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A América e os modelos privatistas de educação

O pesquisador Antoni Verger, da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), ao discutir a privatização no contexto dos sistemas de ensino, conversou com a Revista Conteúdo sobre a relação entre os processos privatistas e os governos ditatoriais, como ocorreu no Brasil e no Chile.

 

Os modelos de privatização no ensino latino-americano sofreram influência direta dos regimes ditatoriais implantados nos países do continente. Essa ponderação foi feita, no fim de março, pelo pesquisador Antoni Verger, do Departamento de Sociologia da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), que esteve no Brasil para participar do II Seminário Regional sobre a Privatização da Educação. Os debates foram promovidos pela Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Clade) e pela Open Society Foundations, em colaboração com a Internacional da Educação (IE) e a própria UAB.

Em sua pesquisa, Verger aborda as características que definem a privatização no contexto dos sistemas de ensino. Diante das crescentes tendências de ampliação das políticas e práticas privatistas em âmbito mundial, ele considera fundamental a atuação da sociedade civil, não apenas de resistência, mas também na articulação de propostas que visem aprimorar a educação pública.

Um dos exemplos mais significativos é o do Chile, já abordado em outras edições da CONTEÚDO. Há mais de 30 anos o Chile convive com um mecanismo polêmico de financiamento da educação, implementado pela ditadura do general Augusto Pinochet, em que o governo oferece subsídios para o pagamento das mensalidades escolares, num sistema de vouchers: o dinheiro é repassado na forma de um documento, uma espécie de vale, que os pais apresentam ao colégio, público ou privado, onde desejam matricular o filho. Na disputa por mais estudantes (e mais recursos), as escolas seriam obrigadas a melhorar a “qualidade” do ensino ofertado.

As escolas do país foram separadas em três grupos: as públicas, que foram municipalizadas; as privadas subsidiadas, cujos alunos recebem “abonos” do governo; e aquelas que são totalmente particulares. Essa divisão, porém, levou o Chile a um ensino repleto de contrastes sociais e econômicos, que interferem na qualidade da educação. O objetivo, a princípio, era forçar as escolas, na competição por mais alunos (e, portanto, por mais recursos), a melhorar sua “qualidade”. A competição, porém, não promoveu melhorias. Como grande parte dosvouchers tem preço único e há um índice grande de desigualdade social no Chile, os alunos mais pobres, que exigem mais dedicação, passaram a ser relegados pelas instituições. O que se produziu foi uma educação com uma enorme segregação econômica. Além disso, há um mecanismo perverso denominado “financiamento compartilhado”, o qual permite que, mesmo recebendo subsídios do Estado, os estabelecimentos particulares cobrem um valor adicional.

“Numa reforma como a que se produziu no Chile, tão drástica, tão radical, que introduziu experimento de mercado com a adoção do voucher – e naquele momento era inédito que um país fizesse uma reforma em prol do mercado em tal escala –, isso só se pode dar, eu creio, num contexto ditatorial, no qual não haja oposição ou que a oposição seja reprimida para não interferir”, considera o pesquisador.

É claro que um regime de exceção não é o único contexto em que se adotam modelos privatistas, senão o próprio Brasil teria superado – e não agravado – esse processo com a reabertura política. O fato de o país viver uma democracia, contudo, pode interferir para que as consequências não sejam tão extremas. Nos Estados Unidos, por exemplo, desde que assumiu, o presidente democrata Barack Obama mostrou uma faceta republicana ao dar continuidade a uma reforma educacional iniciada por George W. Bush. As medidas, porém, enfrentam resistência e acusações de que o governo norte-americano se vale de uma suposta crise educacional para orquestrar ataques às escolas, aos professores e aos princípios da responsabilidade pública pela educação pública, servindo aos interesses daqueles que querem privatizar as escolas públicas.

“Em relação a essa reforma que há muitos anos está acontecendo nos Estados Unidos, por ser uma democracia, há muitos pontos de vetos, muita oposição. Com isso, a reforma está avançando de forma muito pontual em determinados estados e municípios, mas não consegue ter essa envergadura que adquiriu no Chile, precisamente porque havia uma ditadura”, explica Verger.

O mesmo se dá na Colômbia, onde o governo criou as “escolas de concessão”, bem próximas às chamadas charter schools, que surgiram no início da década de 1990, nos Estados Unidos, onde a cultura comunitária e associacionista favoreceu o modelo. Geralmente, essas instituições, embora pertencentes ao Estado, são geridas por entidades privadas e financiadas pelo sistema público, cujo funcionamento é autorizado a partir da apresentação de um projeto educativo (pedagógico e financeiro-administrativo). Qualquer semelhança não é mera coincidência, já que o modelo tem avançado no Brasil.

No caso colombiano, os contratos são feitos apenas com organizações sociais sem fins lucrativos (o que se difere do modelo norte-americano). As instituições são escolhidas mediante licitação, para gerir escolas em áreas marginais. Os contratos são celebrados com no mínimo 12 anos de duração e o governo desembolsa aproximadamente o valor médio que custa um aluno da rede pública.

Mas, segundo Verger, não era exatamente essa a intenção do ex-presidente Álvaro Uribe, que adotou o modelo. “Mesmo na Colômbia, com o governo de Uribe, quando se implantou uma reforma educativa, teve-se o Chile como referência. No entanto, a oposição dos sindicatos e da sociedade civil foi tão forte que somente avançaram nesse modelo de escolas charter”, esclarece. “Mas, quando planejaram essa reforma, queriam fazer uma coisa mais parecida com a que aconteceu no Chile; não conseguiram justamente pela atuação importante da oposição.”

Assim, para o pesquisador, combater a privatização requer que a sociedade civil e as entidades sindicais de trabalhadores em educação sejam capazes de ir além da resistência a esse processo e às políticas neoliberais em sentido amplo, mas também que promovam campanhas de sensibilização para que a classe média se engaje de fato na defesa da escola pública.

A matéria está na Revista Conteúdo, da Contee, nº 26.

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Fonte: Contee

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Jorn. FERNANDA MACHADO

Assess. de Imprensa e Comunic. do Sinpro Goiás