A aposta na eficiência do setor privado falhou também no financiamento estudantil. O P-Fies, modalidade destinada a estudantes com renda per capita familiar de até cinco salários mínimos e cujo o risco de crédito passou para a administração dos bancos, teve baixíssima adesão no primeiro semestre. Apenas 800 das 210 mil vagas oferecidas acabaram preenchidas, segundo a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior.
O P-Fies divide-se em duas categorias: a principal destina 150 mil vagas para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste a juros de 3%, cobrados pelos bancos gestores dos Fundos Constitucionais de Financiamento das regiões (FCO, FNE e FNO), fontes de recursos. As demais 60 mil são administradas pelos bancos privados, que fixam livremente as taxas. O sistema de financiamento prevê ainda outras 100 mil vagas sem juros, reservadas a postulantes com renda per capita mensal familiar de até três salários mínimos.
A transferência do risco de crédito para os bancos, argumenta o governo, era uma medida necessária para manter a sustentabilidade do programa. O novo Fies foi apresentado como uma alternativa econômica para aliviar os cofres públicos: o Ministério da Educação estima uma economia de 300 milhões de reais ao ano só em taxas bancárias. Também há uma aposta de que o novo formato possa reduzir a taxa de inadimplência, por conta da gestão rigorosa dos bancos. Os calotes mais do que dobraram entre dezembro de 2014 e março deste ano: de 18,9% para 41%. Um devedor é considerado inadimplente quando está há ao menos 90 dias sem pagar o valor devido. Em março, este era o caso de 249.433 estudantes.
Especialistas concordam que o Fies se tornou, ao longo do tempo, uma “bomba relógio” em termos orçamentários para o Tesouro Nacional. Um levantamento de Nelson Cardoso Amaral, da Universidade Federal de Goiás, aponta um aumento de 6 bilhões de reais em despesas financeiras no programa de 2013 para 2014, que acumulou um montante de 13 bilhões. A conta chegou a 20 bilhões em 2017. Ainda assim, a entrada do modelo de financiamento privado, gerido por instituições do mercado, é descartado como solução.
Para o deputado federal Chico Alencar, do PSOL, o Fies perdeu o status de política educacional para se transformar em política fiscal. “Há uma transferência de um programa do MEC para a área econômica na perspectiva do mero ajuste da contenção de gastos e do desprezo pelo acesso à educação.” As novas regras de adesão e as condições para quitá-lo tendem, avalia o parlamentar, a afastar os interessados, o que interrompe a expansão de alunos no Ensino Superior sem necessariamente equacionar o problema da inadimplência. Durante os governos do PT, o número de estudantes inscritos em faculdades e universidades saltou de 3,5 milhões para 7 milhões.
Amaral também enfatiza a falta de compromisso social do novo modelo de financiamento, que considera um desastre. “Os bancos privados vão entrar para negociar as dívidas com as famílias com todas as armas jurídicas, podendo até bloquear os poucos bens que possuem”, avalia. “Isso deveria ficar por conta dos bancos públicos”.
Nas novas modalidades, os estudantes não contam mais com a carência de 18 meses para começar a quitar a dívida estudantil. Agora, se o aluno tiver um emprego, o pagamento inicia-se no primeiro mês após a conclusão do curso. Caso o jovem não tenha renda, será cobrada uma coparticipação mínima, calculada a partir da renda familiar e do valor da mensalidade. O Fies subsidia cursos com mensalidades de até 7 mil reais.
O coordenador licenciado da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, aponta um outro gargalo do programa. “Como muitos cursos credenciados no Fies são de baixa qualidade, muitas vezes o estudante sai da universidade e não consegue uma vaga no mercado de trabalho.” O Fies, afirma, não seria uma pauta correta diante da demanda educacional do País. “A sociedade brasileira valoriza a educação e tem que ter acesso a ela. Mas precisamos encontrar um equilíbrio e cobrar mais qualidade da educação superior”, diz o especialista, que defende a regulação da etapa. “É preciso mais critérios para credenciar as universidades privadas, auditorias constantes e uma reformulação do programa, para que não tenhamos tantas deficiências formativas.”.
Também crítico ao programa, Amaral entende que o Fies deixou de atender à demanda educacional para ceder às pressões dos empresários do setor privado. Cerca de 75% das matrículas na educação superior, informa, são feitas em instituições privadas e somente 25% nas públicas. “Em 2016, o Fies gerou 2,4 milhões de matrículas, o que representa cerca de 40% dos matriculados no setor privado. O que eu quero dizer com isso? Que o governo só não acaba com o programa pela pressão dos empresários. Muitas instituições dependem do Fies para sobreviver.”
Além da reestruturação do programa de financiamento, Chico Alencar defende a discussão da ampliação das redes federais, estaduais e municipais de ensino, além de seus orçamentos, ainda mais prejudicados com a emenda do teto de gastos. “Só o MEC teve corte de recursos de 4,5 bilhões no ano passado.” O parlamentar defende a necessidade de uma “profunda reforma tributária, para acabar com a constante de que quem mais ganha menos paga”, e um maior protagonismo do Ministério da Educação, para que o Fies volte a ser “uma política pública educacional com controle social e não um mero mecanismo fiscal”.
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