Por José Geraldo de Santana Oliveira*

 

O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos de seus ministros — 6 a 5 —, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N. 4439, abdicou-se de sua competência precípua de guardião da Constituição Federal (CF), atribuída pelo Art. 102 desta, e, por conseguinte, da Ordem Democrática plural que dela se emana, ao autorizar o ensino religioso confessional nas escolas públicas.

Essa autorização, a pretexto de dar interpretação ,conforme à CF, ao Art. 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) —Lei N. 9394/1996 —, e 11, § 1º, do Acordo Brasil-Santa Sé — aprovado pelo Decreto Legislativo N. 698/2009 e promulgado pelo Decreto Federal N. 7107/2010 —, longe de respeitar a laicidade do Estado, a pluralidade social e a inviolabilidade de consciência e de crença, ao que tudo indica, provocará o seu reverso, infirmando os argumentos dos seis ministros que a avalizaram.

Como consequência dessa decisão, para que se preserve o princípio constitucional da isonomia (Art. 5º, caput, da CF), e para não se incentivar e acirrar a disputa entre as várias crenças religiosas, cada escola pública de ensino fundamental, dos 5.570 municípios brasileiros, terá de garantir a matrícula facultativa de ensino religioso de todas as crenças que se fizerem presentes em seu seio. Se não o fizer, preferirá uma em detrimento das demais, o que é inadmissível no Estado Democrático de Direito vigente no Brasil. Isto será possível? Será assim que as escolas públicas procederão?

Ou será que há outros caminhos possíveis que não violem esses fundamentos e garantias? Caso os haja, quais? Como se definir por uma, sem que isso represente desrespeito e menosprezo às demais? Pelo critério de crença com maior número de adeptos? Por votação? Qual o critério de escolha: voto unitário, ponderado ou consenso entre as diversas crenças? É possível o consenso entre as diversas crenças, para a escolha de uma?

Se houver definição por uma crença, os alunos que não forem adeptos delas e os que optarem por não efetivar a matrícula, no uso da prerrogativa que lhe asseguram o Art. 210, § 1º, da CF, e 33 da LDB, ficarão ociosos durante o período em que a disciplina dela decorrente for ministrada? Serão liberados da escola? Nessa hipótese, quem os acompanhará até a sua residência? Desenvolverão outras atividades pedagógicas? Quais?

Lamentavelmente, os seis ministros que votaram favoravelmente ao ensino religioso confessional nem sequer bordejaram essas questões candentes. Como enfrentá-las? Não o disseram.

Como a maioria dos ministros não acolheu a tese de julgamento apresentada pelo relator, ministro Roberto Barroso, assim assentada: “O ensino religioso ministrado em escolas públicas deve ser de matrícula efetivamente facultativa e ter caráter não confessional, vedada a admissão de professores na qualidade de representantes das religiões para ministrá-lo”, cabe ao STF dar resposta às questões retro e às demais que decorram da decisão tomada, sob pena de colossal desserviço à Ordem Democrática e de se responsabilizar pelas consequências que dela advierem, com destaque para a volta da indesejável competição entre as diversas crenças, que, com certeza, levará à intolerância e ao ódio religioso, que se pensava estivesse sepultado por todo o sempre.

 

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee e do Sinpro Goiás