não vão ser classificadas como desemprego aberto clássico.

Sul21: Poderia dar alguns exemplos dessas formas de subocupação e de trabalho precário que devem aumentar nos próximos meses?

Clemente Ganz: É um trabalhador, por exemplo, contratado para trabalhar quatro horas por dia. Em valor/hora, ele pode ganhar meio salário mínimo. Isso é uma subocupação porque ele poderia e precisaria trabalhar oito horas para ter uma renda adequada. Como entre não ter nada e ter 450 reais é melhor ter 450 reais é isso que ele vai ter. Temos ainda o caso do trabalhador intermitente que faz uma ficha em dez empresas e fica esperando em casa que alguma delas ligue pra ele. Se ligarem ele vai trabalhar as horas para as quais for chamado e receber por essas horas. Em um mês ele pode ser chamado para 200 horas de trabalho, em outro pode ser para 100 horas e assim por diante. Se não chamarem para nenhuma hora no mês, não receberá nada.

Há também outras formas de ocupação como o trabalhador autônomo, os prestadores de serviço, os PJs que são pessoas jurídicas formalmente constituídas que podem prestar serviços para uma única empresa ou mais de uma. Além de precariedade no trabalho, isso traz fragilidade na Previdência Social por que essas pessoas não contribuem para a Previdência, necessariamente. Além da queda de arrecadação, isso gera um problema futuro para o Estado. Quando essas pessoas ficarem velhas e tiverem problemas, alguém terá que dar algum tipo de assistência a elas. Em última instância será o Estado que terá que dar essa assistência. Os efeitos são múltiplos.

Em função da dimensão da reforma é muito difícil dizer o quanto cada coisa depende do quê e causa o quê. Os números ainda são incipientes. Daqui a um ou dois anos, as pesquisas e os registros administrativos começarão a consolidar os dados. Alguns deles já podem ser observados como é o caso da Justiça. Os dados mostram uma queda de mais da metade do número de ações na Justiça. Vamos ver nos próximos meses e anos se essa tendência permanece.

Sul21: Você mencionou as mudanças profundas na estrutura produtiva que estão ocorrendo no sistema capitalista em escala global. Poderia detalhar um pouco as principais características dessas mudanças?

Clemente Ganz: Nós temos uma mudança de organização do patrimônio das empresas. Cada vez mais, as médias e grandes corporações estão mudando de propriedade. Isso significa que o dono tradicional familiar transfere a propriedade para fundos de investimento que têm outra lógica de organização. Eles estruturam a empresa para dar um retorno rápido e grande ao acionista e não para fazer um investimento produtivo na própria empresa. Isso muda a lógica do que é uma empresa. Há uma mudança também nos investimentos destinados à modernização tecnológica que agora se expande para o setor de serviços, especialmente comércio, e para a própria esfera pública. Há uma mudança no padrão tecnológico que passa a substituir força de trabalho em áreas onde a gente achava que não isso não seria possível.

O movimento sindical está começando a tomar iniciativas para tentar gerar respostas coerentes. Há iniciativas para reorganizar os sindicatos, envolvendo fusões, articulações, mudanças na estrutura sindical, simplificação, tentativa de ramificar o sindicato para a base, para o local de trabalho e para o bairro. No caso do setor de serviços, fracionado do jeito que é, fica muito difícil encontrar o local de trabalho desses trabalhadores. Uns trabalham em casa, outros na rua, outros por meio do celular. Para muitos deles, não há mais um local de trabalho propriamente. Em função disso, o bairro passa a ser uma referência importante.

Por outro lado, esse cenário de profundas transformações abre novas possibilidades também, como, por exemplo, criar um sindicato por meio do celular, que deixou de ser um aparelho de conversa, mas sim de comunicação e de processamento de dados. Hoje, é possível ter um sindicato organizado pelo celular, reunindo, deliberando e fazendo assembleia por meio dele. É possível conversar e fazer o trabalho de base pelo celular.

Há uma tendência de os sindicatos compreenderem que a sua atuação exigirá a construção de um sistema de proteção mais universal. Na medida em que você tem grandes massas de trabalhadores desprotegidos, altamente flexibilizados e trabalhando em várias situações ocupacionais instáveis e precárias, isso passa a ser uma dinâmica estrutural. Uma das atuações dos sindicatos pode ser justamente a de lutar por macrorregulações como a política de valorização do salário mínimo, política de proteção da saúde do trabalhador, política associada ao custo do transporte coletivo ou de garantia de habitação de interesse social. Essas políticas podem fazer com que o custo de vida seja reduzido para dar conta de uma situação onde o trabalhador tem uma remuneração menor e o Estado transfere, por meio dos impostos, bens e serviços de interesse público.

Talvez tenhamos que criar também formas de complementação de renda como as propostas de renda mínima ou renda básica de cidadania, onde o Estado garante esse complemento. Um dos objetivos desse tipo de proposta, além da proteção das pessoas, é garantir mercado de consumo. Se as pessoas não puderem consumir, as empresas vão vender seus produtos para quem? Os japoneses, agora, para acessarem a previdência social, só precisam ter 10 anos de contribuição.

Ao invés de aumentar o tempo de contribuição, que é o que nós estamos fazendo na nossa Previdência, eles estão diminuindo porque quase um terço da população japonesa tem mais de 60 anos. Se essas pessoas não tiverem renda, pela aposentadoria, as empresas vão perder mercado de consumo. É uma lógica completamente diferente. Tudo aquilo que orientou a nossa formação do sistema previdenciário terá que ser reorganizado. Os sindicatos têm que se preparar para isso, para viver em um novo ambiente, para novas formas de regulação, por um novo papel de representação e para uma nova estratégia de enfrentamento.

O capital está se organizando de uma forma diferente. De modo até relativamente contraditório, parte desse capital que opera no mundo é constituída por centavos recolhidos de milhões e bilhões de trabalhadores dispersos no mundo. Os ricos detém boa parte dos fundos de investimento e os controlam, mas estes fundos também reúnem pequenas poupanças dos trabalhadores do mundo todo. Os controladores dos fundos trabalham para devolver a esses micro-investidores algo que é contrário ao seu interesse como trabalhador, que é ter um emprego. O mundo está mais complexo e isso não é simples para o sindicato entender. Mais difícil ainda é encontrar formas de reagir a esse quadro.

Sul21: Você participou intensamente da experiência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), criado pelo governo Lula e que, entre outras coisas, procurou estabelecer um espaço de diálogo entre capital e trabalho. Pela posição que o empresariado brasileiro adotou nos últimos anos, apoiando o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e o desmonte de direitos sociais e trabalhistas, você diria que a consciência desse setor não evoluiu nada com a experiência de diálogo do Conselhão?

Clemente Ganz: É difícil responder isso. O interesse do empresário é proteger e viabilizar a sua empresa. O Conselho, em alguma medida, era um espaço no qual o governo provocava sindicatos, empresários e outros atores sociais a pensar o interesse do país. O presidente Lula era um exímio provocador neste sentido. Ele levava demandas que obrigavam o Conselho a se reposicionar. Vou citar um caso em que isso aconteceu. Em um café da manhã, em 2004, o presidente disse: eu já fiz minha primeira tarefa em 2003, agora quero colocar o país no centro do desenvolvimento. Quais as propostas que vocês têm para isso? Alguns meses depois, tínhamos levantado 300 propostas, um número obviamente muito grande.

Essa questão suscitou o seguinte debate no Conselho: nós fizemos o nosso trabalho pensando nas nossas demandas setoriais, o que é legítimo, mas o presidente não pediu as nossas agendas particulares, mas sim um projeto de desenvolvimento para o Brasil. A partir daí, passamos a discutir uma agenda para o país que não se reduzia às nossas demandas setoriais.

Isso é um exemplo do espaço de debates que o Conselho podia promover. Com a participação do governo, foi possível construir acordos. O Conselho aprovou, por exemplo, mudanças na educação, política de cotas e um monte de coisas que, em um momento anterior, não aprovaria. Esse espaço de diálogo criou um nível de consciência a respeito de algumas coisas que eram necessárias para o país. Olhando para a nossa realidade de hoje, quinze anos depois, a gente se pergunta: cadê o empresário? O empresário agora é representado por um preposto de um fundo de investimento que está lá na Inglaterra. Qual o compromisso que esse preposto, funcionário do fundo de investimento, tem com o Brasil? Nenhum. Ele é um operador do fundo. Quem são os proprietários de capital hoje no Brasil com quem a gente possa fazer algum tipo de acordo?

A Reforma Trabalhista quer quebrar os sindicatos. Veja o que aconteceu na greve dos caminhoneiros. O que é conduzir uma greve como esta, com locaute junto, quando se tem dúvida sobre a legitimidade da representação dessa categoria? Um governo incompetente na negociação com uma liderança do jeito que está posta resulta no caos que tivemos. O custo do desmonte dos sindicatos será muito alto para a sociedade. Os problemas existem e se eles expressam do jeito que foram expressos na greve dos caminhoneiros isso pode gerar graves consequências. E esse problema, vale observar, está longe de ser encerrado. O governo fez um acordo por dois meses. E daqui a dois meses, o que ele fará? Os caminhoneiros vão ficar quietos?

Olhar para a frente significa pensar sobre quais são as representações de interesses que são capazes de se colocar em torno de uma mesa para conversar sobre os problemas do país. O Conselho se propunha a fazer isso. Nós ainda temos empresários nacionais, mas as grandes empresas estão sendo transferidas para o capital internacional. O micro, pequeno e médio empresário nacional tem capacidade de confrontar-se com essa estratégia? Nós vamos retomar os poços de petróleo que foram vendidos e recolocar a Petrobras sob a estratégia de uma empresa estatal? Vamos retomar o setor elétrico que foi vendido? Temos força para fazer isso? É disso que se trata.

Se o Estado permite que as nossas empresas sejam transferidas para o capital internacional do jeito que estão sendo transferidas, estamos perdendo capacidade nacional. O capitalista nacional, que estrutura a base do sistema produtivo do país, não é mais nacional. Os novos proprietários dessas empresas querem segurança e liberdade para agir do jeito que bem entenderem. E se o Estado quiser mudar alguma regra, terá que indenizá-los. É isso que eles estão dizendo. É possível construir um diálogo com essas forças? Talvez seja mais fácil fazer uma negociação direto em Paris, Nova York, Berlim ou Londres, que é onde as decisões são tomadas.

Tem gente ganhando muito dinheiro com esses negócios. Os interesses que estão por trás destes negócios, que apoiaram o impeachment da presidenta Dilma e financiam um monte de coisas, são interesses reais que estão no mundo. Esses mesmos interesses fazem guerra no Oriente Médio, matam, destroem países, acabam com a democracia, fazem o que for necessário. Aqui, estão operando uma das maiores economias do planeta. Transferir Petrobras, Eletrobrás, vender terra para estrangeiro… Não há negócios no mundo como os que estão sendo feitos no Brasil. Os interesses envolvidos são muito poderosos e capazes de mobilizar mudanças institucionais profundas. É muito sério e grave o que está acontecendo no país.

 

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Categorias
Atualidades Geral Recomendadas

Perseguição a professores e Lei da Mordaça serão debatidas na Câmara de Deputados

 

 

A perseguição de professores por membros do “Movimento Escola Sem Partido” será debatida na Comissão da Câmara dos Deputados que trata do Projeto de Lei (PL) Nº 7180/2014. A iniciativa é do deputado João Carlos Bacelar Batista (PODE-BA) que pretende chamar para depor os professores perseguidos Daniel Macedo, da Escola Estadual Lucilo José Ribeiro, de São José da Tapera (AL); Cleonilde Tibiriçá, da Fatec Barueri (SP); Janeth de Souza e Silva, do Instituto de Educação Rangel Pestana, em Nova Iguaçu (RJ); Gabriela Viola, do Colégio Estadual em Curitiba (PR); e Alice Aparecida e Silva, do Instituto de Educação Estadual de Londrina (PR).

O PL, de autoria do deputado Erivelton Santana (PEN-BA) inclui entre os princípios do ensino “o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa. Conhecido como Lei da Mordaça, o projeto é repudiado por várias entidades sindicais e democráticas.

Contee contra a Lei da Mordaça

A Contee lançou, em agosto de 2016, campanha nacional contra a Lei da Mordaça. As peças da campanha estão disponíveis no Portal da Contee e mostram, através das imagens de um professor amordaçado e de uma estudante impedida de ver e ouvir, como os projetos do movimento Escola Sem Partido representam um ataque à liberdade de cátedra e a construção de uma educação crítica e democrática. O mote é ‘‘A minha entidade sindical me defende deste ataque’’. A campanha também conta com um vídeo de denúncia à censura e em defesa da educação crítica e democrática.

Em abril de 2017, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu pela inconstitucionalidade da Lei 7.800/2016, de Alagoas, baseada no projeto Escola sem Partido. Para o ministro, a norma não tem condições de promover uma educação sem doutrinação.

A lei, copiada do texto base do projeto Escola sem Partido, foi questionada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 5.537, proposta pela Contee. Para Barroso, acatando a argumentação da Confederação, a lei “é tão vaga e genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a perseguição dos que dela divergem. Portanto, a lei impugnada limita direitos e valores protegidos constitucionalmente sem necessariamente promover outros direitos de igual hierarquia”.

O magistrado ressaltou que a norma implica desconfiança em relação aos professores, o que não faz sentido em relação ao papel desempenhado por eles na sociedade. Para ele, os professores “têm um papel fundamental para o avanço da educação e são essenciais para a promoção dos valores tutelados pela Constituição. Não se pode esperar que uma educação adequada floresça em um ambiente acadêmico hostil, em que o docente se sente ameaçado e em risco por toda e qualquer opinião emitida em sala de aula”.

Gilson Reis, coordenador geral da Contee, destaca quatro pontos contrários ao projeto: “1 – fere o princípio de autonomia pedagógica das escolas, bem como a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; 2 – propõe a imposição de determinações que cerceiam a atuação docente, contrariando o princípio da autonomia do professor e descaracterizando as possibilidades de efetivação de práticas pedagógicas dialógicas, assim como a própria relação professor-aluno nela implícita; 3 – fragiliza a relação família-escola, ao propor mecanismos que permitem aos pais e tutores censurar a atuação pedagógica de docentes e escolas; e 4 – contraria o princípio de laicidade da educação pública, desconsiderando os princípios que devem reger a atividade que prima pelo respeito à diversidade religiosa, bem como desconsidera outros princípios previstos na legislação educacional brasileira”.

Ataques aos professores

O deputado Bacelar pretende, na audiência, “demonstrar e discutir a perseguição que professores já vêm sofrendo por membros do ‘Movimento Escola Sem Partido’, antes mesmo que os trabalhos desta Comissão sejam concluídos. Daniel Macedo desenvolveu o projeto Diário de Gente — Sexualidade e Gênero, tendo elaborado com os alunos uma série de oficinas com estratégias pedagógicas diferenciadas: analisaram textos e reportagens sobre feminicídio, violência contra a mulher e identidade e expressão de gênero. Também assistiram a filmes e palestras, fizeram uma peça de teatro, apresentações de dança e música e uma sessão de fotografia. Desde então, o professor tornou-se alvo de perseguição. Na Assembleia Legislativa de Alagoas, deputados defensores do Escola Sem Partido cobram uma ‘punição severa’ ao professor. Daniel Macedo também tem sofrido ataques pessoais e difamação nas redes sociais, principalmente por páginas pró-Escola Sem Partido”.

Cleonilde Tibiriçá conta: “Eu trabalho a língua a partir de textos ancorados em um contexto geográfico, sociopolítico. Sempre trabalhei com a aprovação da direção. Tinha lá Hobsbawm, Milton Santos, Chico Buarque, Paulo Freire. Tinha também muitos artigos, alguns da Carta Capital, alguns da Veja. No segundo semestre de 2013, percebi a presença de um aluno estranho, com umas perguntas estranhas. Os textos que ele trazia vinham sempre do Instituto Millenium. Eu só descobri tardiamente que esse moço de 35 anos era ligado a este instituto e ao ‘Escola Sem Partido’ (ESP). Em outubro daquele ano, eu recebi um e-mail do Miguel Nagib, coordenador do ESP, dizendo que tinha recebido uma denúncia e uma série de documentos referentes a minha prática doutrinária em sala de aula. Dizendo que iria publicar três artigos e estava me avisando para que eu me defendesse. Eu respondi que não autorizava a publicação de artigo nenhum, que ele não me conhecia e que, se algum aluno tinha passado informações para eles, eram informações que circulavam no interior de uma relação pedagógica e que ele não deveria ter acesso a isso. Ele ignorou minha resposta e publicou. A primeira publicação ele mandou com cópia para o diretor da Fatec de Barueri, para a superintendente do Paula Souza e para o governador Geraldo Alckmin. Ele dizia que eu fazia aquela prática com o dinheiro do contribuinte. Que merecia sindicância para exoneração. Eu recebi mensagens de pessoas malucas me ameaçando, dizendo que eu não merecia só ser presa por doutrinar jovens contra a família e contra Deus, que eu merecia morrer. Na PUC chegaram a encontrar minha filha, indicaram quem era ela para um maluco e ele começou a gritar: ‘Olha a filha da doutrinadora’ Nunca imaginei que algo assim pudesse um dia acontecer.”

Janeth de Souza e Silva também relata: “Eu sou professora da rede estadual desde 1984 e estou respondendo a uma sindicância por ‘doutrinação ideológica’. Sou professora de inglês e defendo a escola pública como sempre defendi a vida toda. Toda vez que tem uma greve, eu converso com os meus alunos e explico os motivos das greves e o desrespeito que os governantes têm com a educação e os educadores. Acho que eles têm o direito de saber os motivos das greves que os afetam diretamente. E parece que agora isso é tido como doutrinação. Um belo dia fiquei sabendo que havia uma gravação de 40 minutos de uma aula minha, que havia uma sindicância e que a acusação era doutrinação ideológica. Fiquei muito surpresa, mas continuo achando que, se eu for participar de uma greve, meus alunos têm o direito de saber os motivos, mesmo porque ensino futuros professores. A sindicância foi aberta em novembro de 2015 e até agora não tive qualquer notícia.”

Gabriela Viola acredita “que o conhecimento tem que ser construído em parceria com os alunos. Eu levo um tema e a partir de um debate ele vira um conhecimento conjunto. E minha relação com os estudantes foi construída com muito respeito, nunca precisei tirar aluno de sala de aula ou aumentar o tom de voz. E nunca tinha sofrido qualquer tipo de repressão antes do ocorrido. O ataque veio por parte de páginas de direita, principalmente por causa do autor escolhido e do ritmo de música, que é marginalizado dentro da sociedade. A paródia (versão do funk Baile de favela com letra falando das teorias de Karl Marx) foi uma forma que eu encontrei de fazer a sala toda participar do conteúdo. Eles que escolheram o estilo musical, fizeram a paródia. Aí postei a música no Facebook no domingo à noite, e, no dia seguinte, o vídeo já estava em um monte de páginas, inclusive dizendo que era doutrinação ideológica. Algumas páginas de direita me ameaçaram. A coordenação do colégio disse que era para eu ficar em casa enquanto o Núcleo Regional de Educação resolveria o que fazer com meu caso. O fato de me mandarem para casa fez como que os alunos se mobilizassem no colégio e houve duas manifestações, de manhã e à noite, e também criaram a hashtag #VoltaGabi. Na mobilização da noite, a patrulha escolar foi chamada, mas apareceram três carros da Rotam. Acho que ninguém esperava essa pressão dos alunos e acho que a repercussão negativa de me mandar para casa influenciou na decisão de me trazer de volta. Nós, professores, estamos sendo massacrados, apanhamos na rua quando pedimos melhor alimentação nas escolas, estamos sofrendo cortes. Esse projeto Escola Sem Partido vem de setores fundamentalistas que querem cada vez mais uma sociedade passiva e ignorante. A escola sem partido é escola de um partido só”.

Alice Aparecida e Silva leciona geografia: “Em junho, aconteceu um evento organizado pela equipe multidisciplinar do colégio em que nós debatemos a questão de gênero, desde violência contra a mulher, cultura do estupro, orientação sexual em toda a sua diversidade, e culminou no Dia Mundial do Orgulho LGBT. Nós falamos também sobre a questão geracional, acessibilidade, idosos e prevenção de drogas, foi um trabalho amplo chamado ‘Diversidade e Sustentabilidade’. Nosso trabalho foi recortado e denunciado ao Juizado da Infância e Juventude por um advogado que tem um blog chamado ‘Endireita Londrina’, dizendo que estávamos estimulando a erotização infantil e trabalhando a ideologia de gênero – o que, aliás, precisamos discutir porque não existe ideologia de gênero – e ensinando pornografia. Tudo porque um dos grupos, que estava trabalhando a questão da orientação sexual, levou uma drag queen para fazer uma performance na hora do intervalo. Foi uma série de atividades, mas o enfoque foi na performance da drag e em um pedaço de um filme chamado ‘O homossexual não é perverso, perverso é o ambiente onde ele vive’, de 1971. Um professor do próprio colégio fez o recorte, ele é amigo desse advogado. A drag fez uma dança e três trocas de roupas, estava com todas as roupas. Isso está sendo chamado de pornografia. Essa atividade aconteceu no turno em que temos só alunos de ensino médio. E, em todo o trabalho que foi feito, foi feita uma arrecadação de fraldas geriátricas; professores e alunos falaram sobre o que pensam sobre drogas, direitos, deveres, diversidade sexual. Nós respondemos que não infringimos nenhuma lei, que trabalhamos com o conteúdo do MEC e que o foco foi o respeito à diversidade. Fizemos esse trabalho com adolescentes, não havia crianças na escola. Eu fui muito ameaçada na página do advogado. Já abrimos um processo contra o professor e contra o advogado. Esse advogado orienta estudantes a filmar as aulas para denunciar os professores, como na lei da mordaça. As manifestações homofóbicas, machistas e racistas na escola são recorrentes. Trabalhar esses temas é fundamental”.

Para o deputado Bacelar, “por tratar-se de desdobramento tão relevante e que merece ampla discussão, solicitamos a aprovação da Audiência Pública”. A proposta será apreciada na próxima reunião da Comissão.

 

Carlos Pompe da Contee

Categorias
Atualidades Destaques Recomendadas

O mundo assistiu à Paraíso do Tuiuti denunciar a ditadura brasileira no Sambódromo do Rio

 

Desmentindo todas as pessoas que criticam a folia do Carnaval como “alienante”, a escola de samba Paraíso do Tuiuti fez um desfile apoteótico no Sambódromo do Rio de Janeiro na madrugada desta segunda-feira (12), com tema politizado e atual.

Com o enredo “Meu Deus, meu Deus! Está extinta a escravidão?”, de Cláudio Russo, Moacyr Luz, Dona Zezé, Jurandir e Aníbal, a escola mostrou na avenida a reforma trabalhista com as carteiras profissionais e o que chamou de escravidão nos tempos atuais, após o golpe de Estado de 2016, contra a classe trabalhadora e os interesses nacionais.

Assista o desfile completo: 

O enredo da Tuiuti constrangeu os comentaristas da Globo, criticada sutilmente como manipuladora, como mostra o crítico do UOL, Maurício Stycer: “Do camarote da Globo, onde narrava o desfile, Fátima Bernardes, Alex Escobar e Milton Cunha reagiram com comedimento ao surpreendente protesto, como se estivessem constrangidos. ‘As desigualdades vem vindo até os dias de hoje, dias de hoje’, disse Fátima. ‘Muitas confecções usam trabalho escravo’, observou. ‘Os manifestoches’, leu ela, ao ver passar a ala com os patos, sem dizer mais nada. ‘Manipulados’, acrescentou Milton”.

E o samba enredo desceu a avenida levantando o público: “Irmão de olho claro ou da Guiné/Qual será o valor? Pobre artigo de mercado/Senhor eu não tenho a sua fé, e nem tenho a sua cor/Tenho sangue avermelhado/O mesmo que escorre da ferida/Mostra que a vida se lamenta por nós dois/Mas falta em seu peito um coração/Ao me dar escravidão e um prato de feijão com arroz”.

Aprenda o samba enredo: 

Desta vez o mundo viu e a Globo não teve como esconder. A escola empolgou o público e se tornou o segundo assunto mais comentado no Twitter no mundo e ficou no Trending Topics no Brasil. Pode não ganhar o desfile, mas mostrou ao mundo o desmonte dos direitos trabalhistas e do Estado brasileiro pelo governo golpista. Já na segunda-feira (19) tem grande manifestação contra a reforma da previdência.

tuiuti desfile 2018 rio

Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB

Categorias
Atualidades Destaques Recomendadas

Déficit previdenciário: “Não acredite nos números do governo”, alerta presidente da ANFIP

 

O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), Floriano Martins de Sá Neto,  falou nesta quinta-feira (25) ao Portal CTB sobre  a Reforma da Previdência que o governo Temer pretende implantar no Brasil.

Em entrevista transmitida, ao vivo, pela página da central no Facebook, o dirigente comentou o anúncio do déficit previdenciário feito esta semana pelo secretário de Previdência, Marcelo Caetano,  de R$268,8 bi e alertou: “Não acredite nos números do governo  – ele mente e distorce toda a realidade da Previdência Social “.

Para Floriano Sá, o rombo da Previdência não passa de uma falácia, uma estratégia usada por Temer para vender uma reforma, cujo  “um dos pilares é reduzir o gasto social”.

Os impactos na vida dos servidores públicos, do trabalhador e da trabalhadora do campo, da cidade, e a quem a Reforma da Previdência realmente beneficia deram o tom da entrevista.

Confira no vídeo abaixo!

Categorias
Atualidades Geral Recomendadas

A importância do Estado para o ensino superior dos EUA

Não foi só o capital privado que gerou a excelência acadêmica nos EUA. Ao contrário do que se propaga, o papel do Estado no ensino superior norte-americano sempre foi central
Por Aaron Schneider, Fernando Horta e Rafael R. Ioris *


A condução coercitiva injustificada dos reitores da UFMG foi o último, mas não o único, dos ataques sofridos pelas universidades públicas no Brasil após o golpe de 2016. Em meio à redução brutal de recursos destinados à pesquisa e pós-graduação imposta por Temer, presenciamos a retomada do discurso privatizante, eco do início da década de 1990, quando a medida da importância das universidades era feita pelo número de carros nos estacionamentos dos campi ao redor do País.

Ainda que sem base empírica, mas na tentativa de sustentar essa lógica privatista rediviva, repete-se o argumento de que nos Estados Unidos as principais universidades são privadas. Esse discurso reitera não só a ideia de que a maioria das universidades americanas é privada (algo que os fatos desmentem), mas também a noção de que estas seriam mantidas essencialmente com verbas do setor privado.

É verdade que os EUA abrigam muitas das mais prestigiadas universidades do mundo, algumas delas privadas. Na verdade, elas são fundações sem fim lucrativo, uma vez que as que visam ao lucro são péssimas e extremamente malvistas.

É preciso deixar claro, contudo, que mesmo essas ilhas de excelência acadêmica não chegaram a esse ponto contando somente com capital privado. Mesmo nos dias de hoje, elas não conseguiriam se sustentar sem a decisiva participação de diferentes instituições e agências públicas de fomento nas áreas de pesquisa e ensino, seja no nível federal, seja no estadual.

Até meados do século XIX, o modelo que vigorava na educação superior dos Estados Unidos era elitista, voltado para um saber que buscava descobrir as “verdades científicas” e “formar o caráter” dos filhos das elites dirigentes, sem preocupação com a ampliação do perfil universitário da população.

De fato, somente após o término da Guerra Civil americana, em 1865, houve uma profunda ampliação do acesso ao sistema universitário por meio da criação de universidades estaduais públicas (com os chamados Land-Grant Acts), que até hoje são os principais responsáveis pelo ensino de graduação, pós-graduação e mesmo pesquisa nesse país.

Outro marco definidor da expansão e fortalecimento do ensino superior foi a Segunda Guerra Mundial, quando o governo de Franklin Delano Roosevelt passa a conceber as universidades como essenciais na luta contra o fascismo e o nazismo. Inúmeros programas financiados pelo governo passaram a fazer parte das atividades universitárias, tanto nas chamadas “ciências exatas” quanto nas “humanas”.

Ainda que com restrições a uma reflexão mais crítica sobre o papel das ciências na sociedade, esse aporte público permitiu, novamente, o aprofundamento da pesquisa científica e tecnológica, assim como a quase universalização do ensino superior, e um crescimento do número de vagas sem precedentes, por meio de programas de bolsas públicas aos ex-veteranos, conhecido como o “GI Bill”.

Aos poucos, essa dinâmica histórica se diversifica de modo importante. A vinda de intelectuais europeus, antes e durante a Guerra, aumenta de imediato a capacidade de reflexão das universidades americanas, de modo especial nas ciências humanas, que adquirem viés mais crítico.

Esse processo se aprofunda durante a Guerra Fria, quando, embora a ênfase tecnológica e belicista do período tenha permanecido vigente, há o fortalecimento do movimento em prol de maior autonomia acadêmica e uma academia mais democrática, levando à ampliação na quantidade e qualidade dos financiamentos públicos para as disciplinas chamadas “humanas”.

Nos anos 1960 e 1970, com a mobilização crescente de grupos sociais tradicionalmente excluídos, como os afro-americanos, latinos, indígenas e os movimentos de emancipação das mulheres, houve novo esforço de democratização das universidades.

Novos currículos, mais abrangentes, inclusivos e críticos consolidam-se juntamente com o movimento em favor da liberdade de pensamento na Academia (por meio da efetivação e estabilidade do emprego de professor, a chamada tenure, existente até hoje).

Outro ponto importante é a criação de redes de pesquisa nacionais (hoje globais), também possibilitada por investimentos diretos na criação de algumas das melhores bibliotecas universitárias do mundo. Muitas de caráter exclusivamente público.

Um dos argumentos frequentemente utilizados para atacar as universidades públicas é a comparação, descabida, entre as instituições brasileiras e as americanas, em termos de resultados de pesquisa e financiamento privado.

Colocam-se, lado a lado, os números de Prêmios Nobel, publicações, patentes requeridas e, em seguida, afirma-se que o ensino superior nos EUA é majoritariamente privado. A noção de que tudo que é privado é melhor do que qualquer coisa pública se encarrega de apontar o caminho das privatizações ao Brasil. Tal argumento é falacioso por uma série de razões.

Em primeiro lugar, o modelo de financiamento das universidades americanas não é essencialmente privado. Não é hoje, nem historicamente foi ao longo do século XX. Além disso, é preciso lembrar que as condições de produção econômica, assim como de produção científica, diferem imensamente entre o Brasil e os EUA, e tais condições são facilitadoras ou empecilhos à pesquisa e ao ensino.

Por fim, cabe ressaltar que grande parte do que foi conquistado na academia americana resultou do apoio institucional aos seus membros, por meio das redes de pesquisa, formação, publicações, assim como da garantia da liberdade de pensamento e da estabilidade no emprego, a vigorar em todas as instituições, públicas ou privadas.

Infelizmente, muitas dessas conquistas estão sob ameaça. De fato, há sincronismo entre o ataque do governo Trump aos intelectuais e às instituições de ensino superior nos Estados Unidos e a ofensiva do governo Temer, no Brasil. Ambos veem as universidades como ameaças, muito por serem capazes de produzir cidadãos que valorizam a ciência, a racionalidade e os fatos.

Segundo essa visão conservadora, instituições centradas na promoção do pensamento crítico devem ser demonizadas, enfraquecidas e rapidamente entregues aos interesses privados, embora estes nunca tenham se demonstrado capazes de manter ensino e pesquisa de qualidade e extensão necessários, nem nos EUA nem, muito menos, no Brasil.

A mesma lógica que defende a austeridade no tocante à educação também afirma que a Terra é plana, que o nazismo era de esquerda e que se pode julgar cidadãos com base na Bíblia. Esta é uma visão que define a si mesma como “defensora da liberdade”, enquanto impõe aos outros barreiras no exercício efetivo das mesmas.

A questão é: para que serve o conhecimento? Para fazer da sociedade um espaço de exercício e convivência pacífica entre as diferenças que pautam nossas vidas? Ou para conformar todos a um pensamento baseado na ideia de lucro, consumo, finitude e escassez, que não vê saída senão na luta física e política de todos contra todos pela sobrevivência?

As universidades brasileiras ainda deixam muito a desejar no que se refere à sua capacidade de servir como instrumento de inclusão socioeconômica, mas ocorreram inegáveis avanços nos últimos 20 anos.

As mudanças introduzidas desde 2003 “mudaram a cara e a cor” dos campi. Há ainda muito no que se avançar, mas a atual afronta às universidades públicas, em vez de aprofundar o necessário debate sobre seu papel na sociedade, estereotipa, reduz e obscurece os possíveis caminhos a serem tomados.

O que precisamos é de um debate público baseado não em falácias e mitos, mas sim em dados históricos claros, examinados à luz de objetivos nacionais democraticamente definidos e inclusivamente encaminhados.

 

* Aaron Schneider é professor de Estudos Internacionais na Escola Korbel da Universidade de Denver e diretor do programa de mestrado em Desenvolvimento. Fernando Horta é doutorando em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Rafael R. Ioris é professor de História e Política Comparada na Universidade de Denver. 

Fonte: Carta Capital