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Tragédias e farsas do PLC 30/15, que escancara a terceirização

O filosofo alemão Karl Marx, na obra “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”, parafraseando Hegel , diz que os personagens e os fatos históricos acontecem, por assim dizer, duas vezes: a primeira, como tragédia, e a segunda, como farsa.

Como, na história, tudo produz consequências, a farsa de que falava Marx também se converte em tragédia.

A terceirização, que, neste ano de 2015, vem se constituindo no principal debate dos muitos que se travam em âmbito nacional, com prenúncio de tragédia sem par nos últimos cem anos, confirma a máxima de Marx.

Talvez, com as pequenas ressalvas de que, desde o seu surgimento, em 1974, com a Lei N. 6.019, já se revestia da condição de farsa e a de que esta lei continha mais garantias  do que as previstas no Projeto de Lei (PL) N. 4.330/04 – aprovado na Câmara Federal, e em tramitação no Senado, sob o N. PLC (Projeto de Lei da Câmara)  30/2015 -, basta dizer que, ao contrário de agora, a referida lei assegurava aos trabalhadores terceirizados os mesmos diretos daqueles que eram contratados diretamente pela empresa tomadora – atualmente, chamada de contratante.

A terceirização sob discussão ganhou contornos de dramaticidade a partir do início dos anos da década de 1990; àquela oportunidade, as empresas exerceram forte pressão e influência sobre o Tribunal Superior do Trabalho (TST) para que ele fixasse jurisprudência  favorável à terceirização, o que foi feito por meio da Súmula N. 331, de 1993.

Argumentavam as empresas e os seus porta-vozes que o reconhecimento da licitude da terceirização de suas atividades meio era essencial para que ganhassem competividade, para se dedicarem às suas atividades-fim.

Tanto isto é verdadeiro, que o verbo terceirizar – que é neologismo – passou a ser registrado no Dicionário Novo Aurélio – Século XXI como verbo transitivo direto, formado pelo substantivo terceiro mais o sufixo ‘izar’, com o significado de transferir a terceiros (atividade ou departamento que não faz parte de sua linha principal de atuação).

O Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla, dá-lhe o claro significado de “conceder a exploração de (serviço público) a empresa particular; proceder (uma empresa) à terceirização, ou seja, transferir a terceiros (a outros) atividade ou função que não constitui o núcleo de sua atuação, de seu negócio, com vista a reduzir os custos, melhorar e agilizar os serviços”.

Nesse verbete, acha-se registrada, com letras indeléveis, a seguinte notícia, publicada no jornal ‘O Globo’, edição de 24/9/2000, e assinada por Fabiana Queiroz: “A redução de custos já foi a razão principal para se terceirizar uma atividade”.

Passados 22 anos da aprovação da Súmula N. 331, do TST – um paraíso para as empresas e um inferno para os trabalhadores -, as suas principais consequências são quase 13 milhões de terceirizados e o calote de centenas de milhões de reais aplicado por empresas fantasmas que anoitecem e não amanhecem, deixando milhares de trabalhadores sem emprego, sem salários, FGTS, férias, contribuições previdenciárias etc., sem consequências para as empresas tomadoras (contratantes), generosamente protegidas por essa Súmula, que lhes atribui responsabilidade meramente subsidiária para  com os direitos fundamentais sociais, lesados pelas terceirizadas, que desaparecem.

Pois bem. A Súmula N. 331 do TST, que tanto serviu e ainda serve às empresas que terceirizam as suas atividades, passou a ser demonizada por elas, unicamente porque veda a terceirização da atividade-fim; e, o TST, por baixá-la e mantê-la, acusado de usurpar a função legislativa privativa do Congresso Nacional.

Essas pesadas acusações contra a realçada Súmula e o TST encontram-se estampadas no Recurso Extraordinário (RE) N. 713.211 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) N. 324, ambos em tramitação no STF, sendo que aquele com repercussão geral.

Na recente audiência pública realizada pelo Senado Federal ao dia 19 de maio corrente – presidida pelo presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros, com a presença da CUT, da Força Sindical, da CGTB, da UGT, do Fórum  Nacional contra a Terceirização, do Ministério Público do Trabalho (MPT), do MTE, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), da  Confederação Nacional do Comércio (CMC), da Agência Nacional dos Transportes, da Fiesp-SP, do professor Márcio Pochmam, do professor Hélio Zylberstein e de 43 senadores, para debater o PLC N. 30/2015 -, os representantes patronais, em uníssono, repetiram as já mencionadas cantilenas contra a Súmula N. 331 do TST, acusando-a, ainda, de provocar a insegurança  jurídica total para todas as empresas, e, por conseguinte, para o país como se elas o fossem.

Mas como, cabe-se perguntar, se essa Súmula faz exatamente o contrário, ou seja, dá segurança jurídica às empresas que terceirizam as suas atividades-meio, inclusive quanto à responsabilidade, que, repise-se, é meramente subsidiária?

O que os empresários e seus asseclas, hipocritamente, chamam de insegurança jurídica é a proibição de terceirização da atividade-fim pela hoje odiada  Súmula N. 331, do TST, feita, outrora, sob medida.

Com isso, desnudam-se os seus falaciosos discursos, que se travestem de falsa defesa da regulamentação dos direitos dos terceirizados. Para esses falsos paladinos, os trabalhadores que se explodam – parafraseando o corrupto personagem do humor de Chico Anísio, Justo Veríssimo -; a sua única finalidade é o fim da restrição de terceirização da atividade- fim, todo o resto é acessório. O que querem é a liberação geral e irrestrita da terceirização: sem freio, sem limite e sem garantia de isonomia.

Não se pode deixar registrar, com absoluto desalento, que a Força Sindical, a segunda maior central sindical do país, faz a defesa enfática desse famigerado PLC, como foi expressa, de maneira indelével, na supracitada audiência pública; o que, em certo sentido, foi corroborado pela CGTB, para quem o PLC é bom, só falta aperfeiçoá-lo.

Dos representantes patronais, isso é esperado e normal, mas, dos representantes dos trabalhadores, jamais; essa conduta só tem um nome: traição.

O PLC N. 30/2015, tal como aprovado na Câmara Federal, faz exatamente isto, sendo essa a sua essência e o seu comando central, constituindo-se os seus demais dispositivos em simples acessórios, desprovidos de conteúdo.

No afã de proteger o seu objetivo maior e único, os representantes das empresas argumentam que todos os direitos sociais elencados no Art. 7º da CF estão garantidos no PLC N. 30/2015 e que, por isso, este, ao contrário do que apregoam os dirigentes sindicais, deve merecer aplausos e apoio incondicional dos trabalhadores. Nada mais falso e desonesto.

Em dezembro de 1967, portanto, há quase meio século, Norberto Bobbio, ao discursar no Simpósio Internacional dos Direitos do Homem, em Turim, Itália, afirmou e confirmou, pelos demais anos de sua vida:

“[…] o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los.

[…]o importante não é fundamentar os direitos do homem, mas protegê-los. Não preciso aduzir que, para protegê-los, não basta proclamá-los. Falei até agora somente das várias enunciações, mais ou menos articuladas. O problema real que temos de enfrentar, contudo, é o das medidas imaginadas e imagináveis para efetiva proteção desses direitos”.

No livro “A era dos direitos” – Campus, 21ª Tiragem – página 60, afirma: “[…] uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva. […] os direitos sociais, como se sabe, são mais difíceis de proteger do que os direitos de liberdade…”.

O PLC 30/2015, apesar de não declarar nominalmente a supressão dos direitos fundamentais sociais – até por isso ser juridicamente impossível, por afrontar o devido processo legal subjetivo (formal) -, esvazia-os de conteúdo, afrontando o devido processo legal substantivo, que, nas palavras de Bobbio, é a sua efetividade.

Não há sequer previsão, no PLC N.30/2015, de que o trabalhador terceirizado tenha garantido os mesmos direitos assegurados ao que é contratado diretamente pela empresa que o terceiriza – contratante, como denomina o PLC -, como o fazia a Lei N. 6019/74.

Essa garantia faria ruir o objetivo maior da terceirização, que é a redução de custos por meio de achatamento de direitos.

Conforme se colhe do livro “A terceirização e o Direito do Trabalho”, do desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região da cidade de São Paulo, e da entrevista do vice-presidente do TST, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, ao Portal Eletrônico Consultor Jurídico, a terceirização só se dá para que haja redução de custos, que se assenta obrigatoriamente em redução de direitos sociais.

Igualmente, o PLC N. 30/2015 não resguarda o enquadramento sindical dos terceirizados no mesmo sindicato dos diretamente contratados, o que, de plano, retira-lhes o direito à aplicação das convenções e acordos coletivos destes.

O PLC somente a prevê, nas hipóteses em que a contratante (tomadora) e a contratada (terceirizada) possuam a mesma atividade econômica,  a que, a toda evidência, não se concretizará, posto que ninguém em sã consciência acredita que um banco irá terceirizar as suas atividades para outro banco, um hospital, para outro, e uma escola, para outra, haja vista isso não guardar qualquer sintonia com o que o PLC efetivamente busca: insista-se, a redução de custos.

Soma-se a isso a possibilidade de se criarem empresas sem empregados, quer a contratante, se terceirizar todas as suas atividades, como é previsto no comentando PLC, quer a contratada, por meio das fraudulentas pessoas jurídicas individuais.

Assim, por mais que os vendedores de falsas ilusões tentem, não há como sequer se imaginar que os direitos fundamentais sociais fiquem preservados  de modo a garantir o patamar mínimo civilizatório do qual não podem arredar as normas, quer heterônimas (leis, decretos etc.), quer autônomas (convenções e acordos coletivos), como determinou o STF, no julgamento do RE 5904150-SC, que trata do alcance dessas normas, realizado ao dia 30 de abril de 2015.

O longo e propositadamente prolixo texto do PLC N. 30/2015, se for convertido em lei, criará um contexto social fantasmagórico, porquanto, pelos seus dispositivos, serão possíveis e concretos: empresa sem empregado, pois tudo poderá ser terceirizado; empregado sem emprego, por meio de pessoas jurídicas individuais; sindicato sem categoria profissional, posto que, como afirmou o deputado José Carlos Aleluia, do DEM da Bahia, não haverá mais categoria, somente terceirizado, o que possibilitará a surreal existência de sindicato de professores sem estes etc.; trabalhadores iguais tratados de forma absolutamente desigual, pois que não haverá isonomia salarial e dos demais direitos, entre empregados diretos e terceirizados.

Esses aspectos, que  encerram a essência do PLC em questão, rasgam impiedosamente os fundamentos, garantias e princípios da Constituição Federal (CF), da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inciso III),  dos valores sociais do trabalho (Art. 1º, inciso IV), da proteção da relação de trabalho (Art. 7º, caput e inciso I), da valorização do trabalho humano (Art. 170, caput), da função social da propriedade (Art. 170, inciso III), do primado do trabalho, do bem estar e da justiça sociais (Art. 193), o que o torna, inapelavelmente, inconstitucional, como sustentam, com absoluta densidade jurídica e política, o Ministério Público Federal (MPF), no RE 7132011 e na ADPF N. 324, por meio de dois circunstanciados e incontestáveis pareceres, da lavra do procurador Odin Brandão Ferreira e aprovados e assinados pelo procurador -geral, Rodrigo Janot, disponíveis na página do STF; e o Ministério Público do Trabalho (MPT), em todos os debates que tiveram lugar até aqui, fazendo-o pelo seu procurador-geral, Luís Camargo, e pelo procurador Helder, que falou em nome do órgão nas duas audiências realizadas no Senado Federal.

A escancarada e total afronta a esses preceitos constitucionais inafastáveis não passa pelo crivo do devido processo legal substantivo, preconizado no Art. 5º, inciso LIV, da CF, como se constata pelo entendimento do STF, abaixo mencionado.

O ministro aposentado, Carlos Veloso, ao votar pelo deferimento de medida liminar nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada contra a Medida Provisória N. 524/94, assentou, em seu voto, lapidar entendimento sobre o devido processo legal substantivo, como se constata pela sua literalidade:

“No que toca o art. 5º, da MP 524, consagra ele regra desarrazoada.

A cláusula do due processo f Law, que surgiu em 1215, na Magna Carta do Rei João Sem Terra, com caráter processual penal, evoluiu para tornar-se garantia do processo em geral e, a partir da interpretação das Emendas 5ª e 14ª da Constituição americana, adquiriu caráter substancial limitadora de  seu mérito das ações estatais e especialmente do Poder Legislativo; as leis devem  ser elaboradas com justiça e razoabilidade, vale dizer, as leis devem ser razoáveis e devem guardar um nexo com o objetivo que se quer atingir, lecionou na Suprema Corte, o Juiz Holmes. Com base no due processo of Law, com caráter substantivo a Corte de Warren, nos anos de 1950, proferiu notáveis decisões em defesa de minorias étnicas e econômicas (…).

A Constituição brasileira de 1988, Sr. Presidente, inspirando-se no direito constitucional americano e pela ação do Prof. Carlos Roberto de Siqueira Castro, que levou a questão ao âmbito da Assembléia Constituinte, a Constituição de 1988, repito, evoluiu, tornando explícito, tornando expressa a cláusula do due processo of Law, sob o ponto de vista substantivo. A Constituição, no art. 5º, inciso LIV, consagra due processo of Law com caráter substantivo e, no inciso LV do mesmo artigo 5º, due processo of Law  com caráter processual. Isto quer dizer que, a partir daí, normas desarrazoadas, normas que não guardem um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir, são normas inconstitucionais”.

Destarte, com base nessa tese vinculante do STF, por todos os ângulos que se analisar o PLC ora contestado, imperiosamente, há de se concluir, que ele, em sua essência, é violador direto dos preceitos fundamentais sociais constitucionais, retroapontados, reclamando, melhor seria dizer gritando, pela imediata declaração de sua inconstitucionalidade, sem exceção, pois o legislador ordinário invade competência indeclinável do constituinte originário, ao fazer restrições repudiadas por este. Além do que, inverteu a ordem da hierarquia das normas, ao fazer a lei ordinária prevalecer sobre a CF. Isso é teratológico e insuportável no Estado democrático de direito, posto que representa, ao fim e ao cabo, a sua inaceitável negação.

O PLC N. 30/2015 atinge o âmago do princípio da vedação do retrocesso social. Segundo Dilmanoel de Araújo Soares, citando Sarlet  –  em Direitos Sociais e o Princípio da Proibição de Retrocesso Social -, “ […] a proibição de retrocesso é um princípio implícito, baseado no sistema constitucional, e que, para além dos institutos a que se  vincula, também se fundamenta nos princípios da dignidade humana; do Estado Democrático e Social de Direito; da segurança jurídica; da proteção da confiança, razão pela qual  não admite a fórmula do ‘tudo ou nada’[…]”.

Ainda conforme Dilmanoel, “[…] ter segurança jurídica significa ter a garantia, a proteção dos direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais, como concretização do princípio da dignidade humana, e cujo elemento nuclear parece residir no direito que as pessoas têm de poder contar com prestações materiais indispensáveis para uma vida com dignidade, que atenda a padrões qualitativos mínimos para uma existência condigna”.

Para o ministro do STF Luís Roberto Barroso, efetividade é “[…] a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos princípios legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”.

Estas garantias são peremptoriamente negadas pelo PLC N. 30/2015. Como resolver essa antinomia?. A toda evidência, no âmbito legislativo, pela rejeição dos dispositivos que afrontam a CF; e, se eventualmente, vier a ser convertido em lei, pelo controle de constitucionalidade, que tem lugar na ADI, a qual tem a finalidade precípua de impedir o esvaziamento dos fundamentos e garantias constitucionais, escancarados no PLC sob contestação.

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Por: José Geraldo de Santana Oliveira

Assess. Jurídico do Sinpro Goiás e Consultor jurídico da Contee

 

 

 

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Jorn. FERNANDA MACHADO

Assess. de Imprensa e Comunic. do Sinpro Goiás

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O ‘sonho dantesco’ da sessão que aprovou a MP 665

“Qual um sonho dantesco as sombras voam!…

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!…” 

Os emblemáticos a apavorantes versos da epígrafe representam a forma poética, em linguagem metafórica, como o mais ardoroso abolicionista brasileiro de todos os tempos, o imortal Poeta Castro Alves, descreve o tráfico negreiro – pai da escravidão negra -, no mais vibrante e retumbante brado contra essa inapagável horrenda mácula da história: o poema “O Navio Negreiro”, escrito em 1868.

Pois é, quem não conhece o contexto dos abjetos tráfico negreiro e escravidão negra, e teve o desonroso desatino de assistir ao vivo – ou o fizer por vídeo -, o desenrolar da sessão plenária da Câmara Federal do dia 6 de maio corrente, quando foi votada a conversão da Medida Provisória N. 665/2014 em projeto de lei (PL) que reduz o seguro-desemprego, o seguro defeso e o abono salarial, ficou – fica e ficará – com a nítida impressão  de que o poeta Castro Alves acabara de escrever os epigrafados versos com a finalidade de descrever tal sessão; pois, nela, fantasmagóricas sombras voaram e Satanás riu-se, a riso solto, durante várias horas em que durara.

O espetáculo produzido por tal sessão é inenarrável e inimaginável; nela, viu-se – vê-se e ver-se-á – porque essas imagens e os seus nefastos reflexos são indeléveis. Por um lado, partidos políticos de trajetória longeva, sempre em prol e em defesa dos direitos fundamentais sociais e das justas reivindicações dos trabalhadores, e que nunca se curvaram ante o perigo e o terror, como o PCdoB e o PT, orientarem as suas bancadas a votar pela drástica redução destes, objetivo primeiro e maior da destacada MP.

Por outro, partidos políticos com trajetória diametralmente oposta, como o PSDB, o DEM, o PPS e o Solidariedade – madrugadores de primeira hora na centenária sanha do empresariado brasileiro de promover a redução de custos de seus empreendimentos, e, por conseguinte, o aumento de seus lucros a custo da supressão dos comentados direitos – orientarem as suas bancadas a votar pela rejeição da MP; e, o que é pior, alardearem que assim agiam em defesa dos trabalhadores, quando, em verdade, fizeram-no com a única finalidade de enfraquecer e desacreditar o governo Dilma, para, com isso, arrumarem pretexto para aplicação de golpe institucional, e, assim, recuperarem o poder político que perderam, pelo voto, em quatro eleições presidenciais sucessivas.

Para ilustrar essa assertiva, basta que se diga que todos os deputados do PSDB, sem falta e exceção, votaram não.

Esses falsos defensores dos trabalhadores são os mesmos que em abril próximo passado aprovaram o Projeto de Lei (PL) N. 4330/2004, que, se for convertido em lei, representará a maior e mais certeira derrota destes de todos os tempos, transformando os fundamentos, os princípios e garantias constitucionais de dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e do bem estar e da justiça sociais em escombros, em  terra arrasada.

A conduta desses falsos paladinos dos direitos encaixa-se como luva na crônica (sem data) de Machado de Assis, “A Igreja do Diabo”; senão, vejam-se, em alguns de seus  excertos:

“Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada. Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada.  […] Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente.”

Nunca foram vistos tantos canhotos, no sentido machadiano, como na realçada sessão plenária da Câmara Federal; haja fraude e hipocrisia.

É bem de ver-se – e é preciso que se registre- que muitos deputados que votaram pela rejeição da realçada MP fizeram-no por convicção e por coerência, como dois do PCdoB, vários do PSB e do PDT e todos do PSOL, e alguns de outros partidos, até mesmo dos adeptos da igreja do Diabo, não podendo, em hipótese alguma, ser postos nesta fantasmagórica nau dos hipócritas.

Faz-se imperioso salientar que, igualmente, soa falsa e desprovida de sinceridade a afirmação de que o governo negociou e transigiu. Isto é facilmente desmentido pelo simples cotejo entre os direitos que eram garantidos e os que restaram após a aprovação da MP em questão. O que em verdade aconteceu é que o governo não conseguiu reduzir os direitos ao seguro-desemprego e defeso e ao abono salarial na proporção determinada pela MP 665/2014; e nada mais.

Ora, como se pode chamar de negociação a sanha de quem pretende subtrair, à força, direitos fundamentais, assegurados, consagrados, como o são os aqui discutidos, em grande parcela,  mas que, por força de repúdio quase generalizada deste ato de subtração, viu-se contingenciado a contentar-se com uma parcela menor?

Após as idas e vindas dessa suposta negociação, os trabalhadores não só não ganharam nada como viram dobrar a exigência para conseguir o seguro-desemprego e o defeso, e a lei alterar a Constituição Federal (CF) – o que é inadmissível no constitucionalismo brasileiro, em que impera a superioridade constitucional – para reduzir a quase nada o alcance do abono salarial, garantido pelo Art.239, § 3º, da CF.

Se os verbos negociar e transigir guardassem alguma sintonia com os resultados da MP 665/2014, seria absolutamente imprescindível a sua revogação, por decreto irrevogável.

Diante deste quadro dantesco, só resta aos trabalhadores seguirem a inesquecível lição do escritor norte-americano John Dickson: “Unidos ficamos de pé. Divididos, caímos”.

 

José Geraldo de Santana Oliveira é Assessor Jurídico do Sinpro Goiás

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A magia do futebol: símbolo universal da confraternização

A maravilhosa canção “Volver a los diecisiete”, da cantora chilena Violeta Parra – difundida ao mundo pela magnífica cantora argentina Mercedes Sosa, que fez de sua imortal voz, por toda a sua vida, um portentoso brado contra as injustiças sociais, de lá, de cá e de alhures –, legou a todas as gerações, de sua época, do presente e do futuro, uma  inapagável lição de amor, notadamente com as mágicas palavras que dizem: “O que puede el sentimiento no ha podido el saber/Ni el más claro proceder, ni el más ancho pensamiento/Todo lo cambia al momento cual mago condescendiente/Nos aleja dulcemente de rencores y violências/ Solo el amor con su ciencia nos vuelve tan inocentes” (que, com tradução livre, significam: “O que pode o sentimento (amor)/ Não o pode o conhecimento/Nem o mais amplo pensamento/Tudo se transforma em momento mágico e de pureza/ Nos afastando, docemente, de rancores e violências/ Só o amor, com a sua ciência, nos torna puros”).

Essas palavras, que devem ser ouvidas e refletidas com os ouvidos da mente, e não apenas do corpo – parafraseando o escritor inglês Charles Dickens, que dizia isto da poesia –, não comportam protestos e oposições, pois falam por si mesmas, silenciosamente, pelos séculos sem fim.

Mas também o futebol possui essa contagiante magia, que confraterniza, sem rancor e sem violência, todos os povos do mundo, principalmente durante as copas, que se realizam a cada quatro anos.

As mágicas integração e confraternização dos povos, durante a Copa do Mundo, representam a negação absoluta das relações desenvolvidas pelos governantes, no cotidiano, que contém muito de interesses econômicos e pouco de sinceras cooperação e integração.

Há pequenos gestos, ao longo de uma Copa do Mundo, que encerram, em si, o universo da tão sonhada paz mundial, assim como o DNA em relação à vida humana.

Esses pequenos gestos, por sua grandeza e alcance, são, indiscutivelmente, transcendentes e eternos, pelo seu simbolismo.

Vão, aqui, alguns deles. O primeiro ocorreu na copa de 1970, no México, a primeira transmitida para o Brasil, ainda em preto e branco. Os povos presentes no Estádio Asteca no jogo final entre Brasil e Itália desfraldaram uma enorme bandeira, com a seguinte mensagem: “Mexico campeon mundial del amistad” (“México, campeão mundial de amizade).

O segundo teve lugar na copa de 1974, na Alemanha – a primeira transmitida em cores para o Brasil –, ao final do jogo entre Brasil e Holanda, que fizeram uma das semifinais e que terminou com a vitória da Holanda, por dois a zero. O capitão do time holandês, Rud Krol, atravessou o todo o gramado e, após abraçar o lateral esquerdo Marinho Chagas – recém-falecido –, levantou-lhe o braço e pediu a todas as torcidas que o aplaudissem, como reconhecimento pelo seu belíssimo futebol e como belo gesto de amizade.

O terceiro deu-se em 1998, na fatídica final entre Brasil e França, quando o placar já era de três a zero para esta. O meia Rivaldo preferiu jogar a bola para a lateral para permitir o socorro médico a um jogador francês a tentar fazer o gol, em lance com real potencial para isso. Isso lhe valeu a inaceitável crítica de alguns de seus companheiros e de parte da imprensa esportiva.

O quarto é de agora, da Copa de 2014, e foi produzido pelo vibrante, dedicado e não raras vezes estabanado zagueiro brasileiro David Luiz, que, logo após o encerramento do jogo entre Brasil e Colômbia, não só abraçou e consolou o jogador colombiano James Rodriguez, que chorava copiosamente, como, repetindo a citada iniciativa de Rud Krol, levantou-lhe o braço e pediu a todas as torcidas que o aplaudissem.

O quinto também é da Copa de agora e produzido pela Seleção da Alemanha, que, à semelhança dos antigos samurais – os quais repudiavam a humilhação do adversário que enfrentavam em mortal combate –, recusou-se, terminantemente, a menosprezar e a humilhar a “Seleção Brasileira”, tratando-a com respeito, que ela mesma não se deu, durante os mais de 90 minutos de jogo de um time só – o da Alemanha, é claro.

O sexto, igualmente, é desta Copa e foi protagonizado pela Seleção da Holanda ao final do jogo em que ela abateu a pálida “Seleção do Brasil”. Enquanto os jogadores desta preferiram correr para os vestiários, como se fugissem de si mesmos, os jogadores holandeses, numa incontestável demonstração de respeito, de esportividade e de magnanimidade, percorreram todo o campo, aplaudindo a torcida brasileira, e, para coroá-la, o grande jogador Van Persie retirou a sua braçadeira de capitão do time e deu-a a um torcedor, como a dizer ao Brasil que, apesar da indignidade de sua “Seleção”, o seu povo é inigualável e é campeão mundial de simpatia, de acolhimento e de sincera e despretensiosa amizade.

Por último, merece especial destaque o magnifico espetáculo de civismo e de anfitriã do mundo proporcionado pela nação brasileira, mais uma vez contrariando os sombrios prognósticos dos semeadores da cizânia e do caos. Essa condição não foi, não é e não será jamais maculada pelo vexame da “Seleção Brasileira”, que pôs a alma de todos os 200 milhões de brasileiros de joelhos, por não se sabe quanto tempo; bem assim, pela impensada e repugnante iniciativa de se vaiar o hino chileno, no jogo com o Brasil.

Tudo isso faz do futebol o maior dos esportes e, mais uma vez, repita-se, o símbolo universal da confraternização e mola propulsora da efetiva construção da tão sonhada paz, não a do silêncio ou das armas, mas, a verdadeira, aquela que, parafraseando o poeta amazônico Thiago de Mello em seu monumental poema “Os estatutos do homem”, no Artigo Segundo, diz que fica decretado que  todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, tem o direito de converter-se em manhãs de domingo – o que nada mais é do que a concretização das musicadas palavras de Violeta Parra que abrem estas singelas considerações.

Ah! Como seria bom e promissor se os governantes e os detentores do poder econômico tivessem a sensibilidade de escutar a universal linguagem do futebol.

Com certeza, um dia, não muito distante, assim será.

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José Geraldo de Santana Oliveira

Assessor Jurídico do Sinpro Goiás, da Fitrae-BC, Fitrae MTMS, Sintrae-MS, Sintrae-MT, Sinpro Pernambuco, Consultor Jurídico da Contee e Assessor Jurídico do Sinditransporte

Presidente do Conselho Estadual de Educação de Goiás (2005 a 2007 / 2011 a 2013)

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As mais de mil e uma noites do PNE e as batalhas do porvir

Finalmente, após a longa agonia de 1.241 dias – mais longa do que a magnífica lenda árabe das mil e uma noites, que narra as aventuras de Sherazade em prol do respeito à dignidade das mulheres, até então negada, da forma mais vil que se conheceu –, a discussão de mais de 3 mil emendas ao texto original, com marchas e contramarchas, avanços e recuos, e mais 22 dias de espera, após a sua aprovação, foi sancionada a Lei N. 13.005/2014, que institui o Plano Nacional de Educação (PNE), para viger de 25 de junho de 2014 a 24 de junho de 2024.

A referida lei compõe-se de 14 artigos, 20 metas e  243 estratégias, que, nos próximos dez anos, serão a constituição da educação; e que trazem a marca da timidez, na maioria delas. Além de passar ao largo de temas primordiais, como o da sua condição sistêmica, abrangendo as escolas públicas e particulares, que, indiscutivelmente, obrigam-se a todas as regras ditadas àquelas, com exceção da gratuidade, do concurso público e da eleição direta para diretores administrativos, sem, contudo, dispensar a gestão democrática, princípio constitucional insculpido no Art. 206, inciso VI, da Constituição da República Federativa do Brasil (CR).

O PNE aprovado não é o dos sonhos, acalentados pela sociedade brasileira há várias décadas, desde, pelo menos, o Manifesto dos Pioneiros da Educação, de 1932; guarda pouca sintonia com o que foi pugnado pela Conferência Nacional de Educação de 2010.

Todavia, parafraseando o saudoso Mestre Anízio Teixeira que, em comentário sobre a Lei N. 4.024/61, que aprovou a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), asseverou: “Meia vitória; mas, vitória”, pode-se dizer que o recém-aprovado PNE representa, ao menos, meia vitória; sobretudo se se considerar a guerra sem fronteiras que se travou no curso de sua tramitação no Congresso Nacional, com artilharia pesada por todos os lados, notadamente vindas do Poder Executivo e dos lobbys privatistas.

Começa, agora, uma nova e longa batalha, sem trégua, para a efetivação de todas as suas 20 metas e 243 estratégias, e para a conquista das bandeiras por ele não contempladas, como, por exemplo, a construção do Sistema Nacional de Educação, bandeira que se acha prestes a completar 200 anos – foi suscitada pela primeira fez em 1823 –; a efetiva colaboração entre os entes federados, com o integral cumprimento da Estratégia  N. 20.10, que estabelece o custo aluno qualidade (CAQ) e a inarredável obrigação da União de suplementá-lo em todos os entes federados que não dispuserem de condições para tanto; a exigência de cumprimento, pela iniciativa privada, de todas as regras da educação pública, com exceção da gratuidade, do concurso público e da eleição para diretores administrativos, pois que a educação é sistêmica, não existindo duas realidades distintas, sendo a primeira, a pública, um direito social, e a segunda, a privada, mera mercadoria, como querem os donos e asseclas. Só existe uma educação, que é o primeiro dos direitos fundamentais sociais, conforme o Art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil (CR), apesar de ser livre à iniciativa privada, desde, é claro, que cumpra todas as normas gerais, como determina o Art. 209, também da CR.

Parafraseando Guimarães Rosa, que, em uma de suas múltiplas inesquecíveis lições de vida, afirma: “O correr a vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta, depois esfria; aperta e daí afrouxa; sossega e depois se desinquieta. O que a vida quer da gente é coragem”.

À luta, em busca do padrão de qualidade social da educação, com coragem e destemor, o que a vida que segue e se transforma a cada instante exige de todos.

 

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José Geraldo de Santana Oliveira (Assess. Jurídico do Sinpro Goiás)