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Contee disponibiliza modelo de contranotificação extrajudicial para auxiliar defesa de professores vítimas de cerceamento de suas atividades

Há vários meses a Contee vem se manifestando contra projetos e atitudes que buscam cercear a atuação dos professores e professoras nas salas da aula. Projetos como o que propõe a criação do Programa Escola Sem Partido colocam os professores como “manipuladores” e “doutrinadores” com a capacidade de induzir crianças e jovens a defender determinada corrente ideológica, partidária ou política.

Recentemente, a Confederação tomou conhecimento de um modelo de notificação, compartilhado pelo Movimento Escola Sem Partido, para ser utilizado pelos pais como “forma de prevenir o abuso da liberdade de ensinar por parte do professor (…) para que ele se abstenha de adotar certas condutas em sala de aula”. (Obs.: Esse trecho citado está na página do Movimento onde divulgaram o modelo de notificação extrajudicial).

Diante desse absurdo, a Contee disponibiliza às entidades filiadas um texto-modelo como sugestão para contranotificação extrajudicial caso o professor seja alvo de notificações com teor de censura de sua atividade e, assim, tenha auxílio para se defender. Confira o texto abaixo.

 

Contranotificação

Ao Sr. (ª) _______________________

Assunto: Contranotificação extrajudicial

Senhor (a),

             Em atenção à notificação extrajudicial, datada de _______________ , de 20___, por meio da qual V. Sª notifica-me a me abster de (sic) “… veicular em suas aulas qualquer conteúdo que possa implicar a violação à liberdade de consciência e de crença do meu filho—liberdade assegurada pelo art.5°, VI, da Constituição Federal –, ou ao meu direito de dar a ele a educação moral que esteja de acordo com minhas próprias convicções, nos termos do art. 12, IV, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sob pena de responder civilmente pela reparação dos danos materiais e morais que vier a causar”;

Sinto-me compelido a contranotificá-lo, para os fins do disposto no Art.726 , do Código de Processo Civil (CPC); fazendo-o pelo imperioso dever que me é imposto pela própria Constituição Federal (CF), que V. Sª invoca, para me notificar- talvez, seja mais apropriado dizer para me ameaçar-, e por  me achar convicto de que o diálogo, que V. Sª parece não cultuar, é o único caminho seguro e capaz de sedimentar o tecido social, com vistas à consolidação do Estado Democrático de Direito, implantado pela CF, de 1988, como se  colhe do seu Preâmbulo, que representa a síntese de seus objetivos.

2-          A CF, de 1988, como já anotado, assevera, em seu Preâmbulo:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

2.1  Aqui, Senhor Notificante, impõem-se-me as seguintes perguntas: 1- Será que a notificação de V. Sª guarda alguma sintonia com os objetivos da CF? Lamentavelmente, tudo que indica que não.2- Será que a harmonia social, de que nos fala o Preâmbulo da CF, poderá ser pavimentada por meio de condutas como a de V. Sª, indelevelmente, expressa na realçada Notificação? A história da humanidade, como um todo, e a do Brasil, em particular, prova-nos que não.

3     A República Federativa do Brasil, conforme o que preconiza o Art. 1°, da CF, assenta-se em cinco fundamentos, a saber: I- a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e V- pluralismo político.

3.1  O simples cotejo da Notificação de V. Sª com estes fundamentos, forçosamente, conduz aquele que o faz à triste conclusão de que não há uma só identidade ou consonância, entre aquela e estes.

4     O Art. 5°, da CF, em seu inciso IX, determina: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

4.1  Com base nesta garantia, de duas uma: ou V. Sª considera  a atividade docente não abrangida por ela, ou  só admite mediante a sua censura. Ou em outras palavras: ao que parece, para V. Sª, as garantias individuais, insculpidas no Art. 5°, da CF, somente possuem natureza erga omnis (para todos), naquilo que for de seu interesse individual, em total desprezo da causa maior, que é o interesse coletivo.

5     O Art. 205, da CF, estabelece, de maneira erga omnis, que a educação é promovida e incentiva com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação  para o trabalho.

5.1    Será que as teses expressas em sua Notificação resistem ao confronto com estes objetivos? Afirmo-lhe que não, ao tempo em que o desafio a me provar o contrário; até porque, Senhor Notificante, não há cidadania sem pluralidade, para dizer-lhe o mínimo. É esta a colaboração que V. Sª tem para dar à educação?

6     O Art. 206, da CF, dispõe: “O ensino será  ministrado com base nos seguintes princípios: II- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III- pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas..”.

6.1     V. Sª, pelo que é forçoso extrair de sua contestada Notificação, não admite nenhum destes princípios, pois que nega ao seu filho a liberdade de aprender, a mim e aos demais professores, a de ensinar; e, a ambos, o direito ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.

Assim, Senhor Notificante, para o seu desengano, quem viola a CF e a Convenção Americana de Direitos humanos, não sou eu, mas, sim, V. Sª, que, propositadamente, esquece-se que vive em sociedade e que os seus valores individuais tem como limites o respeito aos demais integrantes desta, bem assim aos valores coletivos.

7            O cotejo de sua Notificação com o plano infraconstitucional, que, no âmbito da educação escolar, é regulado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)- Lei N. 9.394/1996, para seu desencanto, também, não  dá suporte  às suas comentadas pretensões.

7.1         Por primeiro, convido-lhe a revisitar- se já os visitou-, ou a visitar- se ainda não o fez, o que parece patente- os Arts. 12 e 13, da LDB, que assim preconizam, de forma literal:

“Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:

I – elaborar e executar sua proposta pedagógica;

II – administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;

III – assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;

IV – velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;

V – prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento;

VI – articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola;

VII – informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola; (Redação dada pela Lei nº 12.013, de 2009)

VIII – notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinqüenta por cento do percentual permitido em lei.(Incluído pela Lei nº 10.287, de 2001)

Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:

I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

II – elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

III – zelar pela aprendizagem dos alunos;

IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;

V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;

VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade”.

7.2           Senhor Notificante, colhe-se do simples compulsar dos dispositivos legais retrotranscritos, o seguinte:

I-       Toda instituição de ensino, obrigatoriamente, possui a sua proposta pedagógica, que deve ser elaborada com a efetiva participação docente e dos alunos e/ou pais ou responsáveis.

II-    Cada docente exerce o seu mister em estrita observância com a proposta pedagógica da escola em que atua.

III-   No ato da matrícula, os pais e/ou responsáveis tomam conhecimento da proposta pedagógica da escola escolhida, ou a ser escolhida; se com ela não concordar, devem procurar outra que se mostrar consentânea com os seus valores políticos, filosóficos e/ou religiosas; sabendo-se que, necessariamente, nenhuma pode violar os fundamentos, princípios e garantias constitucionais retromencionados.

IV-  O trabalho pedagógico, quer o que se ativa em sala de aula, quer o que se ativa fora dela, no âmbito escolar, obrigatoriamente, tem de se guiar e respeitar as normas gerais da educação, as dos respectivos sistemas de ensino, e a própria proposta pedagógica.

V-    Quando, intencionalmente, ou por descuido, o trabalho pedagógico mostra-se em descompasso com a proposta pedagógica da escola, cabe aos pais e/ou responsáveis, cobrar-lhe o retorno ao seu leito normal, fazendo-o pelo meio indicado, que é o pedagógico, que se concretiza nas reuniões do Conselho Pedagógico e/ou de Classes, obrigatório em todas, por força do que preconiza o Art. 24, da LDB; e não por meio da Justiça, cível ou criminal.

8-     Por penúltimo, Senhor Notificante, concito-o a refletir sobre os imortais ensinamentos do Médico Paracelso (1492 a 1541), segundo os quais a aprendizagem é a própria vida; ninguém fica sequer um dia sem aprender.

8.1.  Concito-o, igualmente, a meditar sobre a importância da alteridade, cultivada há séculos, por todos os povos que amam a liberdade e a ordem democrática; o ódio e a intolerância, Senhor Notificante, não constroem sociedade plural e livre, como  se encontra registrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, da qual o Brasil, felizmente, é signatário, desde a sua aprovação. A título, de ilustração, transcrevo, aqui, dois de seus considerandos:

“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem…”

9      Por último, convido-o a vir à escola, em que trabalho e o seu filho estuda, para dialogarmos sobre a educação, e, principalmente, sobre a construção da cidadania, que não passa de figura de retórica, sem os fundamentos.

Asseguro-lhe, Senhor Notificante, que tenho total apreço pela metáfora que o falecido Presidente Juscelino Kubistchek gostava sempre de repetir: “Se alguém me provar que errei, retroajo, pois, não tenho compromisso com o erro”.   Sabe por que, Senhor Notificante? Porquê escolhi a profissão de professor,  que é  indispensável para a construção da cidadania, como assevera o Art. 206, inciso, da CF.

Não há em meu histórico profissional, um só que registro que seja, de violação, culposa ou dolosa, dos fundamentos, dos princípios e das garantias constitucionais e legais: por vocação e por dever como cidadão e professor.

Por ser oportuno, informo-lhe que cópias desta Contranotificação serão encaminhadas  à Direção do Colégio em que trabalho e aos demais integrantes da comunidade escolar, da qual, orgulhosamente, participo.

Atenciosamente,

Fulano de tal

 

 

 

Fonte: Contee