SINPRO GOIÁS - JURIDICO00001

 

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

 

“No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra”.

 

Carlos Drumond de Andrade, no poema acima, escrito em 1924 e publicado em 1928, na Revista Antropofagia — e que, por anos a fio, foi alvo de enxurradas de críticas ao autor, que chegavam a pôr em dúvidas a sua capacidade poética e até o seu conhecimento de Língua Portuguesa —, retrata, de maneira, a um só tempo, singela e profunda, como  era de sua arte, os dramas sociais daquela época.

Passados 89 anos de sua primeira publicação, os dramas sociais nele retratados não perderam a sua atualidade, e, para além disto, agravaram-se, notadamente a partir do início do trágico governo Temer.

A partir da “reforma” trabalhista — Lei N. 13467 — , que entrará em vigor aos 13 de novembro de 2017, dado ao seu deletério poder de destruição de direitos, por certo, o poeta, se fosse re-escrever o referenciado poema, não diria apenas que tem uma pedra no meio do caminho; diria, isto sim, que no meio do caminho tem uma montanha, e que as retinas não estão apenas fatigadas, estão desesperadas e desesperançadas.

As organizações sindicais dos trabalhadores, sem saber como e por onde começar, são chamadas pelo eco da Ordem Social Democrática, já quase inaudível, a remover esta montanha do meio do caminho, sem o que não haverá mais Brasil decente e próspero.

Dentre as diversas frentes de luta que desafiam as entidades sindicais, em particular os sindicatos, apresenta-se a da assistência jurídica, que nunca foi tão crucial nem tão difícil, principalmente pelos entraves criados pela lei em questão, que visa a impedi-la, com indisfarçado propósito de facilitar a exacerbação da exploração dos trabalhadores.

Os trabalhadores estarão à mercê da vontade patronal, para:

I cumprir jornada de 10 horas (Art. 59 da CLT);

II banco de horas (Art. 59, § 5º, da CLT);

III regime de compensação de jornada (Art. 59, § 6º, da CLT);

IV jornada de 12×36, sem intervalo, inclusive em atividades insalubres (Art. 59-A, e 60, Parágrafo único, da CLT);

V  teletrabalho (Arts. 75-A a 75-E da CLT);

VI fracionamento das férias anuais em três períodos (Art. 134, § 1º, da CLT);

VII trabalho da mulher em atividade insalubre de grau médio ou mínimo (Art. 394-A, inciso II, da CLT);

VIII contrato autônomo, com natureza de vínculo empregatício, sem nenhum direito (Art. 442-B da CLT);

IX contrato de trabalho intermitente (Art. 452-A da CLT);

X rescisão de contrato de trabalho, não importando a causa nem o tempo de duração, na própria empresa, sem a assistência do sindicato (Art. 477, da CLT);

XI rescisão de contrato de trabalho por acordo (Art. 484-A da CLT); contrato de trabalho sem direitos e sem acesso à Justiça do Trabalho para quem possua diploma de curso superior e receba remuneração superior a duas vezes do teto do Regime Geral de Previdência Social — RGPS (Art. 507-A da CLT);

XII assinatura de termo de quitação anual de obrigações trabalhistas (Art. 507-B, e 855-B a 855-E da CLT).

Como assistir juridicamente esses trabalhadores, que se acham sós, desamparados e submetidos ao arbítrio patronal? Eis o primeiro grande desafio da assistência jurídica sindical.

Na esfera judicial, a lei opõe trancas e retrancas, para impedir o acesso dos trabalhadores e de seus sindicatos  à Justiça do Trabalho, que, consoante o Art. 5º, incisos XXXIV e XXXV, da CF, é amplo e irrestrito.

Eis as novas exigências para as demandas judiciais:

I A Justiça do Trabalho, ao examinar instrumentos coletivos de trabalho, limitará a sua análise às formalidades do contrato (Art. 104, do CC), não podendo apreciar-lhes o conteúdo (Art. 8º, § 3º, da CLT).

I1 A sua jurisprudência condiciona-se à aprovação da súmula, orientação jurisprudencial e/ou precedente normativo ao voto de dois terços dos ministros (18), e somente após a matéria sob discussão ser aprovada de forma idêntica e à unanimidade, em sessões diferentes, de dois terços de suas turmas — 6 (Art. 702, inciso I, alínea ‘f’, da CLT).

II O direito comum passa a ser fonte subsidiária do direito do trabalho, sem nenhuma ressalva  (Art. 8º, § 1º, da CLT).

III A prescrição será total se a lide envolver pedidos de prestações sucessivas, que não estejam assegurados em lei (Art. 11, § 2º, da CLT).

IV Haverá prescrição intercorrente, no prazo de dois anos, contados da data que o reclamante deixar de cumprir alguma ordem judicial, no curso da execução (Art. 11-A, caput e § 1º, da CLT).

V As reclamações judiciais somente poderão ser propostas contra a sucessora, em caso de sucessão empresarial (Art. 448-A da CLT).

VI O dano moral, extensivos às empresas, ficará limitado aos ditames da CLT, dependerá de provas subjetivas e será tarifado, de acordo com o salário de cada trabalhador (Arts.223-A a 223-G da CLT).

VII Os sindicatos serão litisconsortes passivos necessários em todas as ações que discutam a validade de qualquer dispositivo de convenção e/ou acordo coletivo de trabalho, obrigando-se a defendê-los (Art. 611-A, § 5º, da CLT).

VIII A justiça gratuita, que se limita às custas processuais, no percentual de 2% (Art. 789 da CLT) — não incluindo honorários periciais e de sucumbência —, somente será deferida aos que receberem remuneração igual ou inferior a 40% do teto do RGPS, hoje, de R$ 5.531,31, ou seja, receberem até R$ 2.212.52 (Art. 790, § 3º, da CLT).

IX  Os prazos processuais serão contados apenas em dias úteis, não se incluindo o dia publicação e incluindo-se o do vencimento ( Art. 775 da CLT).

X Todos os pedidos, obrigatoriamente, terão de ser certos, determinados e com indicação de valor, os que não atenderem a esta exigência serão extintos, sem resolução do mérito (Art. 840 da CLT).

XI O reclamante ficará responsável pelos honorários periciais se o seu pedido a ele vinculado for julgado improcedente, ainda que seja beneficiário da justiça gratuita, sendo autorizada a penhora de quaisquer outros créditos para satisfazê-los (Art. 790-B, da CLT).

XII Se os pedidos forem integralmente procedentes, somente o reclamado será condenado em honorários de sucumbência; havendo improcedência de qualquer um deles, o reclamante será reciprocamente sucumbente, ficando a vedada a compensação entre os honorários devidos, podendo qualquer crédito do reclamante ser penhorado para quitar a sua parte (Art.791-A, § 3º, da CLT).

XIII A litigância de má-fé, no percentual superior a 1% e inferior a 10% do valor da causa corrigido, poderá ser igualmente aplicada ao reclamado e ao reclamante, e, até mesmo, à testemunha (Arts. 793-A a 793-D).

XIV A ausência do reclamante à audiência importará o arquivamento da reclamação, com a sua condenação em custas, não podendo ser ajuizada nova ação enquanto estas não forem recolhidas (Art. 844, § 2º e 3 º, da CLT).

XV A ausência do reclamado à audiência não lhe acarretará revelia se estiver presente um deles, em caso de reclamação plúrima, ou estiver representado por advogado; ou, ainda, nas hipóteses de o litígio versar sobre direitos indisponíveis, a petição não fizer acompanhar de documento que a lei considere essencial, e se as alegações de fato, do reclamante, forem inverossímeis ou colidirem-se com as provas constantes dos autos (Art. 844, § 4º, da CLT).

XVI A execução será promovida pelas partes, e somente podendo ser de iniciativa do juízo (de ofício), nos casos em que as partes não se fizerem representar por advogados (Art. 878 da CLT).

XVII O prazo para impugnação dos cálculos será comum às partes, com duração de oito dias, e dela somente se conhecerá se for fundamentada, com a indicação dos itens e valores objeto de discordância (Art. 879, § 2º, da CLT).

XVIII Os créditos trabalhistas serão atualizados pela taxa referencial —TR (Art. 879, § 7º, da CLT).

XIX A garantia da execução poderá ser feita pelo depósito dos valores devidos, acrescidos das custas processuais, seguro-garantia judicial, ou pela nomeação de bens à penhora, observada a ordem do Art. 835, do CPC; essas garantias não se aplicam às entidades filantrópicas (Art. 882 e 884 da CLT).

 

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico do Sinpro Goiás e da Contee