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“A farsa e a escada rolante para o inferno”

 

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“Num país qualquer, num dia chuvoso, poucos eleitores vindos de Lisboa, após grandes cheias, compareceram para votar durante a manhã. As autoridades eleitorais preocupadas, chegaram a supor que haveria uma abstenção gigantesca. À tarde, quase no encerramento da votação, centenas de milhares de eleitores compareceram aos locais de votação. Formaram-se filas quilométricas, e tudo pareceu normal. Mas, para desespero das autoridades eleitorais, houve quase setenta por cento de votos em branco. Uma catástrofe. […] Os governantes, sentindo-se ameaçados, trataram de agir em nome da ordem, espiando, mentindo, torturando, explodindo, desesperando. Alguns que viveram os horrores da cegueira branca, novamente sofreram.

Os governantes, preocupados em salvar a própria pele, em garantir o poder, não perceberam que a cegueira branca de outrora, demonstrativo de que há muito o homem estava cego, tinham paralelo com o voto branco de agora, indicativo de que a população não perdera a lucidez. Estranhamente, não houve uma mobilização para o facto

As palavras da epígrafe acham-se contidas no livro “Ensaio sobre a lucidez” de José Saramago (Companhia das Letras, 2004), e visavam a retratar, com a sua costumeira e refinada ironia – não raras vezes mordaz –, o contexto sociopolítico de Portugal daquele momento histórico.

Confirmando a sábia e universal metáfora – segundo a qual a vida imita a arte –, no dia 17 de abril de 2016, o Brasil foi palco de colossal ensaio, consubstanciado na aprovação da abertura de processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Porém, para o desespero dos que efetivamente buscam construí-lo, para o bem-estar e a justiça sociais – que são os objetivos da Ordem Social, preconizado pela Constituição de 1988 –, este ensaio não guarda nenhuma sintonia com a lucidez. Ao contrário, tem tudo a ver com a desfaçatez, com a patifaria e a com a farsa.

Nunca se viu tanta desfaçatez e dissimulação na história política nacional, superando até a tragédia de 1964. Àquela oportunidade, a farsa da vacância do cargo de Presidente da República foi presidida pelo Senador Auro Moura Andrade, convicto e confesso militante fascista, tendo inclusive participado da famosa “Marcha da família, com Deus e pela liberdade”, no dia 30 de março. Apesar de fascista, contra ele não recaía nenhum processo por corrupção, ao menos, publicamente.

A farsa de 2016 foi presidida pelo fascista e réu em diversos processos por corrupção, ativa e passiva, Eduardo Cunha. Ao longo da entediante e catastrófica sessão de julgamento, esse farsante foi agraciado com os adjetivos: gangster, corrupto, ladrão etc. Na esteira dele, considerável parcela dos que disseram sim à abertura do referido processo, é também ré em diversos processos por corrupção, e muitos outros já foram delatados como tal.

A comentada farsa, como não poderia deixar de ser, não tinha por escopo o combate à corrupção – até porque soa como surreal, um conclave de corruptos, com a finalidade de combater a corrupção. Aqui, como diz Saramago na citada obra: “Os governantes, sentindo-se ameaçados, trataram de agir em nome da ordem, espiando, mentindo, torturando, explodindo, desesperando”; no caso concreto de agora, os governantes são os deputados federais.

Quantos, dos 367 votos que disseram sim ao mencionado processo de impeachment, foram dados verdadeiramente em nome da ética e da moralidade? Por certo, nenhum. Até porque não se buscava um crime, sabidamente inexistente, mas, sim, um criminoso; que, a rigor, é a ordem democrática, no caso, personalizada na Presidente Dilma, pois que nenhum dos farsantes, exceto Jair Bolsonaro, teve a hombridade de dizer que votava contra aquela.

Em que pese a farsa do impeachment haver cumprido apenas a sua primeira etapa; faltando-lhe, ainda, pelos uma – que é a da admissibilidade, ou não, do processo por 42, dos 81 senadores –, e a do julgamento propriamente dito, caso vença a tese da admissibilidade. Não há dúvidas de que se desferiu certeiro golpe na ordem democrática, construída, a duras penas, com a Constituição Federal de 1988.

A partir da fatídica sessão da Câmara Federal, com certeza, nenhum presidente terá estabilidade no cargo, caso cometa a ousadia de promover, ainda que de forma tímida, políticas públicas de inclusão social, pois o capital, por meio dos seus sequazes, não admite ser molestado, em sua insaciável ganância de máxima acumulação. O governante que ousar agir assim será alvo de impeachment. Quem não obtém votos suficientes para assumir o governo, busca fazê-lo por meio de golpe institucional, travestido de impeachment.

Se o processo de impeachment for admitido por 42 senadores, imediatamente, a Presidente será afastada do cargo, e a ele jungido o conspirador mor, Michel Temer; e com a sua assunção, terá início o maior retrocesso social da vida brasileira, com o seu programa de salvação dos interesses do capital, hipocritamente, denominado de “Uma ponte para o futuro”, que, na verdade, será escada rolante para o inferno; pois que, com este, não ficará de pé nenhum dos direitos sociais fundamentais, insculpidos pela CF. Para comprovar esta assertiva basta que faça o seu cotejo com as propostas de emendas constitucionais e projetos de leis, em tramitação no Congresso Nacional, que visam a suprimi-los, levando de roldão as liberdades democráticas. Aliás, outro não é o verdadeiro motivo do golpe.

Mais do que nunca, é preciso resistir. Como já bradava Voltaire, no século XVIII, só há esperança no clamor popular; aos verdadeiros defensores da democracia, não é permitida a conjugação do verbo esmorecer, em qualquer modo, tempo e pessoa. Ainda que seja necessário enfrentar a fúria dos que, conscientemente ou inconscientemente, fazem o jogo dos golpistas.

 

Por

José Geraldo Santana Oliveira

Assessor Jurídico do Sinpro Goiás