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Reflexões sobre o impeachment

A última semana foi de vitórias. A Contee destaca que vencemos uma batalha, mas não a guerra. Os usurpadores da república brasileira ainda continuarão a tentar derrubar o projeto de inclusão e distribuição de renda que precisa avançar.

 

Reflexões sobre o impeachment

Por José Geraldo Santana Oliveira

 

Mário Couto, líder metalúrgico gaúcho da década de 1930 – citado por Eloy Martins no livro “Um depoimento político” – , em uma memorável assembleia da categoria, após tecer comentários sobre as deficiências da legislação trabalhista e da Justiça do Trabalho – que dava os seus primeiros passos – , para bem assentá – los, ilustrou – os com a seguinte metáfora: Um jogador profissional de pôquer, que não conseguia mais parceiros, elaborou um livro com novas regras, para este jogo, o que provocou nova corrida a ele. Em determinada partida, com a mesa cheia de dólares, um milionário abriu o jogo, que continha, nada mais, nada menos, do que royal; como é concebido a máxima cartada deste jogo. Quando foi juntar o dinheiro, o citado jogador profissional objetou – o, com o seguinte argumento: tenho o cricri, que, pelas regras modernas, é maior do que o royal, conforme o Art. 2º, § 4º, da página vinte, do manual. O referido Art. dizia que o cricri vence o royal.

Resignado, o milionário aceitou a derrota; mais tarde, na mesma rodada, com a mesa, novamente, cheia de dinheiro, foi a sua vez de fazer o tal cricri, tendo o jogador profissional, desta feita, o royal. Quando aquele foi juntar o dinheiro, este, outra vez, objetou – o, invocando, em seu socorro, o Art. 5º, alínea ‘c’, à página 36, do citado manual. Nele estava escrito: cricri vence royal apenas uma vez por noite.

O didático Líder conclui a sua explicação do seguinte modo: “É isso aí companheiros, a Legislação Trabalhista e a Justiça do Trabalho foram elaboradas pelos patrões e representantes seus e não pelos trabalhadores, motivo porque sempre existe um artigo, um parágrafo ou uma letra favorecendo os capitalistas em prejuízo do proletariado, que ganha questões secundárias, enquanto as grandes jogadas pertencem aos patrões, à burguesia”.

Passadas oito décadas desta espetacular lição, mesmo com todo o fortalecimento do movimento sindical, da luta democrática e dos significativos avanços da legislação trabalhista e da Justiça do Trabalho, os seus ensinamentos continuam inabaláveis; pois, enquanto perdurar o regime capitalista, somente os detentores do capital podem, na ótica deles, fazer o royal, ou seja, ganhar a sua luta sem trégua contra o direito à cidadania, pelos trabalhadores.

As eleições, especialmente para a Presidência da República e o Congresso Nacional, na concepção dos donos do poder e seus sequazes, somente podem ser realizadas, periodicamente, se vencerem a primeira e obtiverem maioria absoluta, na segunda. Caso contrário, não.

Tomando a notável metáfora de Mário Couto, pode – se dizer que, em 2002, nas eleições presidenciais, o cricri venceu o royal; como os milionários acreditavam nas regras do citado jogador profissional, segundo as quais isto não era admitido mais de uma vez, por noite – no caso concreto, século – , resignaram – se e aceitaram a derrota, até porque não havia ambiente político para manobras golpistas.

Como os eleitores não aceitaram jogar o jogo das eleições, pelas regras dos milionários, o cricri venceu o royal mais três vezes, seguidas, isto é, em 2006, 2010 e 2014. O que foi demais para os perdedores e seus iguais, notadamente, a grande imprensa; esta e aqueles não admitiram a quarta derrota seguida. Mal se encerrou o segundo turno das eleições presidenciais de 2014, começaram a tramar a reviravolta do pleito eleitoral, que, para eles, deveria ser declarado nulo, por um só motivo: perderam as eleições e isto não faz parte do pôquer capitalista. Como esta manobra, por absoluta falta de consistência e fundamento, não pode ser executada – apesar de ainda se encontrar em curso, no TSE, o pedido de cassação da chapa eleita – , os jogadores derrotados, desprovidos de escrúpulos e pudor, e sem nenhum pejo – que são, a bem da verdade, a marca que os distingue – , imitando o trapaceiro, da metáfora de Mário Couto, procuram dar uma nova interpretação ao instituto jurídico do impeachment, de que trata o Art. 8, da, Constituição Federal (CF), para os casos de crime de responsabilidade do Presidente da República.

Para conseguir o seu intento fabricam acontecimentos, pouco importando a sua veracidade, ou não, que, para eles, é mero detalhe sem importância; fazendo lembrar a metáfora que o falecido Presidente Itamar Franco gostava de repetir, para ironizar os seus adversários, segundo a qual os números não mentem; mas os mentirosos fabricam números.

O grande aliado dos que sonham em fazer trapaça política é a grande imprensa, que, para o saudoso romancista Graciliano Ramos, em sua imaginária entrevista com o cangaceiro Lampião, em 1931, um jornal não passa de um papel com letras para embromar os trouxas. Agora, reforçada pelos novos meios de comunicação e tecnologias de informações e comunicações (TICs), com igual objetivo, no caso concreto.

O impeachment premeditado pelos que não admitem a derrota eleitoral de 2014, não visa a restaurar a ética e a moralidade e o decoro do cargo de maior mandatário do País – valores sociais que jamais cultivaram; ao contrário, sempre os abominaram. Visa, isto sim, a restaurá – los no comando político da Presidência da República. Portanto, para eles, este instituto político, como nova regra do pôquer capitalista, que querem impor, tem uma única e má razão: guindá – los ao poder político, e nada mais; ainda que isto custe a fratura exposta da espinha dorsal da ordem democrática, mesmo nos marcos da sociedade capitalista, desde que guiada pelo Estado Democrático de Direito, como o é a brasileira, a partir da CF de 1988: que é o respeito à vontade popular, voluntariamente, manifestada nas urnas.

Destarte, com o devido respeito aos que, sinceramente, pensam de modo diverso – o que não é o caso dos que querem chegar à Presidência da República, pela cassação da vontade das urnas, aliás, desde o ano de 2002 – , neste momento, defender o impeachment, ainda que não seja esta a intenção, caracteriza – se como a veemente negação da ordem democrática e da construção da cidadania.

Posicionar – se contra o impeachment, urdido pelas viúvas das urnas, não significa a defesa do mandato da Presidente de Dilma, mas, sim, insista – se, da ordem democrática, que, se for derrubada, não se erguerá, novamente, por décadas a fio. Muito embora não seja possível fazê-lo, sem se defender aquele, legitimamente conquistado, pelo voto popular.

Somente quem viveu os horrores do regime militar, a serviço dos que agora querem o impeachment, sabe o real valor da ordem democrática, fundada na liberdade plena e no respeito aos seus fundamentos.

A contrariedade com os rumos deste mandato da Presidente da Dilma – aliás, com justíssima razão – , não pode converter – se em defesa de sua cassação; pois que esta é buscada, com sofreguidão, por quem não tem amor, nem mesmo respeito, pela ordem democrática. Para os que esperam ganhar o poder com a deposição da Presidente, o Brasil, a cidadania e o Estado Democrático de Direito, possuem um único valor: servir aos seus inescrupulosos interesses. Se a assunção ao poder custar a derrocada da nação e de seus mais sagrados valores, pouco se lhe dão. Não é à toa que navegam, desde tempos imemoriais, por todas as águas do poder, pouco importando se são límpidas ou tintas de sangue; bastando, para tanto, que detenham este.

Não por mera coincidência, parlamentares que, em 1992, posicionaram – se, de forma raivosa e agressiva, contra o impeachment de Fernando Collor, por razões óbvias; são madrugadores na defesa do que está em orquestração. Os fatos falam por si sós.

Mas, afinal, como percebeu Giordano Bruno – queimado pela fogueira da inquisição, em 1600 – , ao se despedir deste mundo, pedir aos donos do poder para reformá-lo é pura ingenuidade. Importa dizer: esperar que os generais do atual impeachment tenham, pelo menos, a decência dos samurais, fundada na honra, na lealdade e na retidão de caráter, é como esperar que um navegador possa chegar à Estrela Alfa Centauro – segundo o Físico e Professor Marcelo Gleiser, no atual estágio da civilização, são necessários aproximadamente cem mil anos.

Por tudo isto, o veemente repúdio ao impeachment, em tramitação na Câmara Federal, é dever inarredável de quem não transige com a ordem democrática.