A lógica dos games, que combina desafios com recompensas, ganha espaço em escolas de vários países como forma de motivar os alunos e desperta críticas por tratar a educação como um jogo de medalhas

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Eles já foram de vilão a mocinho. Ainda hoje provocam desconfiança sobre que papel realmente ocupam no ambiente educacional. Tidos como inimigos da educação, apontados como uma atividade que distrai e toma tempo das crianças, os jogos digitais ganharam agora a missão de resgatar o interesse dos alunos pela escola. Com a chamada “gamificação”, estratégia de ensino que combina desafios, competição e recompensas, a lógica dos jogos eletrônicos começa a ser vista por muitas instituições como um recurso para motivar os alunos e tornar o estudo mais atraente. Mas será que eles poderão salvar os alunos do tédio na educação?

Com pós-graduação em games e graduado em história, o professor Rodrigo Ayres Araújo acredita que sim. A crença é motivada pela experiência pessoal. Ainda em 2004, frustrado com a falta de interesse de um aluno da quinta série pelo aprendizado da matéria, perguntou ao garoto o que ele gostava de fazer. Recebeu como resposta “jogar videogame”.

“Ele me surpreendeu ao contar detalhes de um jogo japonês com história e linguagem complexas. Perguntei como ele sabia tanto de algo que tem um enredo tão difícil e não conseguia aprender a nossa história. E ele respondeu: ‘porque é mais divertido’. Isso me deu um ‘start’ e vi que os games poderiam servir como uma ferramenta pedagógica importante”, conta Araújo, que por seu trabalho ganhou prêmios como o Educador Inovador, promovido pela Microsoft, o que lhe deu a oportunidade de mostrar seus projetos na área durante o Fórum Global de Educação, em 2012, na República Tcheca.

Game pedagógico
Para Rodrigo, “gamificar” a educação é um processo gradual de construção de interatividade da disciplina com os alunos e de propor um mecanismo de geração de conhecimento a partir do desafio com elementos e características de um game. “A ideia é buscar alternativas para que os alunos construam esse conhecimento a partir da adaptação de suas pesquisas, com objetivos próprios de produção cultural”, explica.

A partir dessa proposta ele criou, em 2012, o projeto Gamificação de Sorocaba, que reuniu quatro classes de 9º ano de uma escola municipal. Com a temática ambiental, a atividade motivou pesquisas, vídeos e desenhos criados pelos estudantes que resultaram em um game pedagógico, ganhador de dois prêmios na área da educação.

“Uma aula com o professor lendo um livro para a classe não funciona. Com os games, a interação do aluno com a matéria é muito maior”, apoia Guilherme Del Rio Bertola, 16 anos, estudante do terceiro ano do colégio O Farol, de Sorocaba, SP, e que participou do projeto de gamificação comandado por Araújo.

Para Luciano Meira, professor do departamento de psicologia da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador associado da Joy Street (empresa especializada no desenvolvimento de ambientes digitais de aprendizagem), o sistema tradicional de ensino está ultrapassado, e ferramentas como os games são essenciais para incentivar a participação dos alunos. “O jogo não é só pontuação, ele envolve uma estrutura narrativa, um enredo que captura o imaginário do participante, traz sentido de missão e uma série de atividades e desafios”, explica. “Com ele, é possível engajar um jovem ou adulto por horas seguidas, além de exercer a atividade-alvo em modo de alto desempenho. O professor pode usar essas ferramentas para criar cenários imersivos de aprendizagem”, defende.

Educação x entretenimento
A necessidade de “engajar” os alunos é ponto comum, mas a forma de como fazê-lo, não. Na opinião de Heloisa Borges da Costa, pedagoga e professora do ensino fundamental na Escola Waldorf Rudolf Steiner, de São Paulo, há meios mais adequados para isso. “O que motiva os alunos deve ser o mundo ao redor, o real. Temos outros recursos melhores e mais verdadeiros para motivá-los”, acredita.

Fundador da Geekie, empresa que oferece soluções adaptativas de aprendizado, Eduardo Bontempo concorda que a gamificação não é a solução para todos os problemas educacionais. “Não é o jogo por si só que traz melhorias ao ensino. O que ele faz é despertar o interesse do aluno e envolvê-lo, dando autonomia. Este protagonismo, sim, é capaz de melhorar o processo de aprendizado, pois torna o aluno mais interessado, investigativo, determinado e persistente”, defende.

Uma das primeiras redes de ensino no Brasil a trabalhar com a ideia dos jogos na educação, a Positivo começou a utilizar esse recurso há 15 anos, inicialmente com o chamado edutainment (softwares que buscavam o equilíbrio entre ensino e entretenimento). “Com o passar do tempo começamos a trabalhar mais o conteúdo. Hoje o game é apenas um dos componentes do material”, explica Parahuari Branco, diretor de pesquisa, desenvolvimento e inovação da divisão de tecnologia educacional da Positivo Informática. A empresa possui a plataforma adaptativa Aprimora, que utiliza recursos como pontuação para incentivar o aluno. Apesar de defender o uso desse tipo de tecnologia, ele diz que é “preciso preparar de forma adequada o professor, que deve adotar um novo papel nesse processo, atuando como um direcionador das discussões”.

Professora há 26 anos, Heloisa da Costa questiona os sistemas de recompensa utilizados na gamificação, com itens como medalhas e pontos. “O aluno deve aprender pelo prazer de conhecer o mundo e não pelo prazer de uma recompensa material”, justifica. Em sua opinião, quem precisa primeiro estar motivado é o próprio professor. “Motivar os alunos é compreendê-los no seu desenvolvimento. É estudar cada etapa do desenvolvimento infantil e respeitar e atender às necessidades daquele exato momento. Fazer o ensino vivo”, resume.

A pedagoga Angélica Maria Amaral Paoletti Rodrigues, professora há 27 anos e que trabalha no ensino fundamental e infantil no município de São Paulo, acredita que o uso da linguagem dos games na escola pode até interferir no preparo dos alunos para lidar com outros tipos de linguagem. “Precisamos garantir o desenvolvimento global do aluno em todas as áreas; ficar focado somente na tecnologia, como algumas escolas fazem, é um erro, principalmente quando esquecemos as relações pessoais e o desenvolvimento de atitudes para podermos criar valores”, acredita ela. “A escola, para ser inovadora, deve ouvir mais os alunos, contribuir na formação, para termos pessoas melhores, com boa base moral”, ressalta. Em sua opinião, não é possível ignorar as novas tecnologias, que podem contribuir para melhoria da educação. “Mas devemos ter cuidado com os exageros”, destaca.

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Fonte: Revista Educação / Uol

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Jorn. FERNANDA MACHADO

Assess. de Imprensa e Comunic. do Sinpro Goiás