Por José Geraldo de Santana Oliveira*
O movimento de rotação da Terra brinda a vida, que nela se ativa, com o que há de mais belo e desafiador: o dia e a noite. Para o planeta, estes são partes constitutivas e essenciais para o movimento em torno do seu próprio eixo, sendo, portanto, eternos e repetitivos.
Para a vida humana, o dia e a noite, ao reverso, encerram o eterno desafio de construção social e de conquista da própria humanização. Todas as ações humanas pulsam-se e se desenvolvem no seio do dia e da noite. Nenhuma delas é mera repetição, mas, sim, ato de criação e de realização.
Por isso, para a vida humana, não há um só dia e uma só noite que não sejam dotados de valores e de símbolos inapagáveis. Todavia, como a produção humana é infinita, a maioria dos dias e das noites, sem perder a sua substância e relevância, vai para a moldura do tempo, que é não físico, como o do planeta Terra, mas histórico e socialmente construído.
No entanto, há dias e noites que, pelo que desencadeiam, pelo seu significado, pelo seu simbolismo, não cabem nesta moldura, ou seja, não ficam apenas como registro histórico. Ecoam no presente e no futuro, como se, a cada instante, acabassem de acontecer. Abalam as estruturas sociais existentes, fazem prorromper novos valores, novos símbolos e novas perspectivas. Em uma palavra: não terminam, na sua dimensão social.
Ao longo da história da humanidade, inúmeros foram os dias e as noites com estas dimensões. O recorte histórico, dentre eles e elas, para se destacar os que mais se ecoaram socialmente, não é tarefa fácil nem consensual.
Não obstante estas justas barreiras, o dia 8 de março de 1857, que ainda não chegou ao seu crepúsculo, mesmo já tendo se passado exatos 160 anos de sua fatídica materialização, parece não encontrar óbice para ser alçado à condição de dia maior e de relevância incomensurável.
O desumano ato praticado pela polícia de Nova Iorque, naquele dia 8 de março de 1857, matando e carbonizando 130 operárias, dentre as que integravam o movimento grevistas, teve efeito diametralmente oposto ao pretendido pelos detentores do capital e de seu braço armado, que era o da imposição da mortalha do absoluto silêncio a todos os movimentos reivindicatórios das classes sociais oprimidas.
As 260 mãos tecelãs que foram carbonizadas tornaram aquele dia inesquecível, desnudando, para sempre, a crueza da violência do capital, que, em busca do lucro, farto e fácil, a sua razão de ser, não titubeia, matando todos quantos tentarem ao menos diminuir este seu insaciável intento; bem assim, o multissecular véu da dominação social da mulher, em suas múltiplas dimensões.
É fato inegável que as mãos tecelãs, sacrificadas no dia 8 de março de 1857, não conseguiram destecer as mazelas da exploração social, que é mais intensa sobre a mulher, dada às profundezas e resistência de seus tentáculos e estruturas. Mas, também o é que, a partir de seu sacrifício, milhões de outras mãos tecelãs — agora não só de operárias de fábrica de tecidos —, fizeram germinar as bases para a construção de novo tecido social, fundado na efetiva igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, mola mestra da cidadania.
Estas milhões de mãos tecelãs, que se solidificam e se multiplicam a cada dia, muito já fizeram em busca da almejada construção. Isto é incontestável. Porém, ainda há uma montanha a ser removida para que esta construção seja concluída, até que novos desafios ganhem relevo social.
Mesmo com intensas e dolorosas agruras sociais, em todo o mundo, em especial no Brasil, fazendo com que o dia 8 de março de 2017 seja o mais sombrio, em muitas décadas, não há lugar para a descrença e para o arrefecimento da luta.
Se o movimento de rotação é que faz a Terra girar em torno do seu próprio eixo, a esperança e a busca de superação dos desafios sociais são as molas propulsoras da vida humana.
Por tudo isto, é imperioso que o dia 8 de março seja, mais uma vez, esta mola propulsora. Como bradou o revolucionário poeta Castro Alves, em seu visionário e magnífico poema “O Livro e a América”, templos feitos de ossos e gládios a cavar fossos — marcas indeléveis do capital — não são degraus progredir; e por maiores que sejam as agruras, as intempéries e os tormentos, quem sempre vence é o porvir.
Vivas ao dia 8 de março.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee e do SINPRO GOIÁS