Na tumultuada sessão da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, realizada ao dia 23 de maio de 2017, o Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), Relator do Projeto de Lei da Câmara Federal (PLC) N. 38/2017 — que trata da (de)reforma trabalhista —, apresentou o seu parecer, que não foi lido em plenário, mas foi dado como se tivesse sido pelo Presidente da referida Comissão, Senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O citado parecer, composto por 74 páginas, faz extensa análise subjetiva do realçado PL, concluindo pela sua aprovação, com a redação original, com a recomendação de vetos, para regulamentação por meio de medida provisória, dos dispositivos que tratam do trabalho da gestante em ambiente insalubre, serviço extraordinário da mulher, acordo individual de jornada de 12×36 horas, trabalho intermitente, representantes dos empregados e negociação do intervalo intrajornada.
Ao justificar tal recomendação, o Senador registra:
“[…] Desse modo, concertamos junto ao Poder Executivo que alguns itens da proposta em tela devem ser vetados, podendo ser aprimorados por meio da edição de medida provisória que contemple ao mesmo tempo o intuito do projeto aprovado na Câmara dos Deputados e o dever de proteção externado por muitos parlamentares”.
Ao se comentar esse parecer, é preciso registrar, desde logo, que quem o lê, se tiver o cuidado de cotejá-lo com o substitutivo do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) — aprovado pela Câmara Federal —, com as 101 propostas apresentadas pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em dezembro de 2012, ao Congresso Nacional e à então Presidente Dilma Roussef, com as reiteradas manifestações sobre o tema do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva Martins Filho, e com a decisão liminar do ministro Gilmar Mendes proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) N. 323/2014 — que suspendeu a Súmula N. 277, do TST, que assegura a ultratividade das normas coletivas — por certo concluirá que todos saíram da mesma matriz, e que não foram produzidos de maneira atabalhoada e de ocasião, mas, sim, de forma pensada, maturada e concertada, por esses diversos atores, com a mesma finalidade.
Vale salientar que votos e manifestações dos ministros do STF, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki — citado uma vez, com ou sem autorização, não se sabe —, são invocados como vigas mestres do PL.
No afã de tentar rebater as abalizadas e fundamentadas críticas ao PL, advindas de amplos e representativos segmentos sociais, como a CNBB, a Anamatra, o MPT e todas as centrais sindicais, o relator despeja uma pletora de sofismas, vendendo-os como verdades absolutas, como é próprio dos contumazes sofistas, sendo que muitos deles beiram ao escárnio. No entanto, nenhum deles resiste ao menor sopro de realidade, nada mais fazendo do que confirmar tudo que se diz contra o PLC em questão.
Dentre os diversos sofismas derramados pelo relator, destacam-se, aqui, 25:
2 “Fundamentalmente, esta proposta se motiva por específico princípio constitucional: o da dignidade da pessoa humana. É sob esta perspectiva que devemos entender uma reforma que intenciona que as pessoas realizem seu potencial e persigam seus sonhos”( p.3).
Como isso será possível, o relator não diz nem poderia fazê-lo, por ser absolutamente incompatível com o conteúdo do PL.
3 “Em especial, esta é uma proposta voltada para garantir um direito previsto no rol de direitos sociais do art. 6º: o direito do trabalho…”(p. 4).
4 “Trata-se de uma reforma pautada pelo imperativo da flexibilização com proteção”(p. 5).
5 “Portanto, a discussão provocada pela reforma trabalhista neste tema é, em sua essência, sobre a quem cabe decidir o que é uma condição mais benéfica para o trabalhador: ele próprio ou um magistrado?” (p.8).
6 “… Não há e não poderia haver na proposta qualquer dispositivo contrário ao sagrado direito constitucional de acesso à Justiça, especialmente por parte dos mais pobres…” (p.10).
6.1“Nossa avaliação é radical: “o direito ao acesso à Justiça é cláusula pétrea de nossa Constituição…” (p.11).
7 “ Esta é uma reforma para toda a sociedade…” (p.13).
8 “O futuro é o que fazemos agora…” (p.15).
9 “ Não podemos ter medo do novo” (p.15).
10 “No mérito, julgamos um imperativo flexibilizar a legislação trabalhista e empoderar os trabalhadores, permitindo que tenham maior participação em criar as normas que regem as suas próprias vidas.” (p.33).
11 “Permitir a prevalência do negociado sobre o legislado é permitir que se estipulem contratos mais eficientes, mutuamente benéficos para empregados e empregadores, com óbvios ganhos para a produtividade” (p.34).
12 “São várias as salvaguardas presentes na proposta em relação à prevalência do negociado sobre o legislado. Entre elas:
– a necessidade de participação dos sindicatos na maioria das negociações, isentando da sua atuação praticamente somente as negociações dos trabalhadores hiperssuficientes, uma minoria da força de trabalho que possui cumulativamente escolaridade de nível superior e remuneração de cerca de 12 salários mínimos.
– a criação de poderoso incentivo para que os sindicatos atendam aos interesses dos trabalhadores e se fortaleçam, por meio do fim da obrigatoriedade da contribuição sindical; e
o estabelecimento de um amplo rol taxativo de itens que são objeto ilícito dos acordos e convenções coletivas, isto é, que não podem em hipótese alguma ser negociados” (p.38).
13 “Sobre o acordo individual para banco de horas: “Julgamos que essa alteração é vantajosa para o trabalhador, permitindo ganhos de produtividade e de renda, além de ganhos de qualidade e de vida, uma vez que a pessoa poderá pactuar sua jornada conforme lhe for mais vantajosa. Pode-se, assim, evitar o trânsito caótico das nossas cidades e optar por ficar mais tempo com a sua família” (p.41).
13.1“…No próprio art. 7º, a Constituição diferencia as situações em que cabe acordo coletivo ou que cabe apenas acordo, sendo evidente que ao escolher fazer tal distinção o constituinte dividiu temas que podem ser tratados por acordo coletivo e os que podem ser tratados por acordo individual” (p.42).
14 “Em nossa avaliação, estamos concedendo não só maior protagonismo aos sindicatos, como, ao rumar para maior liberdade sindical, estamos também os fortalecendo. Isso porque o novo formato de financiamento estimula justamente uma participação ativa dos sindicatos: sem dúvida, serão mais fortes os sindicatos que mais entregarem resultados para os trabalhadores de sua categoria, não havendo recompensa à inércia” (p.45).
15 “Trazemos a participação dos sindicatos, por exemplo, para quando, em momentos de crise da empresa, em troca da manutenção do emprego, seja necessário pactuar a redução do salário ou da jornada, evitando-se assim a dispensa imotivada, conforme o disposto no § 3º do art.611-A. Desta forma preservam-se os empregos” (p.45).
15.1“Neste ponto salientamos a necessidade de enxergar o projeto de forma sistêmica, pois o sindicato deixa de ser chamado somente ao fim da relação laboral. Ele também passa a ser um acompanhante da fiel execução do contrato de trabalho durante a sua vigência, com a criação do termo de quitação anual, previsto no art. 507-B” (p.46).
15.2“O termo é uma faculdade de empregador e empregado que visa criar segurança jurídica para os vínculos trabalhistas e também filtros para o uso da Justiça do Trabalho, com benefícios, mais uma vez, na celeridade dos processos e na economia processual” (p.46).
15.3“Ao passo que damos maior protagonismo aos sindicatos, também retiramos obrigações da CLT que são menores, meramente burocráticas e atrapalham as suas atividades, como a obrigatoriedade da homologação da rescisão do contrato de trabalho pelo sindicato. Consideramos que a medida não desprotege o trabalhador, mas permite que se reduza a burocracia imposta a empresas, trabalhadores e aos próprios sindicatos, permitindo que concentrem tempo e energia em atividades mais importantes, para o bem do crescimento da produtividade. Desta forma somos favoráveis à redação do art. 477 da CLT dado pela proposta” (p. 46 e 47).
15.4“Ademais, consentimos com a redação dada pelo PLC à alínea ‘f’ do artigo 652 e aos artigos 855-B, 855-C, 855-D e 855-E da CLT. Estes dispositivos permitem a homologação de acordo extrajudicial dispensando a tutela dos sindicatos. Há segurança suficiente para o trabalhador com a participação do juiz, que garantirá que os acordos não sejam meras simulações. Assim, ficam os representantes sindicais com uma burocracia a menos e mais recursos disponíveis para resolver outras questões relevantes para os trabalhadores” (p.47).
16 “Outra flexibilização vantajosa é a constante do art. 134 da CLT, que, no PLC, prevê a possibilidade de parcelamento das férias em até 3 períodos, com um deles sendo não inferior a 14 dias, e os demais não inferiores a 5 dias… Tal flexibilização pode atender mutuamente as necessidades de produção do empregador e a vida pessoal do empregado” (p.49).
17 “Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, já falamos diversas vezes neste relatório sobre o problema do populismo, do ativismo judicial. Ele se caracteriza pela infame invasão das competências do Congresso Nacional; pela insegurança jurídica que inibe a criação de empregos; e por decisões impensadas que em seu conjunto acabam por prejudicar o trabalhador… Esta reforma trabalhista é bem vinda também por mitigar essa questão. Ao longo da tramitação deste projeto, nos certificamos que as inovações propostas não subtraem direitos constitucionais sagrados, como o acesso à Justiça…” (p.54).
18 “…Além de propor mecanismos que reduzirão sobremaneira o número de processos judiciais, o projeto traz dispositivos específicos que, ao entrarem em vigor, abrangerão milhões de processos em tramitação na Justiça do Trabalho há anos, permitindo assim que sejam solucionados rapidamente com o suporte do novo comando legal” (p.58). Leia-se prescrição intercorrente.
19 “Outra vantajosa previsão é feita pelo PLC para o art. 11-A da CLT, que institui a prescrição intercorrente para processos trabalhistas, de 2 anos” (p. 61).
20 “O dispositivo inserido no PLC prevê que o trabalhador poderá movimentar 80% de sua conta do FGTS e receber metade da indenização referente ao aviso prévio e ao FGTS e receber metade da indenização referente ao aviso prévio e ao FGTS, embora não possa receber o seguro-desemprego. É, portanto, uma opção vantajosa para o trabalhador que não receberia nada caso, por exemplo, quisesse mudar de emprego…” (p.67).
Acesse aqui a análise de como a Reforma Trabalhista transforma a CLT na Consolidação das Leis do Capital
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee e do Sinpro Goiás