Em homenagem ao Dia Nacional do Livro, comemorado em 29 de outubro, compartilhamos os lindos versos de Castro Alves.
O Livro e a América
Talhado para as grandezas,
Pra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
“Da minha eterna oficina…
“Tira a América de lá”.
Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um — traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceilão…
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.
Olhando em torno então brada:
“Tudo marcha!… Ó grande Deus!
As cataratas — pra terra,
As estrelas — para os céus
Lá, do pólo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar…
Eu quero marchar com os ventos,
Corn os mundos… co’os
firmamentos!!!”
E Deus responde — “Marchar!”
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“Marchar! … Mas como?… Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteon?…
Marchar co’a espada de Roma
— Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo. . .
— Com as garras nas mãos do mundo,
— Com os dentes no coração?…
“Marchar!… Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?…
Não!… Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir…
Lá brada César morrendo:
“No pugilato tremendo
“Quem sempre vence é o porvir!”
Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo…
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade vooul…
Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O sec’lo, que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou…
O Genovês salta os mares…
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou…
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto
As almas buscam beber…
Oh! Bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.
Vós, que o templo das idéias
Largo — abris às multidões,
Pra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse “rei dos ventos”
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz! …
Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão! …
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada “Luz!” o Novo Mundo
Num brado de Briaréu…
Luz! pois, no vale e na serra…
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!…
Castro Alves
Do livro: “Poetas Românticos Brasileiros”, vol. I, Editora Lumen, SP, s/ano