Por José Geraldo de Santana Oliveira*
“Que Deus me proteja dos meus amigos; dos inimigos, cuido eu.”
(Voltaire)
Este paradoxo (oxímoro?) mostra-se mais atualizado do que nunca, especialmente para os trabalhadores, pois, nesses tempos de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada — parafraseando o imortal poeta e teatrólogo alemão Bertolt Brecht —, nunca tantos se declararam seus amigos, juramentados defensores de seus direitos e de suas justas e seculares reivindicações, sem o serem, é claro.
Nessa pletora de falsas amizades, avulta a celerada lei da (de)reforma trabalhista — nas sábias palavras do assessor sindical João Guilherme Vargas —, Lei N. 13.467/2017, que, segundo os falsos amigos que a defendem, veio para proteger os trabalhadores e valorizar as suas declarações de vontade individual; só não o dizem, por óbvio, que tal valorização acha-se restrita à aceitação incondicional de redução e/ou supressão de seus já minguados direitos.
Para que a “vontade individual”, sob a ótica patronal, seja sempre prevalecente, a celerada lei da deforma cuidou de aplicar certeiro golpe aos sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais, por meio da conversão da contribuição sindical obrigatória em facultativa, conforme a nova redação dos Arts. 579 e 582 da CLT. Isso, segundo noticia a grande imprensa, com alvíssaras, representou a redução de 90% da receita sindical, proveniente dessa contribuição, o que estrangula os 6.701 sindicatos de trabalhadores da iniciativa privada — segundo dados do Cadastro Nacional de Entidades Sindicais, de 2017 —, retirando de pelo menos 6 mil deles as mínimas condições de atuação e funcionamento a contento.
Essa alteração legislativa, que visa a levar ao estrangulamento sindical, ensejou o ajuizamento de nada menos que 17 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), suscitando a sua inconstitucionalidade formal e substantiva (material), todas distribuídas ao ministro Edson Fachin. A Contee integra a ADI 5794, como amicus curiae.
Vale ressaltar que o ministro Edson Fachin, em despacho proferido na ADI 5794, ao dia 30 de maio de 2018, reconheceu expressamente a inconstitucionalidade substantiva das normas impugnadas.
No citado despacho, o ministro destacou, dentre outros fundamentos:
“Sem o pluralismo sindical, e a persistência de representação obrigatória de toda a categoria por parte dos sindicatos, a facultatividade da contribuição destinada ao custeio dessas entidades pode se tornar um instrumento de obnubilação do direito à sindicalização, que, inequivocamente reconhecido pelo constituinte de 1988, não poderia ser restringido, a esse ponto de atingir-se seu núcleo essencial (existência e cumprimento de suas obrigações constitucionalmente previstas), mesmo porque, se também foi o legislador infraconstitucional quem reafirmou e reforçou o poder de negociação sindical, não poderia, por outro lado, atingir sua capacidade concreta de existência e funcionamento institucional.
O financiamento das entidades sindicais deve ser debatido a partir das premissas estabelecidas na Constituição de 1988, pois enquanto o sistema sindical estiver vinculado à unicidade sindical, que considera representativo apenas um único sindicato por categoria em determinada base territorial, e, por outro lado, enquanto a negociação coletiva espargir seus efeitos para além dos trabalhadores associados, é necessário estabelecer-se um tributo para custear esse sistema, sob pena de inviabilização do funcionamento desse sistema. Nesse sentido, conclui o eminente professor e magistrado paranaense Luiz Eduardo Gunther:
‘Exigir dos sindicatos de trabalhadores uma postura ativa (negociado sobre o legislado) sem que existam condições materiais para esse desempenho é enfraquecer o movimento sindical e criar insegurança jurídica (…).’ (GUNTHER, Luiz Eduardo. O fim da contribuição sindical obrigatória: a crônica de uma morte anunciada, in DALLEGRAVE NETO, José Affonso; KAJOTA, Ernani (Coord). Reforma Trabalhista ponto a ponto. São Paulo: Ltr, 2017, p. 214).
É, portanto, relevante o fundamento que suscita a inconstitucionalidade da Lei 13.467/2017, quando torna facultativa a contribuição sindical prevista no artigo 8o, IV, in fine, da CRFB, sem que também tenham sido alteradas as demais disposições do artigo 8o, especialmente no que se refere à unicidade contratual (artigo 8o, II, da CRFB) e à representatividade do sindicato extensiva a toda categoria (artigo 8o, III, da CRFB)”.
Pois bem! A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), antevendo o inevitável teor do despacho sob comentários, ao dia 29 de maio de 2018 — um dia antes de ele ser proferido —, ajuizou a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), que recebeu o N. 55, fazendo, por meio dela, a ofensiva e ostensiva defesa da alteração legal, reputada, em primeira análise, pelo destacado ministro, como inconstitucional.
Os argumentos expendidos pela Abert são os de sempre, com portentosos ataques aos sindicatos, às suas supostas inércia e acomodação e, ainda, a já surrada cantilena de falta de representatividade.
No que diz respeito ao cerne do financiamento sindical, faz como os demais arautos da celerada lei da deforma, fica na periferia, limitando-se a afirmar que a contribuição sindical não é a única fonte de receita, além do que ela não foi suprimida, passou a depender de convencimento individual dos trabalhadores.
Propositadamente, a Abert não faz nenhuma menção às restrições impostas pelo STF à contribuição confederativa, por meio da Súmula Vinculante N. 40, que a declara exigível apenas dos filiados, e à contribuição assistencial (taxa negocial), no RE 104859, proibindo a sua cobrança de trabalhadores não sindicalizados, sendo que essa restrição não é extensiva às empresas não sindicalizadas, só vale para os trabalhadores.
As alegações da Abert assemelham-se à ironia de cacique indígena, reconhecido como sábio — citado por Eduardo Galeano, em seu livro “Abraços” —, após ouvir um sermão religioso, sem sentido para ele, tendo verberado, para o pregador: “Você coça; coça bastante; e coça bem. Mas, onde você coça, não coça”.
A notícia de tal ADC, postada no Portal do STF, ao dia 4 de junho corrente, dá exata dimensão da falsidade das premissas da Abert:
“A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) ajuizou a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 55, na qual busca que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça a validade de regra da Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) que passou a exigir autorização prévia e expressa do trabalhador para o desconto da contribuição sindical. O relator do processo, ministro Edson Fachin, determinou que a ADC seja apensada aos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI ) 5794, também de sua relatoria, visando ao julgamento conjunto dos processos pelo Plenário do STF. A ADI 5794, que trata do fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, está na pauta de julgamentos do próximo dia 28.
A Abert argumenta que há 17 ADIs sob a relatoria do ministro Fachin pedindo a invalidade da norma introduzida pela Reforma Trabalhista, mas o objetivo da ação por ela ajuizada é exatamente o contrário, pois busca a declaração da constitucionalidade da alteração que desobriga o desconto compulsório da contribuição sindical. ‘Se o trabalhador é livre para se sindicalizar — e para se manter assim — deve igualmente ter o direito de decidir se deseja, ou não, contribuir para o custeio do sistema sindical ao qual se vincula’, afirma.
Para a entidade, a mudança desafia o entendimento tradicional acerca da natureza jurídica da contribuição sindical e do papel dos sindicatos. Sustenta o cabimento da ADC diante de existência de controvérsia judicial relevante, com ações em trâmite nas mais diversas instâncias — propostas inclusive contra várias de suas filiadas — questionando o novo modelo de contribuição sindical facultativa e com decisões que adotam entendimentos antagônicos, ora privilegiando o novo estatuto, ora afastando sua aplicação por suposta incompatibilidade com a Constituição Federal.”
A se dar crédito às questionáveis premissas da Abert, ela e os demais que apoiam a conversão da contribuição sindical em facultativa são os verdadeiros e únicos defensores dos trabalhadores, ficando os sindicatos que os representam como os vilões. Quanta desfaçatez.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee