O escritor português José Saramago, em sua obra “A jangada de pedra”, afirma que “notícias são palavras, mas nunca se chega a saber se as palavras são notícias”.

Esta máxima, que bem expressa a fina ironia deste notável escritor, tem por finalidade demonstrar a inutilidade de certas controvérsias, muito em voga nos dias atuais, notadamente por meio daqueles que, sem base alguma, autointitulam-se especialistas, que, não raras vezes, põem-se a serviço de algum interesse escuso.

Pois bem. Tal discussão inútil, com fins insustentáveis, alcança, indevidamente, a educação profissional, notadamente a dos cursos de formação inicial e técnicos, e os cursos livres, de modo geral, quanto à função exercida pelos impropriamente denominados instrutores de ensino, daquelas e destes.

As escolas que oferecem essa modalidade de educação, tanto as do chamado Sistema S como as dos variados cursos livres, com interesses inconfessos, porém nítidos, sustentam, sem qualquer lastro na realidade, que a mencionada função não é docente e, por conseguinte, aos que a exercem não se aplicam as normas específicas de professores, tanto as legais, em sentido estrito, quanto as normativas, insertas em instrumentos coletivos de trabalho, acordo e convenções coletivas, reconhecidos pelo Art. 7º, inciso XXVI, da Constituição da República Federativa do Brasil (CR).

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N. 3.772- ajuizada em face da Lei N. 11.301, que inclui os coordenadores, orientadores, assessores pedagógicos e os diretores de unidades escolares como beneficiários da aposentadoria, com redução de cinco anos, assegurada pelos Arts. 40, § 5º, e 201, § 8º, da CR, assentou entendimento de que “A função de magistério não se circunscreve ao trabalho em sala de aula, abrangendo também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento a pais e alunos, a coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar”.

Ao longo do julgamento desta ADI, que se arrastou por várias sessões, travaram-se reveladores e relevantes debates sobre a matéria.

Primeiro, o advogado-geral da União, em seu pronunciamento, asseverou que “a Lei Maior utiliza a expressão funções (plural) de magistério, demonstrando que a norma merece receber uma interpretação ampliativa, no sentido de abranger todas aquelas tarefas prestadas pelos docentes que tenham pertinência com a missão de educar no ambiente escolar, e não apenas a função (singular) de ministrar aulas”.

O relator do processo, ministro Ayres Brito – apesar de votar pela inconstitucionalidade da destacada lei -, afirma: “É dizer, a Constituição reconheceu que o professor está o tempo inteiro e em toda parte a cuidar de sua profissão e dos seus alunos, formando com o alunado um vinculo psicológico-afetivo-profissional que perdura por toda a vida. O professor não se descarta da sala de aula como quem se despoja de uma vestimenta usada ou tranca atrás de si uma porta de trabalho. E foi precisamente por assim reconhecer as entranhadas peculiaridades do labor docente que a Magna Carta Federal tratou de conferir aos professores regras tutelares em apartado para a respectiva aposentação”.

Como o ministro relator votou no sentido de restringir a aposentadoria, com a redução de cinco anos, apenas aos que professores que se ativam em regência de classe, abriu-se um profícuo debate sobre a matéria, como já se disse.

O ministro Marco Aurélio registrou, em sua argumentação: “Vossa Excelência admite que, no caso, o assessoramento pedagógico, a direção da própria unidade, a coordenação em si, sejam exercidas – e são exercidos na prática – por professores? Não seria o caso de partir-se para uma interpretação conforme, assentando a necessidade de se ter, nesses cargos mencionados, nessas funções mencionadas, que, a meu ver, estão no grande âmbito ‘magistério’, professores? Porque, veja, já houve época em que se imaginava que a redução do tempo para a aposentadoria seria uma decorrência da utilização do giz. Hoje em dia, já não se tem mais o giz, o quadro-negro. Então, penso que não se pode chegar ao ponto, por exemplo, de se excluir a contagem especial relativamente a um professor deslocado para função até mesmo, para mim, de maior responsabilidade, que é a da direção da unidade escolar, a do assessoramento pedagógico, implementado, inclusive, em relação aos próprios professores.

(…) Mas a premissa dos que sustentam que também os dirigentes e os técnicos, professores – com qualificação de professor -, têm direito a essa redução única: ela já está contemplada expressamente no texto constitucional”.

O ministro Gilmar Mendes, aparteando o ministro Ricardo Lewandoswki, afirmou: “No sentido de deixar claro que seriam professores no exercício, também, de atividade de direção de unidade, coordenação e assessoramento pedagógico”.

O ministro Ricardo Lewandoswki, por sua vez, destacou: “Daí porque estou convencido, permissa vênia, de que a interpretação gramatical é perversa. (…) sinto-me autorizado a lembrar Hesíodo, citado por Platão : ‘suave é o caminho que conduz à perversidade (…) percorrê-lo dispensa qualquer suor. Isso porque o caminho da perversidade é ‘extremamente curto’.

A interpretação gramatical é perversa porque desvaloriza, sim, a atividade do professor, cindindo o que não se pode cindir. (…) Ademais de cindir o incindível, a interpretação que conduz à procedência da ação impede que a escola seja dirigida por qualquer membro do seu corpo docente. Atribui à orientação pedagógica de cada escola (coordenação e assessoramento) a estranho ao seu corpo docente. Ora, ao contrário do que determina o artigo 206, V, da Constituição do Brasil – os profissionais da educação escolar hão de ser valorizado – a interpretação gramatical os apequena, perversamente.

(…) E, quanto a mim, interpreto esse texto de modo a afirmar que o tempo de serviço prestado pelo professor no exercício de função de direção de unidade escolar e de coordenação e assessoramento pedagógico não pode ser concebido como ‘tempo de serviço prestado fora da sala de aula’”.

Não obstante a clareza solar e o alcance deste magistral debate, travado pelos ministros do STF, muitos ainda se acham no direito de apresentar óbices de outra natureza, qual seja o de que, em regra, os indevidamente intitulados instrutores de ensino não possuem a habilitação legal, para o exercício de magistério, exigida, no âmbito do Direito do Trabalho, pelo Art. 317 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Igualmente, este óbice, já fora suplantado. A uma, pelo próprio texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei N. 9.394/96, e, pela Lei N. 10172/2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE). A duas, porque a Portaria MEC N. 399/89, que fazia tal exigência foi revogada pela Portaria MEC N. 524/98. A três, porque o Tribunal Superior do Trabalho (TST) opôs-lhe a derradeira pá de cal, no julgamento do Processo E-RR 6800-19.2007.5.04.0016, como se extrai da ementa do Acórdão.

PROFESSOR. ARTIGO 317 DA CLT. INSTRUTORA DE INFORMÁTICA. ESTABELECIMENTO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL. ATIVIDADES TIPICAMENTE DOCENTES.

1. A norma insculpida no art. 317 da CLT, de natureza meramente formal e desvestida de qualquer conteúdo cerceador de direitos trabalhistas, dirige-se aos estabelecimentos particulares de ensino, que deverão exigir de seu corpo docente habilitação legal e registro no Ministério da Educação. Daí não deflui, contudo, qualquer óbice ao reconhecimento da condição de professora, para efeito de percepção de parcelas trabalhistas próprias dessa categoria profissional, à empregada – instrutora de informática – exercente de funções tipicamente docentes.

2. Para o Direito do Trabalho, afigura-se imprescindível ao reconhecimento do exercício de atividade profissional de professor o real desempenho do ofício de ministrar aulas, em qualquer área do conhecimento humano, em estabelecimento em que se realiza alguma sistematização de ensino. Aplicação do princípio da primazia da realidade. Precedente da SBDI1.

3. Embargos de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento.

Claro está, portanto, que a estéril e indevida discussão sobre o adequado enquadramento sindical dos docentes, contratados sobre a mal intencionada rubrica de instrutores de ensino, acha-se superada, no âmbito da última instância da Justiça do Trabalho, a SBDI1, do TST- muito embora juízes e tribunais ainda insistam em desconhecer a jurisprudência desta instância maior -, a discussão quanto à natureza docente do trabalho do “instrutor de ensino”, que, a rigor, exerce todas as atividades que compõem a função de magistério, inclusive, a regência de classe.

Destarte, faz-se imperiosa e inadiável a adoção de medidas administrativas e judiciais, dos sindicatos que representam docentes, visando à obtenção do correto enquadramento dos que se encontram sob o sujo manto de instrutores de ensino.

Para tanto, são recomendáveis: notificação extrajudicial e protesto judicial, ao Sistema S e aos cursos livres, para que se abstenham de negociar com os Senalbas as condições de trabalho de tais profissionais, bem como de repassar às referidas entidades sindicais e contribuição sindical, descontada destes profissionais; ações de não fazer, cumuladas com multas cominatórias, envolvendo as empresas e os Senalbas, para que se abstenham de praticar os mencionados; ações de anulação de ato jurídico, visando à anulação de acordos e/ou convenções coletivas, assinados com os Senalbas, abrangendo os docentes; e ações de cobrança de contribuição sindical, em face do Sistema S e dos cursos livres; e, por último, alternativamente, ações de repetições de indébito, em face dos Senalbas, buscando a devolução da contribuição sindical, por eles, indevidamente recebidas- a título de registro, anota-se que uma ação desta natureza, movida em face da CNEETC, foi o instrumento que viabilizou o acordo sindical, que garantiu o registro da Contee.

* José Geraldo de Santana Oliveira

Consultor Jurídico da Contee e Assess. Jurídico do Sinpro Goiás

 

Jorn. FERNANDA MACHADO

Assess. de Imprensa do Sinpro Goiás