Os efeitos perversos da terceirização de mão de obra, conforme a regulamentação proposta no Projeto de Lei 4.330, e a ausência total de sua discussão com os trabalhadores, entre outros aspectos negativos, motivaram o envio de uma carta da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) ao presidente da Câmara Federal, deputado Henrique Alves (PMDB).
A carta da Contee, entidade à qual o Sinpro Goiás é filiado, foi elaborada como parte da Campanha Nacional de Valorização Profissional dos Trabalhadores em Educação. Endereçada ao presidente da Câmara, também foi encaminhada às lideranças dos partidos e aos demais deputados.
Abaixo, a íntegra do documento, assinado pela professora Madalena Guasco Peixoto, Coordenadora-geral da Contee
Carta ao Presidente da Câmara dos Deputados
Deputado Henrique Eduardo Alves
Senhor Presidente,
Com os nossos respeitosos cumprimentos, trazemos-lhe a voz e a ponderação de mais de 1 milhão de profissionais da educação escolar, que se ativam em escolas particulares, espalhadas pelos 5.565 municípios brasileiros, e que se associam aos outros mais de 80 milhões que compõem a população econômica ativa do Brasil, sobre a “pertinência” da anunciada votação, pela plenária dessa augusta Casa Legislativa, do Projeto de Lei N. 4.330/2004, que trata da regulamentação da terceirização das relações de trabalho, nos próximos dias, apesar de a ele se oporem, além de todas as centrais sindicais de trabalhadores, autorizadas vozes do Poder Judiciário Trabalhista, em todas as suas instâncias, do Ministério Público do Trabalho e estudiosos dos direitos fundamentais sociais e do acreditado Departamento intersindical de Estatísticas e Estudos Sócios Econômicos (Dieese).
As referidas vozes, repitam-se, que se contam aos milhões entendem que, não obstante o destacado PL tramitar, por essa prestigiosa Casa Legislativa, há nove anos, o seu conteúdo que, até aqui, a rigor, somente foi discutido com os empresários, afronta todos os fundamentos, princípios e garantias sobre os quais se assenta a República Federativa do Brasil, bem assim, todos os tratados internacionais, por ela ratificados, e as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Frise-se, Senhor Presidente, que os presidentes de todos os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e a maioria de seus corregedores também são contrários ao monstro chamado PL N. 4.330/2004. Como destaca a Carta recentemente enviada a V. Exª por 19 dos atuais 26 ministros do Tribunal Superior do Trabalho – que, consoante preconizam os Arts. 111 a 114, é a instância máxima da Justiça do Trabalho, no Brasil – e pela Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra) – que reúne milhares juízes -, não se extrai da análise do Relatório do Deputado Federal Artur da Maia qualquer garantia de que, se aprovado e sancionado o citado PL, dele advirá algum benefício para os trabalhadores.
Ao contrário, o que se extrai do seu conteúdo é a total negação dos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho, insculpidos no Art. 1º, incisos III e IV, e 170, caput, da CR.
É bem de ver-se, Senhor Presidente, que a CR, no seu preâmbulo, que representa a síntese dos seus objetivos e metas, destaca que o Estado Democrático, por ela implantado, destina-se, antes de tudo, “…a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna…”.
Será que o PL sob destaque está acorde com estes objetivos e metas? Com exceção dos que o defendem, com todo o respeito, com objetivos escusos, ninguém que o analise consegue, nele, enxergá-los.
Será que a abertura da terceirização, para todas as atividades das empresas, inclusive a que se constitui no seu fim, com possibilidade de terceirização da terceirização, e de locação de mão-de-obra, nos moldes previstos pelo Código Civil (CC) de 1916, já suplantada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), há exatos setenta anos, contribuirão para dar efetividade ao fundamento da valorização social do trabalho? Sabendo-se que, hoje, mesmo com as restrições impostas pela Súmula 331, do TST, que só a admite para trabalho temporário, jamais para a atividade fim, 22% dos maiores devedores da Justiça do Trabalho são de empresas terceirizadas e oito em cada dez acidentes de trabalho, nelas acontecem.
Será que a terceirização do ensino, permitida pelo realçado PL, contribuirá para que a educação cumpra os objetivos que lhe são reservados pelo Art. 205, da CR, de proporcionar o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho?
Será que com a terceirização do ensino construir-se-á o padrão de qualidade social da educação, erigido à condição de princípio constitucional, pelo Art. 206, inciso VI, da CR?
Senhor Presidente, até aqui, não se divulgou nenhuma resposta balizada sobre estes e os muitos outros questionamentos, que se mostram necessários. O que se tem é apenas a profissão de fé dos que defendem o açodamento da aprovação deste PL.
Como a CR preconiza, em seu Art. 1º, Parágrafo único, que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, com respaldo nos argumentos retroexpendidos, que reputamos de inquestionável relevância social, para que se dê efetividade ao Art. 193, da CR- que estabelece: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”-, e para que o Brasil não se transforme em um País politicamente democrático e socialmente fascista, parafraseando o sociólogo português, Boaventura Souza Santos, rogamos a V. Exª que faça o que não se fez até agora, ou seja, que transforme o PL sob questionamento em objeto de amplo debate, por meio de audiências públicas nessa Casa Legislativa e nas 27 assembleias legislativas, ouvindo-se os trabalhadores, sobre quem recairão as consequências da lei que, porventura, dele emane, por meio das centrais sindicais, as confederações, as federações e os sindicatos; os empresários, por meio de suas representações coletivas; os magistrados do trabalho, por suas associações; o Ministério Público do Trabalho; a OAB; e os parlamentares.
E mais: que somente ao depois deste único e verdadeiro exercício da democracia em matéria legislativa é que se pense em levar a voto tal PL, contemplando-se todas as propostas condizentes com os fundamentos, princípios e garantias constitucionais, que se colherem em mencionados debates.
Afinal, Senhor Presidente, não podemos nos esquecer jamais da milenar e imorredoura lição do filósofo e historiador grego, Plutarco, segundo a qual a obra prima da injustiça é parecer justa. Parecer sem ser.
Atenciosamente,
Madalena Guasco Peixoto
Coordenadora-geral da Contee