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A quem beneficia a conciliação na Justiça do Trabalho?

Adv. José Geraldo de Santana Oliveira

Assessor Jurídico do Sinpro Goiás

Consultor Jurídico da Contee, Fitrae-BC,

Fitrae-MT/MS, do Sintrae-MS/MT e do

Sinpro Pernambuco. 

José_Geraldo_Santana

Em artigo publicado no jornal Diário da Manhã, o advogado do Sinpro Goiás, José Geraldo de Santana Oliveira, faz um duro questionamento quanto à atuação da Justiça do Trabalho, por privilegiar às cegas a conciliação trabalhista, em prejuízo do trabalhador.

A Constituição de 1934, em seu Art. 122, criou a Justiça do Trabalho, com natureza administrativa, “Para dirimir questões entre empregadores e empregados (…)”.

O caráter administrativo desta Justiça é dado pelo Parágrafo único, do citado Art., que dispunha, de forma literal:

“A constituição dos Tribunais do Trabalho e das Comissões de Conciliação obedecerá sempre ao princípio da eleição de membros, metade pelas associações representativas dos empregados, e metade pelas dos empregadores, sendo o presidente de livre nomeação do Governo, escolhido entre pessoas de experiência e notória capacidade moral e intelectual”.

A Constituição de 1937 repetiu a mesma redação, em seu Art. 139. Já a de 1946, em seus Arts. 94 e 122, deu à Justiça doTrabalho a natureza judicial, ou seja, elevou-a  à condição de integrante do Poder Judiciário.

O Decreto-lei N. 9.797/46 criou as juntas de conciliação e julgamento o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e os tribunais regionais do trabalho, como integrantes do Poder Judiciário Trabalhista.

A composição paritária, da Justiça do Trabalho, com representação dos empregados e dos empregadores, presidida por um juiz togado, permaneceu até a Emenda Constitucional (EC) N. 24, de 16 de agosto de 1999, que acabou com as juntas de conciliação e julgamento, e, por conseguinte, com a representação classista, substituindo-as por varas do trabalho, compostas, exclusivamente, por juízes togados, ou de carreira jurídica, aprovados em concursos públicos de provas e de títulos.

Não obstante a mudança radical introduzida na Justiça do Trabalho, com a EC 24/99, o seu objetivo prioritário continua a ser o da conciliação entre as partes litigantes, ficando o julgamento como alternativa, no caso de fracasso desta.

Consoante o Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha (Editora Nova Fronteira, 1998), o verbo conciliar, do Latim “conciliare”, tem por objetivo pôr as partes em boa harmonia, de acordo e congraçadas.

Nada há a contestar quanto o objeto primeiro da Justiça do Trabalho seja o da conciliação. Porém, tudo a rechaçar ao seu conteúdo, pelas razões a seguir expostas.

A não ser esporadicamente, em casos raríssimos, o trabalhador não recorre à Justiça do Trabalho, de forma preventiva. Sempre, ou, ao menos, quase sempre que o faz é para remediar uma situação já concretizada, de desrespeito aos seus direitos fundamentais sociais, e, às vezes, até individuais.

Ora, se esta é a regra, nas ações trabalhistas, para que o remédio não fique pior do que o mal, cabe à Justiça do Trabalho, antes de mais nada, verificar que direitos, efetivamente, foram lesados pela empresa reclamada e tê-los como parâmetros para a busca da conciliação das partes litigantes, sob pena de o infrator ser mais uma vez beneficiado pela sua torpeza.

Isto porque, é indiscutível que as empresas que descumprem os direitos sociais básicos, do trabalhador, beneficiam-se com este repudiado ato, e por várias razões.

A primeira delas é que, enquanto permanecer no emprego, o trabalhador não recorre à Justiça do Trabalho, para reaver os direitos que lhe foram surrupiados, sob pena de perda do emprego. Com isso, com frequência, os seus direitos lesados são alcançados pela prescrição quinquenal de que trata o Art. 7º, inciso XXIX, da CR.

A segunda é que considerável parcela dos trabalhadores prejudicadospelo criminoso ato de sonegação de seus direitos não recorre à Justiça do Trabalho, o que ajuda o patrão sonegador a enriquecer-se indevidamente, ainda mais.

Por isso, o objetivo da Justiça do Trabalho, para que ela dê efetividade aos fundamentos constitucionais de valorização (Art. 1º, inciso III, da CR) e do primado do trabalho (Art. 193, da CR), obrigatoriamente, tem de ser o de reaver os direitos sociais subtraídos, seja por meio da conciliação, seja pela condenação e execução forçadas.

Porém, lamentavelmente, não é assim que ela age. Ao contrário, faz da conciliação o objetivo e não o instrumento. Pouco importando se, com este ato, o trabalhador saia, mais uma vez, diminuído em seus direitos, como sói acontecer na quase totalidade dos casos.

Quando as partes sentam-se à mesa da tribuna da Justiça do Trabalho, o Juiz sequer teve contato prévio com o processo. Importa dizer: sequer conhece as pretensões e as razões do reclamante.

Porém, esse desconhecimento não o impede de buscar, à exaustão, a conciliação entre os litigantes, apesar de fazê-lo às cegas, em, pelo menos, noventa e nove por cento dos casos. A bem da verdade, o Juiz persegue com denodo uma conciliação sem o quê nem por quê. O que ele sabe é que tem de tentar a conciliação, sob pena de nulidade absoluta dos atos que se seguirem.

Mediante esse quadro surreal, de conciliação às cegas, não se tem notícias de acordos que, ao menos, reponham ao trabalhador o que ele perdeu, pelo ato de sonegação do patrão. A regra, quase absoluta, é a de mais benefícios, obviamente que indevidos ao patrão sonegador, decorrentes da redução, normalmente, indecente do valor devido. Com uma relevante diferença com o beneplácito e com a chancela da Justiça do Trabalho, que deveria ser a justiça do trabalhador, e não contra ele, como, cotidianamente, verifica-se.

Firmam-se e homologam-se, judicialmente, conciliações nocivas aos trabalhadores em que pesem todos os direitos fundamentais sociais serem irrenunciáveis, com exceção das ressalvas constitucionais do Art. 7º, incisos VI (irredutibilidade salarial) e XIII (compensação de horários e redução de jornada), que se sujeitam à negociação coletiva, somente adquirindo o estado de validade jurídica por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Por mais que se diga o contrário, infelizmente, a Justiça do Trabalho, quando concilia, via de regra, pratica colossal injustiça, em nome da lei, haja vista, repita-se homologar acordos, induvidosamente, ilegítimos, porquanto subtraem direitos irrenunciáveis.

Por que a Justiça do Trabalho age assim? Primeiro, porque, como já se disse, a conciliação deixa de ser instrumento e passa a ser objetivo. Segundo, porque vive sempre assoberbada com o número de processos que lhe chegam, e que, na sua quase totalidade, representam ações individuais, não havendo tempo disponível para a análise prévia das ações, antes das audiências. Para que se tenha uma ideia precisa do assoberbamento da Justiça do Trabalho, basta que se analise a série histórica, iniciada em 1941, onúmero de processos recebidos, no TST, sempre foi superior ao de julgados. No ano de 2012, por exemplo, foram julgados 214.000 e deram entrada 245.900.

A própria Justiça do Trabalho e os sindicatos ainda não entenderam a dimensão e o alcance das ações coletivas, para a efetividade dos direitos fundamentais sociais. Isto é facilmente constatado pela prevalência absoluta dos dissídios individuais.

Terceiro, porque a Justiça do Trabalho é escrava da estatística, que lhe exige produção, sem considerar a qualidade. O que importa é o número de processos resolvidos, não o conteúdo de cada resolução.

Quarto, porque o trabalhador está sempre às voltas com as necessidades financeiras, que o oprimem, levando-o, erroneamente, a supor que um acordo, ainda que vil, como o é, sempre, ou quase, é-lhe mais interessante, para aliviar-lhe, naquele momento, as agruras financeiras.

Quinto, porque a real possibilidade de demora e justo receio de que, ao final do processo, o seu direito possa não ser satisfeito, como acontece em dois terços dos casos de execução, acabam forçando o trabalhador a aceitar a conciliação que lhe é proposta.

Sexto, porque a maioria dos advogados, mesmo dos trabalhadores, não demonstra nenhuma preocupação com a construção do Estado democrático de direito e, por conseguinte, com a efetividade dos direitos fundamentais sociais, que um de seus pilares inarredáveis. Concentra os seus esforços na resolução do processo que patrocina, não analisando as suas dimensões e consequências e como a parte não integrasse e não alcançasse o todo.

Por tudo isto, pode-se a aplicar à Justiça do Trabalho brasileira, quando concilia, a máxima do historiador e filósofo grego, Plutarco, segundo a qual “A obra prima da injustiça é parecer justa. Parecer sem ser”.

Com base nesta metáfora, pode-se afirmar: em nome da celeridade e da objetividade, a Justiça do Trabalho, quando concilia, não faz mais do que praticar monstruosa injustiça.

É bem de ver-se que a conciliação, na Justiça do Trabalho, não observa sequer o que preceituam os Arts. 840 e 841, do Código Civil (CC), para a transação entre as partes em dissenso.

O Art. 840 preconiza: “É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem litígio mediante concessões mútuas”. O 841, por sua vez, dispõe”: “Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação”.

Como se vê, a condição primeira e determinante da transação é a concessão mútua. Num acordo trabalhista, qual é a concessão que a empresa faz? Normalmente, nenhuma. Apenas se dispõe a repor parte daquilo que, ilegalmente, subtraiu do trabalhador. A ausência desta condição essencial retira da transação trabalhista o seu caráter de validade jurídica, de razoabilidade e de bom senso.

A teor do Art. 841, do CC, somente os direitos patrimoniais de caráter privado são passíveis de transação. É consabido e reconhecido, por quase todos os operadores do Direito, que os direitos trabalhistas são de caráter alimentar e não de natureza patrimonial, em sentido estrito. O que se constitui em mais uma razão para não se validarem conciliações trabalhistas que sedimentam subtração de direitos fundamentais sociais.

Não pairam dúvidas de que a conciliação trabalhista reveste-se da condição de contrato entre as partes em litígio. Por essa razão, há de se trazer à baila o que determina o Art. 421, do CC; “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

No caso da conciliação trabalhista, fundada em valores aleatórios, sem levar em conta o que realmente é devido, pergunta-se: Qual a função social deste contrato? Nenhuma, exceto quanto ao fim do litígio. Em casos que tais, a função e os benefícios são de caráter privado, pois, somente o trabalhador faz concessão e somente a empresa beneficia-se.

Ante este quadro desolador, que parece se inspirar nos sonhos de Virgilio, personagem principal da magnífica obra de Dante Alighiere, A Divina Comédia, com a diferença de que o inferno, para o trabalhador é real, e não fruto de um sonho dantesco, urge que se repensem o modo e o conteúdo da conciliação trabalhista, para que a Justiça do Trabalho não seja o sepulcro dos direitos fundamentais sociais, que, na aparência, são conciliados.

José Geraldo de Santana Oliveira

OAB-GO 14.090